XXV. CENA TERRÍVEL

No dia seguinte, Quinta-feira, o fazendeiro mandou reunir o gado, para apartar as rêses que deviam partir. O serviço foi feito à tarde: reuniram-se quinhentas cabeças de bois, vacas, novilhos e bezerros.

Era um gado gordo e bonito, de pêlo fino e lustroso, grandes chifres esgalhados e retorcidos. Os animais vinham tangidos por seis vaqueiros, — uns a pé, outros a cavalo, todos vestidos de couro: perneiras, gibões, coletes e chapéus de couro.

— Porque é que os vaqueiros não se vestem como nós? — perguntou Alfredo a Juvêncio.

— Porque têm de atravessar caminhos difíceis: e vestem-se de couro por causa dos espinhos que lhes romperiam quaisquer outras vestimentas. Quem viaja no sertão, onde não há lagos, nem rios francos, nem estradas largas, mas somente matagais cerrados, precisa de vestimenta especial...

O gado foi todo recolhido a um “pastinho”, que havia perto da casa da fazenda. O fazendeiro ordenou aos vaqueiros que comparecessem no outro dia, bem cedo:

— Amanhã apartaremos as reses, e ferraremos os novilhos e garrotes.

Às seis horas da manhã de Sexta-feira, começou o trabalho. As vacas e os bois, que deviam seguir, ficaram no “pastinho”. Para o curral vieram os animais que iam ser ferrados.

Acendeu-se uma grande fogueira de lenha; e os ajudantes puseram nela os ferros, para aquecê-los. Eram hastes de ferro, tendo numa extremidade, duas letras também de ferro; a outra extremidade cravava-se num cabo de madeira. Alfredo notou que as letras eram um J. e um P. unidos.

— Que querem dizer aquelas letras?

— São as iniciais do nome do fazendeiro: João Pedroso, — explicou Juvêncio.

Quando os ferros ficaram bem quentes, os vaqueiros foram buscar umas cordas fortes, de couro cru e torcido, tendo em uma das pontas uma argola de ferro, dentro da qual a corda corria, formando laço.

Um vaqueiro tomou logo uma dessas cordas, enrolou-as em várias voltas, e, segurando a ponta livre do laço, atirou-a na direção de um dos novilhos. A corda desenrolou-se no ar, e o laço foi cair certeiro sobre os chifres do animal, que ficou preso. O vaqueiro passou a corda em torno de um moirão, fincado no meio do curral, e foi puxando por ela. O novilho, assim que se sentiu laçado, começou a pular; mas o homem era forte, e o moirão estava bem firme no solo. Os outros vaqueiros tangiam o animal, que pouco a pouco foi sendo trazido para junto do toco, até ficar com a cabeça encostada ao moirão. Passaram-lhe a corda pelos chifres, ligando-os fortemente ao esteio; e, quando viu que a cabeça do animal estava bem segura, um dos vaqueiros prendeu-o pela cauda; outro foi buscar o ferro, que estava vermelho, em brasa, e assentou-o sobre o quarto direito da rês. Os pêlos e a pele chiaram, desprendendo uma fumarada negra e um cheiro de carne chamuscada. O novilho arfou, quis saltar, e soltou um berro medonho, um urro de raiva e dor. Depois de uns quinze segundo, retiraram o ferro: as letras J. P. apareciam, num sulco escuro, sobre a anca do animal.

O serviço continuou rapidamente, sendo marcadas várias reses, até que foi laçado um novilho negro de pontas alçadas e finas. Antes que o vaqueiro tivesse podido puxar o laço o animal arremeteu furioso contra ele, sacudindo a cabeça, e desprendendo-se da corda. Ligeiro e ágil como um toureiro de profissão, o homem desviou o corpo, e apadrinhou-se com o moirão. O animal arremeteu contra outro vaqueiro, que saltou fora do curral. O bicho estava como uma fera; e, vendo Alfredo, encostado à porteira, veio direito sobre ele. O menino, tomado de medo, conseguiu abrir a porteira, e deitou a correr; o novilho seguiu atrás dele, como um raio. Carlos, soltando um grito de horror, partiu em socorro do irmão. Os vaqueiros todos o imitaram... Mas o animal já estava quase alcançando o menino... Felizmente, Alfredo tropeçou e caiu: o novilho, cego de raiva, não pode parar, com o impulso que trazia, e passou por cima dele... Mas daí a pouco, voltou, e, desta vez, arremessou-se sobre Carlos, que quase foi apanhado pelas suas pontas aceradas. Todos os vaqueiros, porém, já tinham chegado um deles, conseguindo segurar a cauda do animal, e dando-lhe um puxão violento, pôde atirá-lo ao chão...