Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Março Marçagão
Era uma vez um homem, que casou com uma mulher desmazellada, e depois dizia o homem:
Oh mulher, oh mulher,
Eu mercára-te uma roca…
A mulher: — Isso não, marido, não
Que me fal’-a cara torta;
C’o dinheiro e co’a roca
Compraremos um burrinho,
O burrinho leva os odres,
E os odres leva o vinho.
Marido: — Oh mulher, oh mulher,
Eu mercára-te umas meias…
A mulher: — Isso não, marido, não
Que me fal’-as pernas cheias.
Antes com esse dinheiro
Compraremos um burrinho,
O burrinho leva os odres
E os odres leva o vinho.
Dil-o o homem:
— Oh mulher, tu não fias? tu não trabalhas?
— É um dia santo muito grande, não se póde hoje trabalhar.
Ao outro dia elle perguntou o mesmo, e ella o mesmo respondeu, e elle disse assim:
— Deixa, que ahi vem o Março Marçagão que elle t’o dirá.
— E eu pego n’umas poucas de esteiras e boto-as no primeiro de Março a córar.
— Elle não quer esteiras, quer antes meadas.
O marido na vespera do primeiro de Março pegou n’um capote muito velho, cobriu-se para fingir um velho muito corcovado, e a mulher pela manhã cedo levantou-se e foi pôr muitas esteiras a córar; e elle appareceu-lhe ali em velho e disse assim:
— Essas são as meadas que tu tens para córar?
— São.
— Então teu marido não te dizia? Espera, que eu te fallo.
Pega n’um páo, bateu, bateu até não poder mais, e deixou-a por morta. Assim que ella se pôde erguer foi para casa. A primeira cousa foi comprar roca e fiar. Depois já dizia o homem:
— Então era o que te eu dizia ou não?
Março, Marçagão
Cura meadas
Esteiras não.
Notas
editar67 e 68. Março marçagão. — Publicado pela primeira vez pelo sr. Leite de Vasconcellos, na Vanguarda, n.º 75 e 76. O março é mythificado nos anexins populares portuguezes. Em uma versão que colligimos o estribilho era:
Eu sou o Março Marão,
Que curo meadas e esteiras não.