41. AS SONSAS

Havia um rei, e na sua côrte andavam dois cavalleiros; um fallava nas suas trez filhas, que eram muito devotas e que não se importavam com as vaidades do mundo; o outro tinha uma filha só, que era muito alegre e divertida. Juntaram-se um dia muitas senhoras e fallaram nas suas filhas, aonde estava tambem o principe, que, ouvindo as conversas, foi ter com a rainha e pediu-lhe as suas joias. Vestiu-se em adela e foi a casa do fidalgo que tinha as trez filhas beatas. Bateu á porta; os criados foram chamar a dona da casa, mãe das meninas, e ella lhe disse:

— As minhas filhas não hãode querer agora joias, pois ellas não fazem outra coisa senão rezar.

Mas a adela pediu que ao menos a recolhessem do ár da noite, e queria que a deixassem ficar no quarto das meninas, porque assim ficava mais segura com as joias que trazia, que eram de muito valor. A mãe fallou n’isto ás filhas; e ellas:

— Nós não queremos cá velhas; temos muito que rezar.

A mãe disse:

— Ella fica ahi para um canto do quarto, porque não quero que em minha casa aconteça a desgraça de a roubarem.

A adela entrou para o quarto das meninas; deitou-se e fingiu que dormia. Lá por alta noite entraram trez mancebos, que eram os namorados das trez meninas, e cada um deixou uma coisa. A adela, assim que viu esses objectos, agarrou n’elles e abalou.

No dia seguinte, o principe que era a dita adela, esperou que anoitecesse, e foi a casa da filha do outro fidalgo, bateu á porta, veiu a mãe da menina; disse que trazia ali umas joias, para vêr se a menina quereria comprar.

Veiu ella muito contente, esteve a vêr as joias, e, como isto levou tempo, disse:

— Minha rica velhinha, eu não quero nada; mas como é tarde hade cá dormir, e fica no meu quarto.

Depois deram a ceia á velha, e ella foi deitar-se para o quarto da menina, que lhe deu tambem a sua cama. A velha fingia que dormia; a menina veiu deitar-se. Penteou-se, resou, despiu-se e deitou-se sem camisa na cama. A adela, assim que a apanhou dormindo, pegou na camisa e foi-se embora.

No fim de dias o principe mandou avisar, para todos os fidalgos irem ao palacio com as suas familias; quando estavam presentes, chamou um cavalleiro e mostrou-lhe uma prenda e perguntou se a conhecia.

O cavalleiro disse que sim, e que a tinha deixado no quarto de uma menina. Fez mais perguntas eguaes aos outros mancebos, e as trez beatas estavam muito envergonhadas. Chegou por fim a vez da menina da camisa; chamou-a, e ella desatou a rir.

A mãe disse-lhe:

— Sustei-vos, filha, não vos rides.

— Ai, senhora! agora é que eu vejo que o principe era a velha adela que me furtou a camisa.

O principe perguntou-lhe:

— Será esta a camisa?

— É sim senhor.

— Pois bem, aqui tem a sua camisa, e saiba que d’este instante por diante fica minha verdadeira esposa, e a estas meninas dou-lhes a sentença que, como são muito beatas, se faça um convento para as metter para sempre.

(Ilha de S. Miguel — Açores.)


41. As sonsas. — Ha uma versão da Beira-Baixa nos Contos populares portuguezes, n.º LXI, com o titulo As filhas dos dois validos, do grupo colligido por Consiglieri Pedroso. Traz os seguintes estribilhos:

— Ah estrangeirinha, estrangeirinha!
Que esta caixa era minha.
«Pois se a caixa era vossa
Pela virtude sereis rainha.