Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/As fiandeiras
Era uma mãe que tinha uma filha e só pensava em casal-a bem. Foi a casa de um mercador que vendia linho, e pediu-lhe para que lhe vendesse uma pedra de linho, porque a filha fiava tudo n’um dia. Trouxe o linho para casa e disse á filha:
— Tens de me fiar esta pedra de linho hoje mesmo, porque ámanhã vou buscar mais. Quando voltar a casa quero achar o linho todo fiado.
A pequena foi sentar-se á porta, a chorar, sem saber como obedecer á mãe. Passou uma velhinha:
— A menina o que tem, que está a chorar d’esse modo?
— O que hei-de ter! É minha mãe que quer á força que lhe fie n’um dia uma pedra de linho, e eu não sei fiar.
— Deixe a menina estar que eu lhe fio tudo se me prometter que no dia do seu casamento me hade chamar tres vezes tia.
A menina olhou para dentro de casa, e viu o linho remexido, e todo fiado. No dia seguinte a mãe foi á loja, gabou muito a habilidade da filha, e pediu outra pedra de linho para ella fiar. A pequena foi sentar-se á porta, a chorar, esperando que passasse a velhinha da vespera.
Passou uma outra:
— A menina o que tem, que está a chorar d’essa maneira?
A pequena contou-lhe as ordens que tinha recebido da mãe.
— Pois se a menina me promette que no dia do casamento me hade chamar tres vezes sua tia, o linho hade apparecer fiado.
A pequena prometteu que sim, e olhando para dentro de casa deu com o linho remexido e prompto.
A mãe foi buscar mais outra pedra de linho, e repetiu-se o mesmo caso; até que passou uma terceira velhinha que lhe fez tudo com a mesma promessa. O commerciante sabendo d’aquella habilidade quiz ver a rapariga, achou-a bonita e esperta e quiz casar com ella; a mãe ficou bem contente porque o noivo era muito rico. O commerciante mandou-lhe um grande presente, com muitas rocas e fusos, para que quando casassem, as suas criadas todas fiassem. No dia do casamento fez-se um grande jantar, e todos os seus amigos assistiram; quando estavam á mesa bateu á porta uma velhinha:
— Ai! é aqui que móra a noiva?
— Entre minha tia; sente-se aqui, minha tia; coma alguma cousa, minha tia.
Ficaram todos pasmados de verem uma velha tão corcovada com um nariz muito grande. Mas calaram-se. Instantes depois, bateram á porta; era outra velhinha:
— É aqui que móra a noiva que se casou hoje?
— É, minha tia; entre, minha tia; jante comnosco, minha tia.
A velha sentou-se e todos ficaram pasmados do grande aleijão que ella tinha nos queixos. Mas continuaram a jantar. Bateram outra vez á porta; era outra velhinha, que fez a mesma pergunta.
— Ora entre, minha tia; cá a esperavamos, minha tia; hade jantar comnosco, minha tia.
Tambem não causou menos pasmo esta velha toda corcovada e com as costellas embicadas para fóra; mas d’esta vez os curiosos, principalmente o noivo, perguntaram porque tinham aquellas tias tamanhos aleijões.
Disse a primeira:
— Tenho assim o nariz, porque fiei muito, muito, e as arestas do linho pozeram-me assim.
— E eu, meu sobrinho, tenho assim os queixos, por que fiei muito, e fiquei assim por tanto riçar os tomentos.
— E eu, sobrinho, fiquei com estas corcovas por estar sempre para um canto com a roca á cinta.
O marido assim que ouviu aquillo, levantou-se e foi pegar nas rocas, fusos, sarilhos, dobadouras e tudo e atirou-os para a rua, e disse que na sua casa nunca mais se havia de fiar, porque não queria que lhe acontecessem á sua mulher taes desgraças.
(Algarve.)
Notas
editar7. As fiandeiras. — Nas Fire Side Stories of Ireland, de P. Kennedy, acha-se este conto, e traduzido por Brueyre com o titulo A priguiçosa e suas tias. (Contes populaires de la Grande Bretagne, n.º XXII, p. 159.) Entre as differentes fontes, cita a versão escosseza da collecção de Chambers, Whooppity Storie (op. cit., p. 245, de Brueyre); ha uma lição franceza Histoire du Ric Din-Don de M.lle Lhéritier; ao Pentamerone de Basile, o conto italiano, e na Novelline di Santo Stephano, de Gubernatis, La Comprata. No Norske Folke eventyr, de Asbjörnen e Moe, As tres Tias; e na collecção sueca de Cavallius e Stephens, A Rapariga que não podia fiar ouro com lama e palha, e As tres corvinhas. Jacob Grimm, nos seus Kinder und Hause märchen, n.º 14, traz As tres fiandeiras, traduzido nos Contes choisies, de Fred. Baudry, p. 128. Ha alguns vestigios em Rumpelstilzchen; na collecção de Bürching, Volksagen, Märchen, und Legenden, é o das Tres Fiandeirinhas. Ha uma outra versão portugueza traduzida por G. Ralston nos Portuguese folk Tales, de Consiglieri Pedroso, n.º XIX, com o titulo As Tias. Na Mythologie des Plantes, t. II, p. 212, Gubernatis traz um conto popular da Calabria, cujo maravilhoso versa sobre o poder de fiar concedido pelas fadas a uma mulher.