XXXI. MARIA DAS DORES

Carlos considerou que era realmente melhor não acordar o irmão; deixou-o dormir, e passou à sala, que era ao mesmo tempo de visitas, de trabalho e de jantar. Apesar da sua pobreza, o aposento tinha um ar alegre; os móveis, antigos e já sem verniz, estavam cuidadosamente espanados: o lampião de metal reluzia, de tão bem areado; na janela, dentro de uma pequena gaiola, cantava um curió.

O almoço era farto: feijão, carne de sol assada, bananas; mas Carlos comia maquinalmente, preocupado com a doença do irmão, e com as dificuldades com que ainda tinha de lutar até chegar à capital da Baía, — dificuldades que maiores lhe pareciam agora, na ausência do providente Juvêncio.

Ia em meio o almoço, quando se ouviu a voz de Alfredo, que despertara. Carlos correu ao quarto, e teve a satisfação de ver que o doente estava sem dúvida, muito melhor.

— Então? Como te sentes?

— Muito bem! — respondeu o pequeno. — Já quase não sinto dor no pé.

— Queres almoçar?

— Quero, sim, que tenho bastante fome.

— Não te levantes. Vou buscar o teu almoço.

A dona da casa arranjou à pressa um almoço leve para o enfermo, — um pirão de farinha, um ovo frito, — e disse à filha, Maria das Dores, que a fosse levar ao quarto.

Alfredo já vira, na véspera, a rapariga, à beira do rio. Mas, olhando-a entre tantas outras, não reparara bem nas suas feições. Agora, vendo-a entrar com o almoço, achou-a encantadora.

Maria das Dores era uma mocetona morena, quase cabocla, mas muito corada e de traços regulares. Tinha olhos negros, lábios finos mostrando uma fileira de dentes alvos e iguais, rosto redondo, testa estreita, cabelos muito lisos e pretos, atados no alto da cabeça. Tinha um ar de candura e de meiguice, e, ao mesmo tempo, de simples e ingênua franqueza.

Entrou, deu o almoço ao pequeno, e começou a conversar com ele, que logo se sentiu atraído pela sua bondade.

— Então, ainda não está bom?

— Não estou bom, mas já estou muito melhor. Ora eu, ontem, conversei tanto com você, e não lhe perguntei o seu nome!...

— Maria das Dores.

— Você não tem irmão?

— Tive um que morreu pequenino, de sarampo.

Daí a pouco, ia tão animada a conversação entre os dois, que Carlos e a velha lavadeira ouviam lá dentro as risadas alegres de ambos.

— Aquela rapariga — disse a velha — é sempre assim. Tem dezesseis anos, e parece uma criança de oito ou dez. está sempre falando, rindo, cantando. Nunca a vi triste... saiu à avó, que era uma tapuia: quando tinha setenta anos, andava tão alegre, tão risonha como uma moça.

Tentado por aquela alegria, cujo ecoar chegava à sala, Carlos foi ver o que a provocava.

Ao entrar no quarto, encontrou o irmão, bem disposto e com boas cores, sentado na cama, com o prato sobre as pernas cruzadas, ouvindo a rapariga, e rindo muito do que ouvia. Maria das Dores, sentada no chão, contava uma história em verso. Não se vexou com a entrada de Carlos, e continuou:

No sertão de Cabrobó

Havia um sapo casado:

Na seca de 34

Quase morreu de torrado...