A mesma cena do primeiro ato. À esquerda, uma mesinha com duas cadeiras e duas xícaras de café.

Cena I editar

Rosinha e Perpétua


Rosinha – (Zangada.) Eu já não posso aturar este inferno!

Perpétua – Estás doida, menina?

Rosinha – Ora mamãe fala porque não ando com o pescoço direito; ora porque estou com a cabeça tora. No outro dia implicou com o meu vestido porque estava muito escorrido; agora porque está muito estufado... Hoje diz que falo assim... amanhã diz que falo assado... Eu não entendo.

Perpétua – Mas não vês, toleirona, que tudo o que te digo é para teu bem; que o Senhor Henrique...

Rosinha – Aí vem a maçada do Senhor Henrique. Já tardava! Desde que amanhece até que anoitece não se fala em outra coisa. É só seu Henrique! Almoça-se com seu Henrique, janta-se com seu Henrique, ceia-se com seu Henrique... Não sei o que se há de fazer mais com seu Henrique!

Perpétua – Uma menina, que está para tomar estado, minha filha, deve agradar seu noivo.

Rosinha – Não temos agrados, nem meio agrados. Ele gostou de mim, eu gostei dele, está acabado. Nós vamos casar mesmo.

Perpétua – Não duvido; mas, mesmo depois de casada, terás ainda a obrigação de não aborrecer teu marido.

Rosinha – Se era preciso tanta história, por que é que não me avisaram logo? Eu dizia que – não-, e estava tudo acabado.

Perpétua – Mas tu não gostas tanto dele?

Rosinha – Gosto; porém não é para estarem a todo o momento em cima da gente... endireita esta fita... levanta a cabeça... abaixa o vestido, não pises como periquito, não rias tão alto... Que inferno!

Perpétua – Tolinha! Não sabes que a mulher de um doutor, que acaba de ser eleito deputado provincial, e que muito breve será ministro, deve ser uma moça bem educada, bem arranjadinha...

Rosinha – Aí temos outra! Pois a mulher de um deputado ou ministro não é o mesmo que as outras?

Perpétua – É verdade; porém é uma senhora que tem o dever de ser amável, de dar reuniões em sua casa, de lisonjear uns e outros, e de se apresentar sempre bem.

Rosinha – Não se incomode; eu hei de saber apresentar-me.

Perpétua – Está bem.

Cena II editar

As mesmas e Limoeiro


Limoeiro – Ora vivam. O doutro ainda não chegou?

Rosinha – (Contrariada.) Ainda não.

Limoeiro – Olhem só como ela disse aquele – ainda não.

Rosinha – Uê! Chentes!

Limoeiro – Está se lendo mesmo naquela carinha rubicunda: - Tomara já que chegue o dia! Tomara já que chegue o dia!

Perpétua – É natural. Quando se ama...

Limoeiro – E creia, Dona Perpétua, não é por ser o rapaz meu sobrinho, sua filha fica muito bem servida.

Perpétua – E se assim não pensasse, não consentiria em tal união.

Limoeiro – Moço, rico, talentoso, deputado provincial aos vinte e quatro anos, futuro representante da nação aos vinte e cinco, futuro ministro aos vinte e seis, futuro chefe de partido aos trinta e futuro senador do império aos quarenta! Quando penso no futuro mais que perfeito que lhe está reservado, quase que enlouqueço de prazer! Olhe, se eu fosse pai, e tivesse seis filhas, dava-lhas todas.

Rosinha – Credo!

Limoeiro – (Tirando um jornal do bolso.) Vejam o que diz este jornal. (Lendo.) “Parabéns aos nossos comprovincianos. Acaba de ser eleito deputado provincial pelo 3º distrito o Senhor Doutor Henrique da Costa Limoeiro, uma das mais esplêndidas esperanças da sua terra natal. A atitude nobre, sustentada por sua excelência, nas últimas eleições, defendendo o voto livre e as garantias constitucionais contra os botes da anarquia, foi felizmente recompensada pelos dignos eleitores, que souberam colocar-se na altura de tão nobre missão.” Hein? o que dizem a isto?

Rosinha – É por isso que ele está tão cheio de vento.

Limoeiro – Como cheio de vento?

Rosinha – Porque há dois dias que não nos aparece lá em casa.

Limoeiro – Pois se o rapaz nem tempo tem para se coçar! Estes dias têm sido pouco para escrever cartas de agradecimento aos eleitores e aos amigos. O tenente-coronel ainda não veio?

