XXV
Somos entrados na santimónia, ou por melhor dizer, na beataria. Tenho cansado a v. m., quisera passar voando por aqui, mas hei mêdo que não possa. A matéria é das mais importantes; procure v. m. (mas que se force) ouvir-me com nova menção, que eu também renovando o cuidado, hei-de procurar de falar a v. m.
Muitas pessoas de grande porte, e excelente natural, a título de virtude, temos visto caír em vida desordenada. Nosso inimigo, o demónio há-se às vezes connosco, como um homem quando busca outro, que se topa em um caminho, e vê que vem para êle, ali o espera ; e se vê que se desvia para outra parte, então estuga o passo, e o segue até alcançá-lo. Às pessoas que vivem mal, muitas vezes lhes não sai ao encontro, porque sabe vem direitas para êle ; mas às que vivem bem, após dessas se lança com maior ligeireza.
A reformação dos costumes cousa é boníssima, e santíssima. Tem porém nas casadas seu limite ; de maneira que por se darem de todo a aqueles bons exercícios, não desamparem os da obrigação de seu estado ; no qual Deus deixou virtude e santidade bastante para que, sem saírem dêle, se possam salvar todos, e tôdas, a quem compreende.
Andam pelo mundo espalhados uns homens, e mulheres, que fazem profissão de mestres de virtude, de que verdadeiramente nem são discípulos. A êste fim arrebatam, sem alguma prudência, os ânimos singelos, e piedosos das senhoras, e gentes principais, que às vezes guiam tam mal, como nos mostram mil exemplos, e como êles a si se tem guiado.
Convém que a casada tenha seu confessor certo ; e êste seja pessoa grave, e conhecida, e daquelas religiões que mais florecem no logar onde viver. Muitas senhoras de grande estado vi confessar com os curas, e párocos de suas freguesias, que quando êles sejam homens doutos, e sisudos, julgo por excelente costume. Pois como até na eleição de confessor pode haver desacêrto, discreta resignação, e desconfiança seria não fiar de seu juízo cousa tam importante, e seguir aquela que a igreja tem feito, entregando sua consciência à pessoa a quem as entrega aquele a quem Deus, e seu Vigário as tem entregado.
Tenham as senhoras tôda a piedade, e compaixão dos pobres, e afligidos. Mas umas devoções a beatas, e beatos extravagantes, não levarão jàmais meu parecer. Senhor N., freiras veleiras, que não sejam as serventes dos conventos conhecidos, vélhas alumiadas, gentes professoras de novidades, que trazem orações, e devoções de tantos dias, com tantas candeias, e de tal côr, porque logo Deus (como elas dizem) lhes mostra o que há-de ser, requeiro a v. m. que tal cousa não admita.
Galantemente o advertiu o nosso Sá nos seus Vilhalpandos, espelho de graça, e cortesania. Quando a vélha, que ensinava a matrona, mandasse nove môças em romaria com vélas de cera virgem para abrandar a condição do filho travésso ; torna a fazer a vélha aquela tam estremada lembrança : Ouvis, senhora ; a cera das vélas convém que em todo o caso seja virgem ; que as môças, quer o sejam, quer não. Tais costumam ser de ordinário aquelas suas devoções, tais as circunstâncias em que elas põem a fôrça de sua virtude.
Umas há, que chamam madres, que se prezam de dizer cousas em segrêdo : se se casará, se terão filhos, se será o marido governador de tal parte, se ficarão viúvas cedo ; benzem enfermos, vão a Santo André, gastam rolos com seus nós todo o ano : afirmam que a alma do parente não esteve mais que três dias no Purgatório : guardar, senhor, de tudo isto, como do próprio inferno.