Carta de guia de casados/Mulheres caseiras

XXI


Mulheres caseiras


Os castelhanos celebram muito as mulheres caseiras, que tratam do serviço de suas casas. Verdadeiramente êles as festejarão tanto, porque colhem lá delas tam pouca novidade, que vem a ser novidade o achar lá uma destas mulheres. Contudo ouvi da rainha D. Margarida de Áustria (mãe de el-rei D. Filipe que hoje reina) bordava ela, e suas damas, mandava vender sua obra, e aplicava para regalos das freiras da Encarnação seus ganhos, e cabedais. Ou como, por melhor exemplo, dizem que faz hoje o mesmo a rainha nossa Senhora, imitando as nossas antigas princesas, entre as quais foi neste virtuoso exercício sinalada a rainha D. Catarina, tia da sereníssima rainha nossa senhora, de quem se diz se dava tam bem neste honesto e piedoso trato, que enriquecia os mosteiros pobres do reino ; dos quais muitos guardam todavia singulares adornos, ou feitos por mãos daquela santa princesa, ou ganhados pelo trabalho delas.

Não cansa a minha Margarida de Valois, rainha que foi de França, e Navarra. Chamo-lhe minha pela grande afeição que tenho a seus escritos ; e porque foi, a meu juízo, a mais discreta mulher de nossos tempos ; cujas acções de muitos caluniadas, eu espero brevemente defender no meu Teodósio. Não cansa, digo, esta entendidíssima senhora de encarecer o bem que lhe pareceu vêr desabotoar-se a condessa de Lalaim, estando à mesa com a própria rainha, a dar de mamar a um filhinho seu, que a seus peitos criava. Gaba a franceza grandemente aquela caseira acção da condessa, e diz : que nunca teve inveja a feito de mulher, como a aquele.