Perpétua – Está lá dentro. Menina, vai chamá-lo. (Rosinha sai.)

Cena III editar

Chico Bento, Dona Perpétua e Limoeiro


Limoeiro – Dona Perpétua, foi um verdadeiro triunfo!

Perpétua – Mas um triunfo que nos ia custando bem caro.

Limoeiro – Não se apanham trutas a bragas enxutas.

Chico Bento – Se valis bene, ego quid valis. Como vai esta bizarria?

Limoeiro – Como vê: alegre e satisfeito. Temos que tratar de negócios de alta mont.

Chico Bento – Senhora Dona Perpétua, oculos ruorum.

Perpétua – Tu nunca tiveste segredos para comigo.

Limoeiro – A seu tempo sabê-lo-á, minha senhora. (Perpétua sai.)

Cena IV editar

Limoeiro e Chico Bento


Limoeiro – Tenente-coronel, as coisas têm marchado de modo tal que, quando penso nas dificuldades com que lutamos e nos resultados que obtivemos, digo a mim mesmo : “Seu major, você é um homem da pele dos diabos.”

Chico Bento –Pois olhe, eu vi o negócio quase perdido.

Limoeiro – Fez-se a duplicata, foi aprovada pelo poder competente, votou o Domingos, o seu compadre votou cinco vezes...

Chico Bento – Pena foi que não votasse o carcamano.

Limoeiro – Mas há de votar na próxima eleição. Instalei-o aqui e já está principiando a tomar língua. O nosso doutor obteve carga cerrada, foi o primeiro deputado da combinação, e talvez seja o presidente da salinha. Que carreira de rapaz, meu Deus!

Chico Bento – E quanto à deputação geral?

Limoeiro – Foi justamente para tratar deste negócio que vim procurar o meu amigo.

Chico Bento – O major manda e não pede.

Limoeiro – É preciso que combinemos a maneira de arredar qualquer dificuldade. Além do interesse que temos, lá diz o ditado que duas cabeças valem mais do que uma.

Chico Bento – Todis capitis, todis sentencie.

Limoeiro – Portanto, é preciso que o tenente-coronel por sua parte escreva aos seus amigos, que eu cá pela minha tratarei de fazer o mesmo. E creia que não tenho cochilado. Veja isto. (Mostra o jornal.)

Chico Bento – (Lendo. ) Bravo.

Limoeiro – Pois olhe, foi feito cá pelo degas e corrigido pelo Custódio, o nosso professor público. Se aquele diabo compreendesse tudo o que lê, ninguém podia com ele.

Chico Bento – Legeris et non intelligeris est negligeris. Pois, meu major, fique sabendo, que não me leva as lampas, porque também mandei escrever o meu artiguito, que a esta hora já deve estar publicado na Voz da Verdade de que sou humilde assinante. Eis o rascunho.

Limoeiro – Leia lá isso, tenente-coronel.

Chico Bento – Tu Marcellus eris!

Limoeiro – Marcelo, não. É Henrique.

Chico Bento – Não, isto é cá o latinório. (Lendo.) “Já não pertence à classe dos homens vulgares o Doutor Henrique da Costa Limoeiro! Sua família...

Limoeiro – Homem, isto está com ares de discurso de defunto.

Chico Bento – Pois olhe, foi escrito por um homem bem vivo e esperto; pelo nosso vigário! Ouça o resto. (Lendo.) “Sua família, transbordando de alegria, por vê-lo no número dos eleitos da província, agradece a todos aqueles que o acompanharam em tão justa quão nobre pretensão. Fazemos votos para que tão pesado encargo lhe seja leve.” Hein? Que tal?

Limoeiro – O meu está muito melhor. Mas, deixemos o que está feito, e tratemos do que há a fazer. O rapaz é candidato à representação nacional. Segundo o trato que fizemos, ele tem de ser recomendado por ambos os partidos. O tenente-coronel apresenta-o pelo lado conservador...

Chico Bento – E o major recomenda-o pelo lado liberal.

Limoeiro – Justamente.

Chico Bento – Mas, pensando bem, o meu amigo não julga que isto poderá comprometer o nosso candidato? Eu achava melhor que ele aceitasse, por ora, um partido – o que está no poder, por exemplo, e que mais tarde, conforme o jeito que as coisas tomasse, ou ficasse naquele, ou fosse para o outro que tivesse probabilidade de subir.

Limoeiro – Tá, tá, tá.

Chico Bento – Na sua circular ele tem que apresentar um programa. Neste programa há de definir as suas idéias...

