Carta de guia de casados/Afeminação, desleixo, e requebros indecentes

XXXIV


Afeminação, desleixo, e requebros indecentes


E porque não nos desconsolemos de todo com os costumes modernos, nem os que se prezam de severíssimos nos queiram confundir com a pureza dos antigos ; como se poderá crer que naquele reinado de el-rei D. Sebastião, em que os homens se fingiam de ferro, por contemplação dos excessos de el-rei, era costume andarem os fidalgos mancebos encostados em seus pagens, como hoje as damas ? E chegava a tanto aquele mau costume, que quando os que jogavam a péla, passavam de uma casa para outra, o não faziam, sem que se lhes chegassem os pagens, e neles se encostassem. Diziam haã, fazendo-o muito comprido, e os mais falavam afeminado, por uso daquele tempo. Sendo isto assim, não há para que condenar os costumes pela idade senão pela qualidade ; nem é justo desprezar o presente por engrandecer o passado.

Tenho por muito digno de repreensão o andar por casa descomposto. Persuadira, a não ser molesto, que fôsse o mesmo trajo o de casa, e o da rua. Verdadeiramente o homem em seu hábito, parece que tem outra grandeza, e império. Prova-se bem, com que os reis, e os grandes, aquele criado de que mais confiam, é o que admitem a sua presença, quando estão descompostos : como que necessita de amor, e fidelidade quem houver de guardar inteira reverência a um homem descomposto.

Alguns há tão pouco advertidos, que requebram suas mulheres à mesa diante de seus criados, agora com as palavras, agora com os meneios ; é de todos os modos indignissimo ; porque igualmente ofende a modéstia dos homens, e a honestidade das mulheres. Tenha êste excesso sua contradição na mulher, quando não tiver sua advertência no marido.