O teatro representa o terreiro da Fazenda do Riacho Fundo. À esquerda, vê-se a varanda da casa com janelas e portas, que dão para a cena: à direita, árvores; ao fundo, morros com plantações de café.
Cena I
editarMajor Limoeiro e Domingos
(Ao subir o pano, estão em cena escravos e escravas da fazenda, com foices e enxadas.)
- Coro
Oh! Que dia de pagode Na fazenda de sinhô! Sinhozinho chega hoje Com a carta de doutô! Nas senzalas satisfeitos, Aguardente beberemos, E, à noite, no terreiro O batuque dançaremos.
- Domingos
Com crioulas e mulatas, No feroz sapateado, Hei de em casa de meu branco, Trazer tudo num cortado.
Ninguém bula c’o Domingos, Que não é de brincadeira; Quando solta uma umbigada, Quando puxa uma fieira.
- Coro
Oh! Que dia de pagode, etc.,etc.
(Dançam todos.)
Limoeiro - (Que durante a cena esfrega as mãos satisfeito, na varanda.) Esquenta, rapaziada! Vá o pagode arriba! Não quero ninguém aqui na pasmaceira! (Descendo à cena; a Domingos.) Logo que sinhozinho apontar no capão do meio ataquem a foguetaria.
Domingos - Sim, sinhô. Está tudo na orde.
Limoeiro – Onde colocaste a girândola?
Domingos – Na encruzilhada, sim sinhô, do lado da tranqueira.Chii!!! Vosmecê não imagina como está tudo bonito! Tem arco de bambu; coqueiro da banda daqui; coqueiro da banda dali. Caminho está todo capinado e folha de caneta é mato!
Limoeiro – És um Tebas.
Domingos – Um escravo de meu sinhô.
Limoeiro – E então, essa gente do Pau Grande bem ou não vem?
Domingos – Falei ontem com o seu tenente-coroné, sim sinhô, dei o recado de meu sinhô, e ele disse-me que havia de vir com sinhá Dona Perpétua e com sinhá moça Rosinha.
Limoeiro – Já deviam estar cá. O rapaz não tarda. Retirem-se a seus postos. Hoje e amanhã não se pega na enxada. Brinquem, durmam, dancem, façam o que quiserem. Mas fiquem sabendo, desde já, que o que tomar carraspana leva uma tunda mestra.
Domingos – Viva sinhô moço Henrique!
Limoeiro – Viva!
Domingos – Dobrem a língua; digam: viva sinhô moço doutô!
Os negros – Viva sinhô doutô! (Saem com Domingos.)
Cena II
editarLimoeiro, só.
Limoeiro – Até que enfim! Aí vem o rapaz formado, com uma brilhante carreira na frente, e pronto para dar sota e basto (se não for tolo) nesta freguesia, onde a maior capacidade, depois do tenente-coronel Chico Bento com seus latinórios, é este seu criado, que mal sabe ler e escrever, mas que tem ronha como trinta. O rapaz, se quiser ser alguma coisa, há de aprender na minha escola.
Cena III
editarOs mesmos, Domingos, o Tenente-Coronel, Chico Bento, Dona Perpétua, Rosinha, Uma Criada, com um crioulinho ao colo; e um Pajem fardado com uma caixa de folha debaixo do braço.
Domingos – (Correndo com um foguete e um tição de fogo na mão.) Pararam cinco burros na porteira do curral! É a gente do Pau Grande!
Limoeiro – Veio a família toda. Manda que entrem para cá. (Domingos sai.)
Chico Bento – (Entrando com Dona Perpétua, Rosinha, a crioula e o pajem.) Ora viva o nosso Major Sebastião! (Apertando-lhe a mão.) Salutis pluribus interesse te valerius.
Limoeiro – Valério, não senhor, Sebastião Limoeiro, um seu criado. Como vai esta Sé Velha? (Cumprimenta a Rosinha e a Perpétua.)
Chico Bento – O rapaz já veio?
Perpétua – Estou ansiosa por vê-lo. (Para Rosinha.) Endireita este corpo, sinhá. Nunca vi coisa assim! Não tem jeito para nada!
