XXXII


A SINA


Era de uma vez um rei que tinha dous filhos, um macho e outro femea. Como era de uso, logo que casa um tinha nascido lhe mandou ler a sina. A da donzella foi que antes dos dezoito annos havia de ter uma naufragio, o que queria dizer que havia de ter um filho de um homem solteiro; e a do rapaz que havia de matar o pae a punhal. O rei ficou muito triste com esta sorte e para os livrar d'ella mandou fazer uma torre onde não entrasse a luz do dia e metteu n'ella a filha com uma aia a guardal-a e ao filho mandou fazer um caixãosinho de pao todo forrado de seda e velludo por dentro e por fóra e foi elle deital-o a um rio que passava muito longe de palacio. Passou muito tempo e a filha nem conhecia pae nem mãe; só fallava com a aia e mais ninguem. Vem uma tempestade e um raio parte uma pedra da torre. Um dia estava ella a espreitar para o jardir e viu um lindo moço que era creado de palacio; perguntou á aia o que era aquillo e ella disse-lhe que era um escudeiro do rei. O moço que tinha tambem visto aquella cara a espreitar, todos os dias vinha áquella mesma hora vel-a. Uma occasião elle perguntou-lhe porque vivia assim fechada, ao que ella respondeu encolhendo os hombros; se lhe deixava ir fazer companhia; ella disse-lhe que sim e deitou abaixo um lençol da sua cama e elle subiu. Ao fim de nove mezes achou-se pejada; disse-o á aia; teve um menino; começaram ambas a chorar e a chorar muito e por fim a aia levou a princeza a matal-o. Estavam a degolal-o quando entrou o rei que tinha ouvido chorar uma creança; perguntou o que era aquillo que tinham escondido, porque ellas assim que ouviram passos tractaram de o esconder; elle foi ver e ficou sem pinta de sangue e cheio de raiva matou-as a ambas.

Muitos annos se passaram e ninguem soube mais nada do filho. A rainha chorava e andava sempre triste a chamar pelo seu filhinho. Quando o rei deitou o caixão ao rio elle foi levado pela corrente e foi parar na roda d'uma azenha. Vivia n'esta azenha um moleiro e uma moleira que eram casados havia muito e que não tinham filho nem filha, ouviram chorar, foram ver e agarraram no caixão e abriram-no. Ficaram muito contentes por verem um menino tam gordinho e tam lindo como uma estrella. Disseram um para o outro: «Já que Deus não nos deu nenhum, creêmos este» e foram creando n'elle. Chegando já a grande, perguntaram-lhe o que elle queria ser; disse que queria ser alfaiate. Ensinaram-lhe este officio e elle dentro em pouco era o melhor mestre d'aquelles arredores. Correu fama e chegou isto a palacio. A rainha ás escondidas do rei mandou-o chamar; elle foi e ella para experimentar mandou que fizesse um vestido á sua aia que era uma escrava moira chamada Isabel que o Rei tinha captivado n'uma guerra com os moiros. O alfaiate olhou para o corpo da escrava e não foi preciso mais nada, dizendo á rainha: Ámanhã cá lh'o trarei prompto. Admirou-se a rainha da pressa, mas no dia seguinte mais admirada ficou quando elle o trouxe por que assentava no corpo tambem que era uma maravilha. Mandou logo fazer um de damasco para ella dizendo: «Amanhã pagarei tudo.» Elle trouxe-lh'o e a rainha lhe perguntou quanto lhe devia ao que elle lhe respondeu: «Nada me deveis.» Ella então abriu um cofre que tinha, todo d'ouro e pedras ricas, cheio de joias de prata e d'oiro e de tudo que havia de riqueza e lhe disse: «Tomae d'ahi o que quizerdes;» elle viu um punhal de cabo de marfim, todo cravejado de brilhantes e foi isto que tomou. Estava para se ir em boa paz quando entrou o rei que vendo alli no quarto da rainha um desconhecido tirou da espada para o matar e elle defendeu-se com o punhal. O rei cresceu para elle e este deu-lhe uma punhalada que o fez cair redondo ao chão. A rainha e a aia principiaram de gritar; accudiu toda a gente de palacio. Logo que viram o rei cheio de sangue, prenderam o criminoso e o rei mandou-o logo alli despir e açoitar. Despiram-n'o da cinta para cima e já lhe tinham dado muitos açoites quando a rainha disse: «Não batais mais; este signal que elle tem nas costas é o signal que o meu filho tinha. «Perguntem quem é o pae d'este homem já» disse o rei. Correram por toda parte quando depois de dois dias veio um creado com o moleiro que contou o succedido e «para prova ainda aqui trago o caixão.» Desembrulhou e o rei disse então que elle era seu filho e morreu. Elle ficou governando o reino de seu pae até que de tanto chorar cegou. Procuraram-se remedios e medicos por toda a parte e nada lhe dava vista. Foram a uma fada e ella disse que só quem fosse muito longe buscar a baba do passarinho azul que estava empoleirada na arvore mais alta do mundo; que havia de ser virgem e filha de reis. Foram lá muitas virgens, mas o passarinho voava, até que Isabel lembrou-se d'ir tambem; foi e logo que chegou ao sitio viu o passarinho e subiu á arvore, e elle deixou-se pilhar e tirar a baba d'um baldinho que trazia dependurado ao pescoço. Trouxe Isabel a baba a palacio e untou com ella os olhos do rei e elle logo viu. Casou com ella e houve bodas que duraram muitos dias. Viveram sempre muito felizes e acabou.


(Espadanedo.)