Era uma vez uma mãe que tinha um filho que tinha quinze annos e ainda andava ao collo; até que lhe botaram o nome de João Mandrião. Passaram lá uns poucos de rapazes e convidaram-no para elle ir á lenha; elle disse que sim, que se elles o levassem a cavallo que ia; elles pegaram, e levaram-no ás costas. Chegaram ao pinheiral, mandaram-no apanhar lenha e elles foram apanhar a d'elles; chegaram ao pé de João Mandrião, ainda estava sentado no mesmo sitio; foram-lhe apanhar o feixe a elle; elle poz-se de escacha-perna em cima do feixe da lenha e disse-lhes: «Se vós me levardes ás costas, eu vou para casa.» Deixaram-no ficar e depois foram por casa dizer á mãe que o tinham deixado ficar; elle esteve lá tres noites e tres dias. Estava um ribeiro d'agua ao pé d'elle; saltou um peixinho acima dos joelhos d'elle; não fez caso do peixe; tornou o peixe para a agua; depois tornou o peixe a saltar acima dos joelhos d'elle a ver se elle lhe pegava. O peixe disse-lhe: «João, pelo bem e amor que Deus te deu, pega em mim e bota-me á agua e assim que quizeres alguma cousa, com a tua mão direita meio fechada pede-me e diz: peixinho, pelo poder e bem que Deus te deu, pega em mim e põe-me aqui ou acolá ou dá-me isto ou aquillo, que eu tudo te faço.» Elle pediu ao peixe que pegasse n'elle em cima do feixe e que o levasse para casa. Depois o feixe começou a andar com elle em cima. Em antes d'elle chegar a casa, estava um palacio e estava a princeza á janella e elle disse assim: «Peixinho, pelo poder e amor que Deus te deu quero que aquella princeza tenha um filho meu, sem eu ter contracto com ella.» Ao fim de nove mezes a princeza teve um menino com a mão direita fechada; o rei admirou-se por a filha ter o menino; correu tudo quanto havia por mor de saber de quem era aquelle filhinho e como não achou ninguem que lh'o dissesse foi chamado o João Mandrião. O creado chegou á porta do João Mandrião, bateu e elle perguntou quem era e o creado disse que era o rei que o mandava chamar e o João Mandrião disse: «Moço de rei em casa de João Mandrião grande novidade é; sim, se tu me levares a cavallo, vou.» Chegou o cavallo e o creado disse: «João, monta-te a cavallo!» «Se tu me levares ao collo, eu monto.» O creaco levou-o ao collo para o cavallo. Chegou á porta do rei e o creado disse-lhe: «João, agora anda cá acima ao senhor rei.» «Se me levares ao collo pelas escadas acima, vou.» O creado não teve remedio senão leval-o ao collo. O rei disse: «Eu quero que tu me digas aquelle menino de quem é filho e o que elle tem na mão direita fechada.» Elle disse assim: «Peixinho, pelo poder e amor que Deus te deu, quero que abras a mão áquelle menino.» O menino abriu a mão e tinha lá um papel que dizia: «O meu pae será o João Mandrião.» O rei viu aquillo e mandou fazer um tonnel de madeira para os metter a todos dentro, o João Mandrião, a filha e o neto. A rainha deu uma saquinha de biscoitos á filha para dar ao menino pelo mar e depois então o rei mandou accender uma corveta de fogo e mandou-os deitar nas alturas da India. A saquinha de biscoitos, quando a princeza ia para dar ao menino um biscoito, o João Mandrião, tiravalhe o biscoito; ella disse: «Deixa, que este biscoito é para o menino; nós somos grandes, podemos passar.» «Menino por menino, menino sou eu.» Quando o João Mandrião viu que estava sobre as aguas do mar, pediu ao peixinho que o deitasse em secco, na praia; depois pediu ao peixe que destapasse o tonnel, e lhe désse uma roupa por'mor d'elle se vestir. Elle disse para a princeza: «Fica aqui, que eu vou buscar um carro e roupa por'mor de tu ires.» Elle foi e a princeza começou de declamar a sua sorte, pensando que elle ia e não a vinha buscar; elle quando viu que estava ao pé do palacio do pae da princeza, viu um largo e disse assim: «Peixinho, pelo poder que e amor Deus te deu quero que me aqui apresentes immediatamente um palacio e um carro e roupa para eu ir buscar a princeza.» E chegou com ella ao palacio e elle tinha pedido que o peixinho pozesse á porta o nome d'elle que era o dono do palacio. O rei ia um dia a passear e leu o lettreiro do palacio e disse: «João Mandrião! eu é que o impuz; aqui não havia outro; quem será?» Pediu licença ao guarda do palacio do João Mandrião, se o deixavam lá ir passear; o guarda disse-o ao João Mandrião e este mandou-o logo entrar; mas o rei não o conheceu e elle conheceu este. O João Mandrião foi mostrar-lhe o palacio até que lhe mostrou uma maceira com sete maçãs d'ouro; o João Mandrião contou sete maçãs deante do rei; deu uma volta e tornou a vir contar e contou só 6; foi ver os bolsos dos hortelãos todos e depois foi ao bolso do rei e achou lá a maçã d'ouro que faltava; mandou-o prender; esteve oito dias na cadeia; ao fim de oito dias foi lá o João Mandrião, a princeza e a rainha e o João Mandrião, disse assim: «Você lembra-se quando me mandou matar a mim á sua filha e ao seu neto, nas alturas da India? Assim havia de eu agora fazer; mas emfim perdôo-lhe.» Fizeram as pazes; o João Mandrião casou com princeza e viveram muito felizes.
(Foz do Douro.)