Rosinha – Mamãe já principia? Se eu soubesse não tinha vindo, está sempre em cima da gente, fucte, fucte, só cutucando.
Perpétua – Vejam só como está este chapéu! (Admirada.) O que é que tu tens nesta barriga?
Rosinha – (Com arrebatamento.) Uê! Eu sei lá! Foi aquela coisa, que meu padrinho trouxe da cidade.
Perpétua – (Admirada.) As anquinhas! Ora vocês estão vendo? Senhor major, dê-me licença que entre, para arranjar esta menina.
Limoeiro – Essa é boa! Sem cerimônia (1), Dona Perpétua! Entre por aí afora. (Perpétua, Rosinha, a criada e a pajem entram para casa.)
Cena IV
editarLimoeiro e Chico Bento
Chico Bento – Finalmente o pequeno tomou juízo! Agora o que é preciso é muito tino e prudência nos negócios da freguesia. Libertis decuplis et anima nostri in duvido essis. Isto vai mal, meu major... As eleições estão a bater à porta...
Limoeiro – E não temos ainda um candidato.
Chico Bento – Lá quanto a isto, é o que não falta.
Limoeiro – Dizem por aí que o governo já designou o bicho.
Chico Bento – Há de ser quem quiser este seu criado Matias.
Limoeiro – Apoiado, meu tenente-coronel.
Chico Bento – Pensam, porventura, (2) que hei de consentir que os liberais assaltem a urna a baionetas, como fizeram, há quatro anos, na freguesia do Rabicho? Há de se agüentar no balanço!
Limoeiro – Perdão, meu tenente-coronel, foram os conservadores que, desrespeitando o voto livre e as garantias constitucionais...
Chico Bento – Foram os liberais que, violando o princípio das liberdades públicas...
Limoeiro – Discutamos no terreno dos princípios.
Chico Bento – É para aí que o desafio. Veja o que fez o Barnabé Antunes em sessenta e cinco.
Limoeiro – Sim. O que foi que ele fez?
Chico Bento – Nada mais, nada menos que mandar processar o Antônio Caipora, influência legítima, só para arredá-lo da eleição.
Limoeiro – Ora! Ora!
Chico Bento – Toda a freguesia sabe do fato.
Limoeiro – E o que era o Barnabé Antunes? Conservador.
Chico Bento – Está enganado. O Barnabé Antunes era liberal.
Limoeiro – Enganado está o tenente-coronel. O Barnabé Antunes era liberal em sessenta e dois, virou casaca em sessenta e três, e foi juiz de paz com o Partido Conservador.
Chico Bento – Desta maneira não se pode discutir.
Limoeiro – E o que me diz do Ambrósio da Silveira? Era porventura alguma coisa?
Chico Bento – Foi liberal.
Limoeiro – Nunca! (Ouve-se ruído de uma girândola.) Chegou o rapaz!
Cena V
editarOs mesmos, Perpétua, Rosinha e depois Domingos, Henrique e os negros.
Perpétua – (Descendo da varanda com Rosinha.) Que foguetada é esta, major? Parece-me que vem a casa abaixo!
Limoeiro – (Com alegria.) É o meu Henrique, é o meu doutor!
Negros – (Dentro.) Viva sinhô moço doutô!
Limoeiro – Viva!
Perpétua – (A Rosinha) Endireita este pescoço, menina!
Rosinha – Oh! Homem! Que maçada! O pescoço é meu, posso fazer dele o que quiser.
Chico Bento – (Indo ao fundo.) Aí vem ele! (Diversas pessoas correm à varanda da casa e aí se postam.)
Coro – (Dentro.)
Dos nossos braços valentes
Unidos em doce amor,
Façamos forte cadeira
Prá conduzir o doutor.
(Entram Domingos e os negros, carregando Henrique.)
- Coro
Os seus escravos, meu branco
Que vos amam com ardor
Aqui trazem satisfeitos
Da casa o doce penhor.
Henrique – (Saltando ao chão, e abraçando Limoeiro.) Meu tio!
Limoeiro – Meu filho... Sim, por que tu és meu filho, o filho das minhas entranhas.
Chico Bento – (Levando o lenço aos olhos.) Estas cenas de família chocam-me extraordinariamente. Beatus ventris qui te portavis!