Limoeiro – E o que tem as idéias com o programa , e o programa com as idéias? Não misture alhos com bugalhos, tenente-coronel, e parta deste princípio: o programa é um amontoado de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo que se pretende fazer.

Chico Bento – Porém cada partido tem a sua bandeira...

Limoeiro – Aqui para nós, que ninguém nos ouve, tenente-coronel, qual é a bandeira do seu?

Chico Bento – A bandeira do meu é... Quero dizer...

Limoeiro – Ora eis aí! Está o tenente-coronel com um nó na garganta . Meu amigo, eu não conheço dois entes que mais se assemelhem que um liberal e um conservador. São ambos filhos da mesma mãe, a senhora Dona Conveniência, que tudo governa neste mundo. O que não pensar assim deixe a política, vá ser sapateiro.

Chico Bento – O major fala como um pregador ex-cathedra!

Limoeiro – O rapaz portanto, não se apresentando nem por uma lado, nem por outro, fica no meio. Do meio olha para a direita e para a esquerda, sonda as conveniências, e no primeiro partido que subir encaixa-se muito sorrateiramente, até que, ainda este, ele possa escorregar para o outro que for ao poder.

Chico Bento – Sim, senhor.

Limoeiro – Vai ver como as coisas se arranjam. (Assobiando.) Domingos? (Entra Domingos.) Depressa papel, pena e tinta. (Domingos sai.) Sente-se o tenente-coronel ali naquela mesa, e vá escrevendo o que eu for lhe ditando.

Chico Bento – (Sentando-se à mesa.) Pronto. (Domingos extra e põe o papel, o tinteiro e a pena em cima da mesa e tira as xícaras.)

Limoeiro – Ilustríssimo Senhor – Esta tem por fim recomendar-lhe muito especialmente o Doutor Henrique da Costa Limoeiro. Vírgula... Que pretende uma cadeira no seio da representação nacional. Ponto.

Chico Bento – Agora é preciso enumerar as virtudes do doutor, suas aptidões, seu talento brilhante...

Limoeiro – Deixe o negócio por minha conta... (Continuando com ênfase.) Sim!... Não... quero dizer...

Chico Bento – Em que ficamos? Sim ou não?

Limoeiro – Risque este sim.

Chico Bento – E deixo o não?

Limoeiro – Não; risque ambos.

Chico Bento – Mas eu ainda não escrevi ambos!

Limoeiro – Ora... Risque tudo.

Chico Bento – Desde o princípio?

Limoeiro – Não; o sim – e o não.

Chico Bento – Ah! Já sei.

Limoeiro – (Continuando com ênfase.) O Doutor Henrique da Costa Limoeiro é destas estrelas, luminosas que raiaram... que raiaram... (Mudando de tom.) Espere lá, deixe-me ver uma frase, dessas de estrondo. Ah! (Com ênfase.) Que raiaram no horizonte do Brasil para mudar a face dos nossos acontecimentos políticos. (Mudando de tom.) Bravo, seu Limoeiro. Já escreveu?

Chico Bento – Ticos.

Limoeiro – Ticos?!

Chico Bento – Sim, políticos.

Limoeiro – (Com ênfase.) Destinado a representar um papel brilhante entre os seus concidadãos, o Doutor Henrique Limoeiro promete... (Mudando de tom.) Vejamos agora o que ele há de prometer.

Chico Bento – Ó copos hic labor esdis.

Limoeiro – É preciso que ele prometa o que se pode prometer, sem comprometer-se. Vamos lá. (Com ênfase.) O Doutor Limoeiro promete...

Chico Bento – Já está escrito.

Limoeiro – (Com ênfase.) Retalhar a província...

Chico Bento – Menos essa!

Limoeiro – (Com ênfase.) Com uma grande rede de estradas de ferro, vírgula. Bondes... Bibliotecas...

Chico Bento – Retalhar a província com bibliotecas?

Limoeiro – Não, não é isso. (Com ênfase.) – Bondes e estradas vicinais. (Mudando de tom.) Aí pode pôr um ponto de admiração. (Com ênfase.) Proteger a lavoura...Chico Bento – E o elemento servil? Aí é que eu quero ver-lhe a habilidade.

Limoeiro – Não, não se fala nisto. Deus nos livre. (Continuando.) – Proteger a lavoura...

Chico Bento – Já está escrito.

Limoeiro – Animar as indústrias, o comércio...

Chico Bento – Comércio tem vírgula ou dois pontos?

Limoeiro – Arrume-lhe ponto e vírgula. (Continuando.) Acoroçar as artes e as letras...

