Carta de guia de casados/Carta a D. Francisco de Melo
Primo. Para haver no mundo uma dedicatória verdadeira, assim havia de ser feita ao descuido. Agora me avisa António Craesbeeck que na sua oficina está impressa a minha Carta de Guia de Casados ; que ou a dedique eu por mim mesmo, ou lhe deixe fazer dela convite a quem a estime, e lha agradeça. Mas eu, que não estou já para provar ventura com bafos de grandes, nem ouso mandar de novo o meu nome às aventuras (porque enfim o bafo é vento, e as aventuras soem ser desastres) neste pouco espaço que me deixou cuidar no que faria, o pedidor da resposta, nada soube fazer mais atinado, que o ir-me lembrar de vós, e da minha obrigação, para vos oferecer êste livrinho. Não julgaria que me ficais devendo muito ; e só para que saibais qual é o empenho, desenrolai o presente. Fazei conta que o que vos haveria de ir dizendo aos poucos, quando Deus vos puser neste estado, vô-lo tenho aqui dito por junto ; porque eu não sou nem quero ser daqueles, que se curam a si com diferentes mèzinhas que aos outros. Escrevi a um amigo estas observações. Confiadamente vos servi delas a seu tempo ; porque como a amizade é o maior parentesco, o parentesco deve ser a maior amizade. Vai debaixo de condição, que não haveis de amparar, nem defender o livro ; porque se êle não corresse ofendido, e desamparado, até eu o não teria por meu. Usai antes, se fôr (que sim será) necessário, daquela minha resposta a um que me tachava de que fizesse muitos, e maus livros : Senhor (lhe disse eu) deixai-me fazer muitos, até que faça um que vos contente. Dizei-lhe isto, e Deus vos guarde.
D. Francisco Manuel.