Limoeiro – (Reparando em Henrique.) Mas que diabo é isto! Estás magro! Para que estudaste tanto, rapaz?
Henrique – Não atribua a minha magreza ao estudo. Mas sim às saudades que me devoravam, longe de vosmecê e destes campos, que me são tão caros.
Rosinha – (Vendo o estojo do diploma , que Henrique deve trazer a tiracolo.) Uê, mamãe! Que canudo tamanho é aquele que ele tem?
Perpétua – Que te importas tu com o canudo?
Limoeiro – Quero te apresentar aos nossos amigos do Pau grande. Aposto que já te não lembras do Coronel Chico bento?
Henrique – Muito, muito. Passei dias agradabilíssimos em sua fazenda. Como vai a sua senhora? A sua menina já deve estar moça!
Chico Bento – Olha, aqui está uma e lá está outra. Ambos orentis etats arcados dos ambos
Henrique – (A Perpétua.) Minha senhora... (Apertando-lhe a mão – a Chico Bento.) Ainda está bem sacudida!
Chico Bento – E eu que o diga.
Perpétua – ( A Rosinha.) Que moço amável!
Rosinha – ( A Perpétua.) Pois eu não acho, enquanto não souber o que é que ele tem dentro daquele canudo.
Henrique – (Para Limoeiro.) E quem é esta interessante mocinha?
Limoeiro – Pois não conheces? Ora, não conhecerás tu outra coisa! (Rosinha esconde-se atrás de Perpétua.)
Perpétua – É minha filha. ( Para Rosinha baixo.) Passa para a frente, menina. Que modos são estes?!
Henrique – ( Procurando vê-la.) É um rosto encantador.
Chico Bento - Dizem todos que é o retrato do pai.
Perpétua – ( Baixo a Rosinha) Passa para a frente, menina!
Rosinha – Não quero, está.
Limoeiro – (A Domingos.) Logo que escurecer, venham colocar as lanternas na varanda, acendam as fogueiras, e batuquem à grande.
Domingos – Sim, sinhô.
Coro –
Vamos, vamos, sem demora,
As lanternas preparar;
Pois está chegada a hora
Do batuque começar.
Oh que dia de pagode
Na fazenda de sinhô!
Sinhozinho já chegou
Com a carta de doutô!
Limoeiro – (Aos negros, que saem com Domingos.) Vão rapazes. ( para Henrique.) O que é que trazes nesta folha?
Henrique - A minha carta de bacharel, (Tira dos ombros e dá-lha.) a qual dedico-lhe, em prova dos muitos sacrifícios que tem feito pela minha felicidade.
Limoeiro – Obrigado, meu filho. (Abre a caixa, tira a carta e examina-a.)
Perpétua – Agora já sabe o que é?
Rosinha – Nunca vi carta daquele tamanha! Olhe, mamãe, tem uma fita e uma coisa dependurada até embaixo!
Limoeiro – (Esfregando a carta entre os dedos.) Isto não é papel.
Chico Bento – É pergaminho.
Perpétua – (Também examinando a carta.) O que é pergaminho?
Chico Bento – É um papel feito de couro.
Rosinha – (Para Perpétua.) Mas não é couro de burro, mamãe?
Limoeiro – Quem há de dizer que é com este couro, que se têm formado os homens mais importantes deste país! (Entrega a carta a Henrique.) Minhas senhoras, tomem conta da casa; vão lá para dentro e dirijam aquilo como se estivessem em sua fazenda. (Para Henrique.) Quanto a ti, deves estar estafado da viagem, apesar de que vieste montado no Diamante, que é o primeiro burro destas dez léguas em redor. Vai mudar de roupa.
Henrique – (A Chico Bento.) Se me dá licença...
Chico Bento – Essa é boa! (Saem Henrique, Perpétua e Rosinha.)
Cena VI
editarLimoeiro e Chico Bento
Limoeiro – Então o que diz do nosso doutor?
Chico Bento – Não é de todo desajeitado.
Limoeiro – Desajeitado! É um rapaz de talento!
Chico Bento - E diga-me cá uma coisa: a respeito de política, quais são as idéias dele?