Chico Bento – A co có ro ró ri... Bonito, escrevi caroço.

Limoeiro – E a instrução pública, criando escolas noturnas de duas em duas léguas. (Mudando de tom.) Isto deve ser grifado.

Chico Bento – Isto deve ser grifado.

Limoeiro – Não, não é isto; não escreva, grife.

Chico Bento – Grife.

Limoeiro – Grifo é isso. (Pega da pena e risca o papel.)

Chico Bento – Então, por que não disse logo – risque por baixo?

Limoeiro – Onde é que tínhamos ficado?

Chico Bento – Criando escolas noturnas de duas em duas léguas. (Em outro tom.) Mas para que tanta escola, se não temos gente?

Limoeiro – É para acompanhar a moda. (Com ênfase.) As suas idéias políticas visam tão somente o progresso do Brasil, escudado na ordem e liberdade bem entendida. (Mudando de tom.) Vê isto? Progresso, ordem, liberdade... liberdade, ordem, progresso. Aí está o programa perfeitamente definido. Agora termine dizendo: o Doutor Limoeiro é deputado provincial pelo 3º distrito; espero que o amigo recomende-lo a todos os seus amigos e mande-me as suas ordens. Sou etc., etc. E passe-me para cá para mandar tirar umas cópias.

Chico Bento – Que efeito isto não vai produzir entre os conservadores!

Limoeiro – Muito maior efeito ainda produzirá no ânimo dos liberais!

Chico Bento – Aqui tem. (Dá a Limoeiro.)

Limoeiro - Agora é não perder tempo.

Cena V editar

Os mesmos e Henrique


Henrique – (Zangado, com um jornal na mão.) Bom dia, meu tio. Como tem passado, senhor tenente-coronel?

Limoeiro – O que tens? Estás com a cara tão enfarruscada.

Henrique – Veja isto. (Mostra o jornal a Chico Bento.)

Chico Bento – (À parte.) O meu artigo.

Henrique – Eu só desejava saber qual foi o burro que escreveu esta série de sandices.

Limoeiro – (Vendo o jornal.) Foi o tenente-coronel.

Chico Bento – Está enganado; não fui eu, foi o vigário.

Henrique – Pois hei de dar-lhe os meus sinceros agradecimentos.

Limoeiro – Asneira no caso; vais açular o homem contra ti, e perderás toda a votação do colégio.

Henrique – E que me importa a mim a votação do colégio?

Limoeiro – Verdade é que serás bem recomendado pelos outros...

Henrique – Maldita seja a hora em que se lembraram de meter-me em semelhante comédia.

Limoeiro – Ó rapaz, tu perdeste o juízo?

Henrique – Acabo de sair dos bancos da academia, do meio de uma mocidade leal e generosa, cheio de crenças, sonhando a felicidade de minha pátria, e eis que de chofre matam-me as ilusões, atirando-me no meio da mais horrível das realidades deste país – uma eleição, com todo o seu cortejo de infâmias e misérias.

Limoeiro – E ainda em cima te revoltas, tu, que começaste por onde os outros acabam!

Henrique – Não comecei, meu tio, acabei; porque o quadro que se desenrolou ante os meus olhos foi de tal natureza, que sufocou-me no peito as aspirações de moço e patriota.

Limoeiro – E então, tenente-coronel, o que diz a isto?

Chico Bento – Estou abismado.

Henrique – Se queriam fazer de mim um político, por que desiludiram-me tão cedo? Por que não deram-me gota a gota o veneno?

Limoeiro – Então, não pretendes ir à assembléia?

Henrique – Não, senhor.

Limoeiro – Mas, rapaz, como combinar esta série de disparates que estás dizendo agora, com o que fizeste nas eleições?!

Henrique – Não me recorde esta página negra; foi uma loucura; passou.

Limoeiro – Então?

Chico Bento – Pois o senhor não tem a ambição de representar o seu país?

Henrique – E o senhor chama isto representar o país? O que é que eu represento? Quais são as minhas idéias? A que partido estou filiado? Que solução posso dar a todos os grandes problemas sociais que se agitam presentemente?

Limoeiro – Porém...

Henrique – Formado apenas há dois meses, sem experiência de vida, sem a mais pequena noção dos negócios públicos, o que vou fazer na Câmara? O papel triste e ridículo de um filhote, apresentado por um tio liberal e um futuro sogro conservador. Que manancial fecundo para os folhetins dos jornais de oposição!

