Era um rei que tinha tres filhas e estava viuvo e queria casar outra vez; fallou a uma dama para casar com elle e ella disse-lhe: «E as suas filhas, que rumo se lhes ha de dar?» «As minhas filhas, se isso é duvida, eu hoje vou-as arrumar.» Chegou a casa e disse ás filhas: «Meninas, preparem-se que vão ver o que nunca viram; havemos de ir á torre de Moncorvo.» As filhas prepararam-se e caminharam com elle. Elle chegou á Torre e disse-lhes: »Meninas ficae aqui que eu vou fazer uma visita a um amigo e volto por aqui levar-vos.» Foi-se embora e deixou-as; emquanto não casou deu-lhe de comer e fazia caso d'ellas; depois de casado não lhe mandava nada.
Um dia quando ellas não tinham que comer disse a filha mais velha para as outras: «Ai Jesus! que fome eu tenho; o verdadeiro é vós martardes-me e comer-me.» E n'isto morreu; e depois, passados dous dias, a irmã que se lhe seguia na edade disse o mesmo e morreu. Ficou só a mais nova; subiu acima á torre e viu vir uma navegação que andava no mar e começou-lhe a acenar com um lenço. Os marinheiros disseram ao capitão do navio que viam acenar e elle veiu buscal-a. Ella levou a roupa toda das irmãs e chegou a uma terra, topou uma velha e disse-lhe: «Oh minha velha! você não me arranja com que eu ganhe a minha vida?» «Arranjo se você quer vir acarrar agua para a casa para onde eu vou.» E ella disse-lhe: «E você onde vae acarrar agua?» «Vou acarrar agua para o nosso rei.»
A menina mandou fazer um vestido d'uma pelle d'um cavallo e andava acarrando agua para o rei e na corte chamavam-lhe a Pelle-de-Cavallo. E um creado da casa disse-lhe uma noite: «Oh Pelle-de-cavallo, queres tu cá ficar esta noite, que ha cá um baile e o nosso rei tem dito que ha de fazer tres bailes a eito e que aquella dama com quem elle dansar que gostar d'ella lhe ha de dar um annel por lembrança e ha de casar com ella.» E ella disse: «Bem me importa a mim isso; eu vou, mas é para onde a minha velha.» Foi-se embora e á noite aceou-se muito aceada com a roupa da irmã mais velha e veiu dansar e o rei dansou com ella; ao outro dia tornou ella a accarrar agua e o creado repetiu-lhe o mesmo; ella disse: «Bem se me dá a mim d'isso; vou para aonde a minha velha.» Mas á noite vestiu-se com a roupa da sua segunda irmã e foi ao baile outra vez. Ao terceiro dia disse-lhe o creado: «Pelle-de-cavallo vem ao baile que hoje é a derradeira noite e o rei ha de dar o annel á dama de quem elle mais gostar. Hontem veio cá a mesma dama e elle dansou só com ella de modo que as outras estão assanhadas com isso e dizem que é escusado cá vir, pois elle não as quer.» «Que me importa a mim com isso? Vou-me para aonde a minha velha.»
Á noite vestiu-se com os seus fatos ricos e dansou com o rei, que no fim da dansa lhe deu o annel. Ella ao ao outro dia continuou a acarrar agua na forma do costume. O rei como não sabia a quem dera o annel, nem da dama, adoeceu. A enfermeira que o tractava disse á Pelle-de-cavallo: «O rei está muito doente e é com paixão por uma dama com quem elle dansou as tres noites a eito e não sabe quem é.»
A enfermeira levava o caldo de gallinha para o rei e a Pelle-de-cavallo deitou-lhe o annel que o rei lhe dera sem que aquella visse. O rei vendo o annel ficou muito contente e perguntou quem o lá tinha deitado; disseram-lhe que não sabiam; perguntou quem tinha passado ao pé do caldo e disseram-lhe: «Foi Pelle-de-cavallo.» O rei então mandou-a chamar e disse: «Quem foi que te deu o annel.» «Eu vou e volto e então direi quem foi.» Foi a casa, aceou-se com os seus fatos e disse ao rei: «Então vossa real magestade conhece-me agora?» «Conheço sois a dama a quem eu dei o annel.» «Pois fui eu que o deitei no caldo.» «Pois como é isso?» Então Pelle-de-cavallo contou toda a sua historia. O rei não a tornou a deixar ir a casa da velha e casou-se com ella.
(Ourilhe.)