Limoeiro – Tocou o tenente-coronel justamente no ponto que eu queria ferir.
Chico Bento - Omnibus tulit puntos, quis miscuit util et dolcet.
Limoeiro – (Gritando.) Olá de dentro? Tragam duas cadeiras. O negócio é importante, devemos discutir com toda a calma.
Chico Bento - Estou às ordens. (Entra um negro e põe as duas cadeiras em cena.) Tem a palavra o suplicante. (Sentam-se.)
Limoeiro – Tenente-coronel, cartas na mesa e jogo franco. É preciso arrumar o rapaz; e não há negócio, neste país, como a política. Pela política cheguei a major e comendador, e o meu amigo a tenente-coronel e a inspetor da instrução pública cá da freguesia.
Chico Bento – Pela política, não, porque estava o partido contrário no poder; foi pelos meus merecimentos.
Limoeiro – Seja como for, fato é que, apesar de estar o meu partido de cima, o tenente-coronel é e será sempre a primeira influência do lugar. Mas vamos ao caso. Como sabe, tenho algumas patacas, não tanto quanto se diz...
Chico Bento - Oxalá que eu tivesse só a metade do que possui o major.
Limoeiro – Ouro é o que ouro vale. Se a sorte não presenteou-o com uma grande fortuna, tem-lhe dado, todavia, honras, considerações e amigos. Eu represento o dinheiro; o tenente-coronel a influência. O meu partido está escangalhado, e é preciso olhar seriamente para o futuro de Henrique, antes que a reforma eleitoral nos venha por aí.
Chico Bento – Quer então que...
Limoeiro – Que o tome sob a sua proteção quanto antes, apresentando-o seu candidato do peito nas próximas eleições.
Chico Bento – Essis modus in rebus.
Limoeiro – Deixemo-nos de latinórios. O rapaz é meu herdeiro universal, casa com a sua menina, e assim conciliam-se as coisas da melhor maneira possível.
Chico Bento – (Com alegria concentrada.) Confesso ao major que nunca pensei em tal; uma vez, porém, que este negócio lhe apraz...
Limoeiro – É um negócio, diz muito bem; porque, no fim de contas, estes casamentos por amor dão sempre em água de barrela. O tenente-coronel compreende... Eu sou liberal... o meu amigo conservador...
Chico Bento – Já atinei! Já atinei! Quando o Partido Conservador estiver no poder...
Limoeiro – Temos o governo em casa. E quando o Partido Liberal subir...
Chico Bento – Não nos saiu o governo de casa.
Limoeiro – (Batendo na coxa de Chico Bento.) Maganão.
Chico Bento - (Batendo-lhe no ombro.) Vivório! E se se formar um terceiro partido? ... Sim, porque devemos prevenir todas as hipóteses...
Limoeiro – Ora, ora... Então o rapaz é algum bobo?! Encaixa-se no terceiro partido, e ainda continuaremos com o governo em casa. O tenente-coronel já não foi progressista, no tempo da Liga?
Chico Bento – Nunca. Sempre protestei contra aquele estado de coisas; ajudei o governo, é verdade, mas no mesmo caso está também o major, que foi feito comendador naquela ocasião.
Limoeiro – É verdade, não o nego; mudei de idéias por altas conveniências sociais. Olhe, meu amigo, se o virar casaca fosse crime, as cadeias do Brasil seriam pequenas para conter o inúmeros criminosos que por aí andam.
Chico Bento – Vejo que o major é homem de vistas largas.
Limoeiro – E eu vejo que o tenente-coronel não me fica atrás.
Chico Bento – Então casamos os pequenos...
Limoeiro – Casam-se os nossos interesses...
Chico Bento – Et coetera e tal...
Limoeiro – Pontinhos... (Vendo Henrique.) Aí vem o rapaz, deixe-me só com ele.
Chico Bento - Fiam voluntatis tue. Vou mudas estas botas. (Sai.)
Cena VII
editarLimoeiro e Henrique
Henrique – Como se está bem aqui! Disse um escritor que a vida da roça arredonda a barriga e estreita o cérebro. Que amargo epigrama contra esta natureza grandiosa! Eu sinto-me aqui poeta.