Limoeiro – E os outros não começam por filhotes?

Cena VI editar

Limoeiro, Chico Bento, Henrique e Rosinha


Rosinha – Bom dia, Senhor Henrique. Por onde tem andado? Há dois dias que não o vejo.

Henrique – Não me crimine.

Limoeiro – (A Henrique.) Ainda não foste falar com Dona Perpétua. Vai cumprimentá-la, anda.

Rosinha – Eu vou chamá-la.

Henrique – Com licença. (Sai.)

Limoeiro – (Baixo a Chico Bento.) Vá também, tenente-coronel; deixe-me só com sua filha. (Chico Bento sai.)

Cena VII editar

Limoeiro e Rosinha


Limoeiro – Fique, minha menina, preciso falar-lhe em particular.

Rosinha – O que quer?

Limoeiro – Promete-me que é capaz de fazer uma coisa que lhe vou pedir?

Rosinha – Uê chentes! Se eu não seio que é como posso prometer?

Limoeiro – Trata-se da felicidade da menina, de Henrique, de sua mãe, de seu pai, de mim, de todos nós, enfim.

Rosinha – Sendo assim, prometo.

Limoeiro – Henrique está com os miolos virados e quer, a todo o transe, abandonar a carreira que tão brilhantemente começa agora.

Rosinha – Por quê?

Limoeiro – Eu sei lá! Porque está com a cabeça cheia de poesia, e entende que este mundo deve ser governado a seu jeito. Compete agora à menina, que soube prendê-lo pelos dotes do coração, dissuadi-lo destas tolices e mostrar-lhe o bom caminho.

Rosinha – Se estiver nas minhas mãos...

Limoeiro – Está, está. E a menina tem também o maior interesse nisto. Irá para a corte, terá ricos vestidos, bonitas jóias, aparecerá nos grandes bailes, freqüentará todos os teatros, divertir-se-á, enfim, como uma verdadeira princesa.

Rosinha – Ora! Eu ouço dizer que lá na Corte há tanta impostúria...

Limoeiro – Isto dizem, da boca para fora, aqueles que lá vão sem dinheiro e que não podem gozar de todos os encantos de uma grande capital.

Rosinha – Mas há mesmo muitos bailes?

Limoeiro – A menina faz lá idéia! São cinco e seis por dia!

Rosinha – Muitos teatros?

Limoeiro – Não tem conta.

Rosinha – Há cavalinhos também?

Limoeiro – Há tudo, tudo; não falta nada, além disso, andará de carruagem, puxada por lindos cavalos...

Rosinha – Chii!!! Deve ser muito bom! Se a gente no carro-de-boi vai tão ao seu gosto, quanto mais numa carruagem!

Limoeiro – E que carruagem! Toda envernizada, com quatro rodas, estofadas de seda...

Rosinha – Que belo!

Limoeiro – E a rua do Ouvidor?

Rosinha – A prima Maricota disse-me que era uma coisa de pôr a gente de queixo caído.

Limoeiro – É um céu aberto! De noite, nem falemos. É clara como o dia e tem mais gente que o arraial no dia de festa de Santo Antônio. A menina só de braço com seu marido, para baixo e para cima, a comprar uma jóia aqui, ali um vestido, acolá um chapéu, e todos a perguntarem: quem é aquela moça? Que peixão! Pois não conheces? É a mulher do Deputado Limoeiro. Há nada que pague isto?

Rosinha – Eu quero ir para a Corte, eu quero ir para a Corte! Nunca ninguém falou-me deste modo.

Limoeiro – É porque nunca disseram-lhe a verdade.

Rosinha – Vou já falar com Henrique, e não sossego enquanto ele não prometer que há de ir para o Rio de Janeiro.

Limoeiro – Como deputado, está visto.

Rosinha – Aí vem ele..

Limoeiro – Aperte- o . (Sai.)

Cena VIII editar

Rosinha e Henrique


Henrique – Esperava-a lá dentro ; não sei por que não veio ver-me.

Rosinha - Conversava com seu tio.

Henrique – E o que lhe disse ele?

Rosinha – Falava do senhor, como sempre.

Henrique – Por que tratas-me por senhor, quando nossas almas terão de unir-se dentro em pouco, na mais completa intimidade?

Rosinha – É porque a gente tem vergonha.

Henrique – Se tu soubesses como me cativas de dia em dia com esta singeleza!

Rosinha – É que eu sou uma pobre moça da roça, não tenho educação...

Henrique – E que importa a educação, quando Deus mimoseou-te com todos os predicados de um anjo!

