AOS LEITORES DESTA CARTA
 

 

Não é outra coisa a filosofia que uma consideração universal de tôdas as cousas, pela qual se alcança o conhecimento delas. Divide-se em natural, e moral. A natural averigua as qualidades dos céus, elementos, e criaturas. A moral aparelha a ordem do trato humano. Também esta moral se divide em três partes, que chamam ética, económica, e política. A ética cuida dos costumes do homem. A económica tem por fim o regimento das casas, e famílias. A política entende sôbre o govêrno das cidades, reinos, e impérios : mas de tal maneira, que a económica requer política, e a política económica ; porque o reino é casa grande, e a casa reino pequemo ; e a ética necessita da política, e da económica ; porque o homem é um mundo inteiro.

Mas agora, falando sòmente da filosofia económica, que é a que pertence a êste tratado, digo que esta tal filosofia compreende tôdas as condições de gente de que consta a república : grande, meã, e pequena : porém olha com maior intenção para os grandes ; porque a segunda, e terceira qualidade de homens não requerem tanto estudo para sua conservação. Estende-se também a todos os estados de vida : Casados, solteiros, e viúvos ; mas da mesma maneira é mais própria dos casados que dos solteiros e viúvos. Não porque êstes dois modos de vida deixem de necessitar de regras para seu bom regimento ; porém porque são estados em que poucos, e pouco tempo se detêm ; constam sempre de limitadas famílias, e por isso de menos ocasiões ; não pedem todo aquele desvêlo, cuidado, e vigilância, que convém ao casado para sustentar sua casa em honra, e sem perigo.

O principal estudo que aos casados pertence para conseguirem êsse fim, é aquele que lhes dá o modo justo de se haverem, e para viverem com suas mulheres ; porque dêste acêrto, ou êrro, procedem todos os erros, ou acertos de um varão, e de uma família.

D. Francisco, autor dêste papel, sendo rogado de um seu grande amigo que entendia casar-se, para que lhe dêsse alguns bons conselhos, e avisos àcêrca dêste estado, escreveu êste discurso (como êle mesmo afirma) sem algum artifício ; que é bôa qualidade para dar crédito ao que se aconselha.

Foi seu ânimo persuadir aos casados a paz a concórdia com que devem ordenar sua vida ; encomendar a estimação das mulheres próprias ; inculcar os meios por onde o amor se conserva, e se aumenta a opinião.

Êste livro, correndo manuscrito, quis ser de algumas pessoas caluniado de severo contra a liberdade das mulheres ; e foi esta a principal razão de se comunicar agora, a todos, para que se veja a pouca causa que o livro deu ao juízo que dêle se tinha feito. O que bem se pode conhecer conferindo sua doutrina com o que escrevem todos os que trataram esta matéria.

E se porventura disser alguém que o entendimento dos homens obra aqui apaixonado por sua jurisdição ; veja-se aquele excelente tratado que escreveu da nobreza virtuosa, a condessa de Aranda, D. Luisa Maria de Padilha, e publicou Fr. Pedro Henrique Pastor ; que lojo se achará como nem por ser escrito por mulher se subornou da fragilidade de sua condição, para que deixasse de assentar às mulheres com tôda a aspereza os preceitos necessários.

A natureza mostra, e o confirma a experiência, que as mêzinhas de uso mais dificultoso são aquelas de virtude mais eficaz. A arte, a que os médicos chamam Precautoria, sem dúvida é moléstia, se se olha a quanto obriga ; mas, se ao muito de que preserva, sem dúvida é suavíssima. O ânimo de D. Francisco bem prova, que não foi induzir a novos cuidados, e desconfianças, mas antes mostrar os caminhos para sair dêles, e fugir delas.

Entre os seus livros, pode ser que nenhum seja mais útil que o presente. E nenhum de-certo é mais fácil ; ou que a matéria pedisse um descansado estilo, ou qua êle cansado de ser repreendido de misterioso (e talvez de escuro) quisesse escrever para todos ; pois para todos escrevia, senão para si mesmo. Seja-lhe contudo desculpa (senão louvor) haver sido seu fim em todos seus escritos acomodar sempre o estilo com a matéria : cousa não de todos guardada, e ao menos concedida. Porque na história de Catalunha mostrou verdadeiramente eloqüência histórica. No Eco Político levantou mais a pena, porque o pedia a política. No Maior pequeno '', e em os Fénix escreveu aforístico, e lacónico, porque as matérias morais, e místicas que compreendem, fôssem pela brevidade apetecidas. Nas musas, grave ; por ser êsse o melhor método entre o vulgar e o difícil. No Panteon culto ; porque à matéria trágica se assina o mais alto dos estilos. O mesmo observou nos livros, e tratados que compôs antes, e depois dos referidos.

O próprio guarda no presente, que é o primeiro dos livros portugueses, e que bem mostra não ser menos digno de louvor pela propriedade com que escreve sua língua, que pela elegância com que nas passadas obras mostrou haver feito sua a castelhana. Seguirão os mais em português, que fico preparando enquanto gastardes o tempo em castigar, ou estimar êste, que a todos serve, a todos ofereço.

O impressor.