Era um rei que tinha uma filha que costumava catal-o e um dia encontrou-lhe um piolho na cabeça e disse: «Meu pae e senhor, vossa magestade tem aqui um piolho.» Então o rei respondeu: «Deixa-o ficar, pois quero que elle cresça.» Cresceu tanto o piolho que já não cabia na cabeça do rei; e então este ordenou que se matasse e que da pelle se fizesse um tambor. Assim se fez, e então a princeza disse ao rei que mandasse reunir a côrte toda, e toda a gente que elle quizesse, e que aquelle que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor seria seu esposo. Ora o rei andava com muitos desejos de casar a filha, e por isso acceitou logo a proposta, e deu ordens para que se reunisse muita gente; e que aquelle que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor casaria com sua filha. Havia na côrte um fidalgo de que a princeza muito gostava, e que tambem se apresentou para adivinhar, e quando estavam já muitos homens reunidos, chegou o rei e a princeza e perguntaram: «De que foi feito este tambor?» e mostraram o tambor que era levado por um velho creado do rei. A princeza então aproximou-se do fidalgo que amava e disse-lhe: «Pelle de piolho» mas elle não ouviu, e o creado que conduzia o tambor, como estivesse atraz da princeza, ouviu o que ella dizia; e então aproximou-se do rei e disse: «Saiba vossa magestade que este tambor foi feito da pella d'um piolho.» Então o rei respondeu logo: «Adivinhaste, e como palavra de rei não volta atraz, casarás com a princeza.» Então, ella toda lavada em lagrimas, chegou-se ao pé do velho e disse-lhe:
«Se eu casar comtigo, velho,
Ha de ser com tal tenção,
De eu dormir em boa cama,
E tu velho n'esse chão,
E tu velho se fallares,
Has-de levar com um bordão.
Eu hei-de comer pão alvo,
E tu velho, de rolão,
E se tu velho fallares,
Has-de levar com um bordão.»
Em vista d'isto o velho não quiz casar com a princeza, e disse-lhe que casasse ella com o fidalgo; e assim se fez.
(Coimbra.)