XXVI. A CRUZ DA ESTRADA

Profundamente abatido pelas terríveis comoções daquele dia, Carlos quis desistir do seu projeto de acompanhar a boiada.

— Nada! — disse ele a Juvêncio — já fiquei conhecendo bem os perigos a que a gente se expõe, neste ofício de lidar com bois bravos... Quase vi o Alfredo morto, e escapei também de ser mutilado pelos chifres daquele novilho... Para que havemos de arriscar a vida inutilmente? Não esperemos pela partida da boiada, e partamos hoje mesmo!

— Bem! — respondeu o rapaz sertanejo — não sigamos com a boiada, mas, em vez de partir hoje, partamos amanhã. Aproveitaremos o dia, para consertar nossas roupas que estão rotas...

Assim fizeram. Remendaram e coseram as roupas, e, no outro dia, despediram-se do criador, que lhes forneceu generosamente alguns víveres, e partiram.

Caminharam durante quase todo o dia, vagarosamente — para evitar a fadiga, — e parando de quando em quando.

A estrada era boa, mas desabrigada, sem árvores, cortando terrenos despovoados e secos, muito castigados do sol. Os rapazes ofegavam e suavam, com as faces afogueadas pelo calor.

Ao cair da tarde, entraram numa região mais fresca, mais coberta de mato, e, ao mesmo tempo, mais cultivada. Sentia-se que havia habitações ali perto.

À beira da estrada, encontraram, numa encruzilhada, num sítio baixo, sombreado e triste, um ranchinho de telhas, aberto por todos os lados, abrigando uma cruz. Era um cruz de pau tosco, já enegrecida pelo tempo, — mas enfeitada com flores e fitas de papel.

Pararam todos: e Alfredo lembrou-se de já ter encontrado, várias vezes, pelo caminho, outras cruzes como aquela...

— Que quer dizer isto? — perguntou ele. — Desde Pernambuco, venho encontrando estas cruzes...

— Estas cruzes — explicou Juvêncio — marcam quase sempre os lugares onde mataram gente. Também, às vezes, marcam a sepultura de pessoas pobres, cujos corpos não puderam ser conduzidos para os cemitérios... Mas, em geral, quando se levanta uma cruz à beira da estrada, isso quer dizer que aí foi assassinada uma pessoa. Antigamente, cometiam-se por aqui muitos crimes: por qualquer causa insignificante, um indivíduo tirara a vida ao outro; e, naturalmente, os assassinos sempre praticavam as suas maldades em lugares ermos como este. Vinham esperar a vítima, e matavam-na a tiro ou a facada...

— E a polícia? — perguntou Alfredo.

— Ora, antigamente, quase não havia polícia por aqui. Era preciso que a vítima fosse alguma pessoa importante ou rica, para que as autoridades se abalassem. Na maioria dos casos, os criminosos ficavam sem castigo. Enterrava-se uma cruz no lugar em que o desgraçado tinha caído morto, — e não se tratava mais do caso.

— Mas a cruz está enfeitada... — notou Carlos — quem a terá enfeitado?

— Foi o povo... Quando uma pessoa morre assim, caída da perversidade um malvado, o povo acredita que a alma dessa pessoa foi logo para o céu, e começa a fazer-lhe “promessas”: acende velas, e coloca flores no lugar em que se deu o crime; às vezes até se levantam capelinhas, onde o povo vem rezar...

— Que horror! — exclamou Alfredo — e há sempre assassinatos?

— Ah! Não! Os tempos mudaram. Os costumes são outros. Agora são raros os crimes.

Continuaram a caminhar. Cem metros adiante a estrada subia, costeando um morro. Apareceram algumas casas, na colina; e, em breve, os viajantes chegaram a um pequeno arraial, formado por pouco mais de uma dúzia de habitações. A primeira casa do arraial era uma “venda”. Para aí se dirigiram os rapazes, e pediram ao vendeiro que lhes permitisse que se aboletassem debaixo de um telheiro ao lado.