Limoeiro – Toma tenência, rapaz. Isto de poesia não dá para o prato, e é preciso que te ocupes com alguma coisa séria.
Henrique – Veja, meu tio, como está aquele horizonte; o sol deita-se em brilhantes coxins de ouro e púrpura, e a viração, embalsamada pelo perfume das flores, convida a alma aos mais poéticos sonhos de amor.
Limoeiro – Está bom, está bom. Esquece estes sonhos de amor, que no fim de contas, são sempre sonhos, e vamos tratar da realidade. Vira-te para cá. Deixa o sol, que tens muito para ver, e responde-me ao que te vou perguntar.
Henrique – Estou às suas ordens
Limoeiro – Que carreira pretendes seguir?
Henrique – Tenho muitas diante de mim ... a magistratura...
Limoeiro – Podes limpar as mãos à parede.
Henrique – A advocacia, a diplomacia, a carreira administrativa...
Limoeiro – E esqueceste a principal, aquela que pode elevar-te às mais altas posições em um abrir e fechar de olhos.
Henrique – O jornalismo?
Limoeiro – A política, rapaz, a política! Olha, para ser juiz municipal, é preciso um ano de prática; para seres juiz de direito tens de fazer um quatriênio; andarás a correr montes e vales por todo este Brasil, sujeito aos caprichos de quanto potentado e mandão há por aí, e sempre com a sela na barriga! Quando chegares a desembargador, estarás velho, pobre, cheio de achaques, e sem esperança de subir ao Supremo Tribunal de Justiça. Considera agora a política. Para deputado não é preciso Ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para o juiz de direito, para o desembargador, para o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, para mim, que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro, em suma.
Henrique – Mas para isso é preciso...
Limoeiro – Não é preciso coisa alguma. Desejo somente que me digas quais são as tuas opiniões políticas.
Henrique – Foi coisa em que nunca pensei.
Limoeiro – Pois olha, é mais político do que eu pensava. É preciso, porém, que adotes um partido, seja ele qual for. Escolhe.
Henrique – Neste caso serei do partido de meu tio.
Limoeiro – E por que não serás conservador?
Henrique – Não se me dá de sê-lo, se for de seu agrado.
Limoeiro – Bravo! Pois fica sabendo que serás ambas as coisas.
Henrique – Mas isto é uma indignidade!
Limoeiro – Indignidade é ser uma coisa só!
Cena VIII
editarOs mesmos e Chico Bento
Chico Bento – (Entrando alegre.) Já dei parte à menina, e à senhora: está tudo arranjado! E o que diz o nosso doutor?
Limoeiro – Ah! Ele está por tudo quanto eu quiser.
Chico Bento – Então, deixe-me abraçá-lo já como meu filho.
Henrique – Como seu filho?! Que diabo de trapalhada é esta?
Chico Bento – (A Limoeiro.) Pois ainda não lhe disseste?
Limoeiro – Ainda não; mas é o mesmo. (Para Henrique.) Meu Henrique, prepara-te para tomar estado.
Henrique – Mas isto assim, à queima-roupa?
Limoeiro – É desta maneira que eu gosto de arranjar as coisas, zás-trás, nó cego.
Cena IX
editarChico Bento, Limoeiro, Henrique, Rosinha e Perpétua
Limoeiro – (Trazendo Rosinha pela mão. ) Aqui está a tua noiva.
Rosinha – (Puxando a mão com força.) Eu não gosto destas brincadeiras comigo.
Perpétua – Menina, tenha modos.
Rosinha – ( A Perpétua.) Eu já disse que não quero: e quando eu digo que não quero, é porque não quero mesmo. É à toa, escusa de estar nhen-nhen-nhen em cima da gente.
Henrique – (À parte.) Mas que papel represento eu?
Limoeiro – (Baixo a Perpétua.) O verdadeiro é deixá-los sós. Tenente-coronel, enquanto não chegam os convidados para a festa, vamos dar um passeio pelo laranjal. Ande, venha, Dona Perpétua.
Rosinha – (Baixo, a Perpétua.) Eu não fico aqui sozinha com este homem.
Perpétua – Espera, menina, eu já venho.
Rosinha – (Baixo.) Não quero.
