79. DOM CAIO

Era um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando a porta da rua; como elle tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir de valente. Vae de uma vez viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. D'aqui em diante não fazia senão gabar-se:

— Eu cá mato sete de uma vez!

Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o maior valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra elle, porque sabiam que não tinha quem mandasse a combatel-as. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo mettel-o no bico ao rei, que se lembrou de que quem era assim tão valente seria capaz de occupar o posto de Dom Caio. Veiu o alfaiate á presença do rei, que lhe perguntou:

— É verdade que matas sete de uma vez?

— Saberá vossa magestade que sim.

— Então n'esse caso vás commandar as minhas tropas, e atacar os inimigos que já me estão cercando.

Mandou vir o fardamento de Dom Caio e fel-o vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e que ficou com o chapeu de bicos enterrado até ás orelhas; depois disse que trouxessem o cavallo branco de Dom Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavallo, e elle já estava a tremer como varas verdes; assim que o cavallo sentiu as esporas botou á desfilada, e o alfaiate a gritar:

— Eu caio, eu caio!

Todos os que o ouviam por onde elle passava, diziam:

— Elle agora diz que é o Dom Caio; já temos homem.

O cavallo que andava costumado ás escaramuças, correu para o sitio em que andava a guerreia, e o alfaiate com medo de cahir ia agarrado ás clinas, a gritar como desesperado:

— Eu caio, eu caio!

O inimigo assim que viu vir o cavallo branco do general valente, e ouviu o grito: «Eu caio, eu caio!» conheceu o perigo em que estava e disseram os soldados uns para os outros:

— Estamos perdidos, que lá vem o Dom Caio; lá vem o Dom Caio.

E botaram a fugir á debandada; os soldados do rei foram-lhe no encalço e mataram n'elles, e o alfaiate ganhou assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavallo e em gritar: «Eu caio.» O rei ficou muito contente com elle, e em paga da victoria deu-lhe a princeza em casamento, e ninguem fazia senão louvar o successor de Dom Caio pela sua coragem.

(Porto.)



79. Dom Caio. — Este conto versa sobre o equivoco da phrase: Matar sete de um golpe. Tem analogias com o Alfaiatinho valoroso, dos Contos de Grimm. (Contes choisis, p. 253.) No Pantchatantra, a fabula do Oleiro e o Rei versa sobre este mesmo assumpto. (Trad. Lancereau, p. 289.) Na Biblioteca de las Tradiciones populares españolas, t. I, p. 121, vem este conto com o titulo de Don Juan Bolondron Mata siete de um trompom, colligido no Chili, na povoação de Santa Juana.