Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A torre de Babylonia
Era uma vez um pescador, que indo certo dia ao mar encontrou o rei dos Peixes. O rei dos Peixes pediu-lhe que o não levasse. O pescador consentiu, mas a mulher tanto fez com elle, dizendo-lhe que lhe levasse o rei dos Peixes, que o pescador não teve remedio senão leval-o.
A pescada mandou então ao homem que a partisse em cinco postas: uma para a mulher, outra para a egua, outra para a cadella, e duas para serem enterradas no quintal. Assim aconteceu.
Da mulher nasceram dois rapazes; da egua dois cavallos; da cadella dois leões, e do quintal duas lanças. Os rapazes cresceram; quando esfavam já grandes, pediram ao pae que os deixasse ir viajar. Partiram cada um com sua lança, seu leão e seu cavallo.
Ao chegarem a um sitio onde havia dois caminhos, um tomou por um, e outro por outro, promettendo auxiliarem-se se algum d’elles precisasse de soccorro. Um d’elles foi ter a um monte onde viu uma donzella quasi a ser victima de uma bicha de sete cabeças. O rapaz matou a bicha e casou com a donzella. Um dia, estavam ambos á janella, e o rapaz ao avistar ao longe uma torre, disse:
— Que torre é aquella?
— É a torre de Babylonia
Quem vae lá nunca mais torna.
— Pois heide ir lá eu, e heide tornar.
Fez-se acompanhar do leão, pegou na lança, montou a cavallo e seguiu. Na torre havia uma velha, que ao vêr o cavalleiro, cortou um cabello da cabeça, e disse:
— Cavalleiro, prende o teu leão a este cabello.
O cavalleiro assim fez; mas vendo que a velha se dirigia contra elle, disse:
— Avança, meu leão.
E a velha respondeu:
— Engrossa, meu cabellão.
N’isto o cabello da velha transformou-se em grossas correntes de ferro e o cavalleiro caiu n’um alçapão da torre.
Algum tempo depois o outro rapaz chegou a casa do irmão, mas como ambos eram muito parecidos (só este tinha na face um signal) a cunhada facilmente o tomou pelo marido e deu-lhe pousada n’essa noite.
Ao outro dia estavam ambos á janella e o cunhado ao avistar a torre velha, perguntou:
— Que torre é aquella?
— Já te disse, homem, que
Era a torre de Babylonia
Quem vae lá nunca mais torna.
— Pois heide eu lá ir e heide voltar.
Apromptou-se exactamente como o irmão, e marchou em direcção á torre. Assim que a velha o viu, disse-lhe para prender o leão ao cabello. O rapaz fingiu que o prendia, mas deixou cair o cabello. Então a velha correu para elle. O rapaz disse:
— Avança meu leão!
E a velha:
— Engrossa meu cabellão.
O cabello não engrossou e o leão avançou. A velha:
— Não me mates, que eu dou-te muitas riquezas.
O cavalleiro não se importava. A velha:
— Não me mates, e aqui tens um vidrinho que desencanta todas as pessoas encantadas na torre.
O cavalleiro recebeu o vidro; mandou avançar o leão, e matou a velha. Depois desencantou todos que estavam na torre. O irmão, porém, apenas soube que a mulher por engano havia quebrado os laços conjugaes, assassinou o seu salvador.
(Porto.)
Notas
editar48. A torre de Babylonia. — Segundo uma nota de Consiglieri Pedroso, tambem tem o titulo da Torre da Somnolencia, o que nos explica o sentido do titulo com que o ouvimos em uma versão de Abrantes, A torre da madorna. Acha-se nos Contos populares portuguezes, n.º XIV; seguimos o texto de Leite de Vasconcellos, da Vanguarda, n.º 39. Ha uma outra versão nos Portugueze folktales, de Consiglieri Pedroso, n.º XI. Este mesmo conto é commum á tradição hespanhola com o titulo El Castillo de irás y no volverás, em Maspons y Labros, Rondellayres y quentos populares catalans, Serie I, n.º 5; acha-se tambem na collecção de Fernan Caballero, com o titulo Los cavalleros del pez. Nos Contes populaires lorrains, de Emm. Cosquin, as versões francezas tem os titulos Le fils du Pecheur e Les dons des trois animaux. Apparece uma versão italiana na Fiabe, Novelle e Raconti popolari siciliani, n.º 16, de G. Pittré. Apparece uma versão servia, intitulada Bash Chalek, na trad. ingleza de M.me Mijatovies Serbian-Folk-lore. Reinhold Köhler, nas suas notas aos Awarische Texte, de Schiefner, n.º IV, onde compara o conto dos Cunhados animaes.