Perpétua – (Baixo.) Vejam só que tola! Conversa com o moço, que tu hás de gostar dele...
Rosinha – Que me importa lá com o moço! Eu não como em casa dele.
Perpétua – (Baixo.) Pois bem: fique aí e não me conte mais histórias.
Rosinha – Eu fico, mas não falo com ele. Ele pode dizer o que quiser, que entra por aqui e sai por ali.
Limoeiro – Vamos, Dona Perpétua, antes que chegue a hora de jantar.
Cena X
editarHenrique e Rosinha
Henrique – (À parte.) Que diabo hei de eu dizer a esta pamonha?
Rosinha – (À parte.) Se tu esperar que te puxe pela língua, estás mal enganado.
Henrique – (À parte.) Vou perguntar-lhe que horas são.
Rosinha – (À parte.) Estou quase perguntando-lhe que coisa é aquela que ele tem dependurada na carta.
Henrique – (À parte.) Mas agora reparo que ela é bem interessante. Lindos olhos, cílios brandamente arqueados...
Rosinha – (À parte.) Uê! Como ele olha para a gente!
Henrique – (À parte.) Cintura fina e delgada, cabelos castanhos... Decididamente não é nenhuma asneira.
Rosinha – (À parte.) Agora lá para que digamos, ele não é muito feio. Moreninho, cabelos encaracolados...
Henrique – (À parte.) Eu vou dirigir-lhe a palavra.
Rosinha – ( À parte.)Se ele falar, eu respondo.
Henrique –(À Rosinha.) Ô sinhá! (Rosinha finge que não ouve.) Saiu! Ô sinhá? (Henrique segura-lhe na cintura.)
Rosinha – (Esquivando-se.) Não me cutuque, que eu vou contar a mamãe.
Henrique – Não fuja, não quero fazer-lhe mal. Olhe, sinhá, olhe para mim.
Rosinha – (Com maus modos.) Eu não me chamo sinhá.
Henrique – Não se zangue.
Rosinha – O senhor sabe muito bem meu nome.
Henrique – Dona Rosinha?
Rosinha – O que quer?
Henrique – (Aproximando-se.) Quero dizer-lhe que...
Rosinha – (Afastando-se.) Chegue-se para lá; fale de longe que eu não sou surda.
Henrique – (À parte.) E não é que o diabinho da menina é bem interessante. (Alto.) Quero dizer-lhe que a senhora é a rosa mais encantadora destes prados, e que faz morrer de inveja e de ciúmes todas as flores que a cercam.
Rosinha – O senhor está caçoando com a gente.
Henrique – Estou-lhe abrindo o meu coração. Há algumas horas apenas que a conheço e confesso que sinto-me cativo de tanta singeleza.
Rosinha – Ó gente! Então hoje é a primeira vez que o senhor me vê?
Henrique – Creio que xim.
Rosinha –Então o senhor come muito queijo! Pois não se lembra que já esteve no Pau grande caçando pombas? Eu até tenho ainda uma boneca que o senhor me deu.
Henrique –E, desde essa época, tem me conservado sempre em tua lembrança?
Rosinha – (Vexada.) Não sei...
Henrique – Então por que censura-me por não havê-la reconhecido? É porque seus lábios não ousam dizer o que o coração sente.
Rosinha – Nem tudo o que se sente, se diz.
Henrique – Dona Rosinha, parece-me que meu tio não é tão tirano como eu pensava, por haver ajustado este casamento, sem consultar a nossa vontade. A sua candura inspira-me, e creio que serei muito feliz, aluando o meu futuro ao seu. Quer casar comigo?
Rosinha – Não sei...
Henrique – (Segurando-lhe a mão.) Responda.
Rosinha – Aí vem papai. (Sem poder tirar a mão da de Henrique.)
Cena XI
editarOs mesmos, Chico Bento, Perpétua e Limoeiro
Chico Bento – (Vendo Henrique segurando a mão de Rosinha.) Venham, venham depressa, que o negócio está concluído! Jam proximus ardet.
Rosinha – (Assustada.) Eu não lhe disse?!
Limoeiro – Não vai mal, senhor doutor!
Henrique – Sou da escola de meu tio! Zás-trás, nó cego. Perpétua – (Baixo a Rosinha.) Eu não te disse que o moço era bom?