Rosinha – Ora está; eu sinto o mesmo que o senhor sente; mas infelizmente não posso dizer tanta coisa bonita.

Henrique – Mas tu falas com o cração, e eu sinto-lhe o perfume na candura de tuas expressões.

Rosinha – O senhor ama-me muito?

Henrique – Ainda o duvidas?

Rosinha – É capaz de fazer uma coisa que lhe vou pedir?

Henrique – O que pedirás tu que eu não deva fazer?

Rosinha – Veja bem; promete?

Henrique – Prometo e até juro.

Rosinha – Eu queria ir para a Corte.

Henrique – E que dúvida há nisto? Pensas porventura que desejo enterrar a tua e a minha mocidade nestas brenhas? Passaremos aqui a nossa lua-de-mel; partiremos depois para o Rio de Janeiro, e mais tarde iremos ver o velho mundo, que é o objeto constante dos meus sonhos.

Rosinha – Há, porém, uma condição em tudo isso.

Henrique– Qual é?

Rosinha – É que desejo ir como a mulher do senhor Deputado Limoeiro.

Henrique – Por que me falas de política quando falo-te de amor?

Rosinha – Porque a política dar-te-á a posição, e eu quero ver-te um grande homem.

Henrique -Compreendo. Meu tio, depois de haver tentado plantar em meu peito a ambição, procura agora arraigar no teu a vaidade! Se o não estimasse como um verdadeiro pai, e se não visse que tudo quanto ele tem feito é com as melhores intenções, diria que a serpente procura Eva para tentar Adão.

Cena IX editar

Os mesmos e Limoeiro , que deve estar ouvindo ao fundo.


Rosinha – Lembre-se, porém, que prometeu...

Henrique – E a minha palavra não volta atrás. Partirei como deputado, e envidarei todos os esforços para bem cumprir os meus deveres.

Limoeiro – (Ao fundo.) Bravo!

Henrique – Levo, porém, desde já a convicção de que a descrença, mais tarde ou mais cedo, far-me-á tragar a taça dos dissabores. E então para onde apelar?

Rosinha – Para este coração que te adora.

Henrique – (Abraçando-a .) Rosinha, és um anjo!

Limoeiro – Vitória! Vitória!

Cena X editar

Chico Bento, Perpétua, Limoeiro, Henrique e Rosinha


Chico Bento – Que alegria é esta, major?!

Limoeiro – Veja aquele quadro; o rapaz está ali, está deputado.

Chico Bento – Peço a palavra, pela ordem.

Henrique – (Rindo.) Tem a palavra o Tenente-Coronel Chico Bento.

Chico Bento – Senhor presidente, pedi a palavra para dizer...

Limoeiro – Apoiado! (Ouve-se dentro o som de uma banda de música.)

Perpétua – Que música é esta?

Limoeiro – Uma manifestação ao nosso deputado.

Cena XI editar

Os mesmos, Custódio, Flávio Marinho, Arranca-Queixo, Rasteira-Certa, Pascoal Basilicata, Pascoal Basilicata, 1º Votante, 2º Votante e mais pessoas do povo, precedidas de uma banda de música e foguetes.


Custódio – Viva o Doutor Limoeiro!

Todos – Viva!

Flávio – Viva o legítimo deputado!

Todos – Viva!

Custódio – Meus senhores, este dia assinala uma época gloriosa nos fastos...

Flávio – (Baixo, lendo um papel, por detrás de Custódio .) Nos fastos da nossa história.

Custódio – Nos fatos da nossa história. Sois vós o nosso legítimo representante, a nossa glória, o nosso porvir. Avante, cidadão prestimoso...

Flávio – (Baixo.) Não; não é isto. Ah! é, é.

Custódio – E que as bênçãos da pátria caiam sobre vós. Viva o Doutor Limoeiro!

Todos – Viva!

Cena XII editar

Os mesmos e Domingos


Domingos – Meu sinhô; se vosmecê nos dá licença, nós vem saudar também sinhozinho com a nossa festa.

Limoeiro – Chegaste a propósito. (Com ar solene.) Domingos, de hoje em diante serás um cidadão livre. Aqui tens a tua carta, e na minha fazenda encontrarás o pão e o trabalho que nobilita.

Domingos – (Ajoelhando-se a abraçando as pernas de Limoeiro.) Meu senhor!

Limoeiro – Levanta-te. (Levanta-o e dá-lhe um abraço.) Venha agora a festa. (Entram os negros e negras e dançam o batuque.)


FIM