Chico Bento – Agora só falta o – finis coronnat opus – ou o – Ite consummatum este.
(Ouve-se música dentro.)
Cena XII
editarRosinha, Henrique, Perpétua, Limoeiro, Chico Bento, Gregório, Custódio e Flávio Marinho
(Gregório, Custódio e Flávio Marinho entram seguidos de uma banda de música precedida de um estandarte em que se lê: “Philarmonica Recreios do Pau Grande.”)
Rosinha – Chi! Mamãe, temos música!
Gregório – Viva o doutor que acaba de chegar.
Custódio e Flávio Marinho – Viva!
Gregório – Saúde, paz e tranqüilidade, eis o que desejo ao transpor os umbrais da residência do muito alto e nobre Senhor Major Limoeiro.
Limoeiro – Ora viva o Senhor Gregório. (Para Henrique.) Aqui te apresento o Senhor Gregório Simplício Anacoreta dos Goitacazes, distinto professor público da freguesia de Santo Antonio do Barro Vermelho.
Henrique – Tenho muita honra em conhecer o digno preceptor da nossa mocidade.
Limoeiro - ( Baixo a Henrique.) Olha que é afilhado do vigário, e o primeiro eleitor cá da freguesia.
Henrique – A fama de sua inteligência e de sua ilustração é apregoada por todos.
Limoeiro – (À parte.) Bravo! O rapaz tem dedo para o negócio. (Alto.) Este é o Senhor Custódio Rodrigo Netuno, do Mar de Hespanha, primeiro juiz de paz mais votado e digno membro do nosso eleitorado.
Henrique – Já o conhecia de tradição pelos serviços prestados à causa pública...
Limoeiro – (Baixo a Henrique.) À guerra do Paraguai...
Henrique – À guerra do Paraguai...
Limoeiro – (Baixo a Henrique.) E à epidemia das bexigas.
Custódio – Favores dos meus concidadão.
Limoeiro – Aquele é o Senhor Flávio Marinho, do Rio das Mortes, inspetor de quarteirão, boticário, procurador da Capela das Mercês e arrematante das rendas municipais.
Henrique – Saúdo o distinto financeiro.
Limoeiro – (Baixo a Henrique.) E muito digno representante do partido da ordem.
Henrique – E muito digno representante do partido da ordem.
Flávio – Vossa Excelência confunde-me.
Gregório – (Consertando a garganta.) Senhor Major Limoeiro. Os nossos amigos que se acham presentes, querendo tributar elevada homenagem aos soberano anfitrião, que acaba de chegar das montanhas da Paulicéia, coroado com os louros virentes da sabedoria, incumbiram-me, a mim, humilde professor público desta freguesia, de saudar tão grande dia, saudando ao mesmo tempo o ditoso tio, que vê tão ditoso sobrinho em tão ditosa carreira. Ditosa condição, ditosa gente, como diz o poeta! Viva o Senhor Doutor Henrique. (Toca a música.) Agora hão de permitir que recite uma colcheia de minha lavra. (Tira um papel do bolso e lê.)
- Mote
Alegrou-se a mocidade
Com a chegada do doutor
- Glosa
Ser escravo jamais há-de
O Império brasileiro!
Com o filho do Limoeiro
Alegrou-se a mocidade;
Seu nome à posteridade
Há de chegar sem temor
Cheio de glória e louvor,
Pois nada o Riacho Fundo
Cheio de gozo profundo
Com a chegada do doutor.
Todos – (Menos Henrique.) Viva!
Gregório – Viva o muito honesto e popular Major Limoeiro.
Todos – (Menos Limoeiro e Henrique.) Viva!
Gregório – Viva o Senhor Tenente-Coronel Chico Bento do Pau Grande.
Todos – (Menos Chico Bento.) Viva!
Limoeiro –
Meus senhores, o jantar nos espera. À mesa.
Vamos, vamos, meus senhores
Para a sala de jantar,
Entre flores e iguarias
Este dia festejar.
Coro -
Entre flores e iguarias
Beberemos com ardor
À ventura do major
E à saúde do doutor.
(Entram todos para casa ao som da música.)
(Cai o pano.)