Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/O afilhado de Santo Antonio


52. O AFILHADO DE SANTO ANTONIO

Um homem tinha muitos filhos, e já não tinha a quem convidar para compadre; nasceu-lhe mais um, e elle disse: — Seja teu padrinho Santo Antonio. O pequeno cresceu, e andava com os outros irmãos no monte, quando se perderam e foram dar a uma cabana, onde morava uma velha, que lhes fez muita festa:

— Entrae para aqui, meus meninos, que eu dou-vos biscoutos.

Os pequenos entraram; a velha assim que os apanhou de dentro metteu-os dentro de uma arca, para os engordar e comer depois. De vez em quando dizia:

— Botae de fóra o dedinho.

O afilhado de Santo Antonio mettia pelo buraco o rabo de um ratinho que tinha apanhado e a velha deixava-os ficar mais tempo; por fim o rato fugiu, e a velha vendo que estavam gordos, abriu a caixa e disse:

— Ide-me, meus meninos, buscar uma manadinha de lenha.

Quando elles andavam á lenha, veiu Santo Antonio, e avisou-os, que a velha o que queria era assal-os no forno porque ella não tinha amassadura; e que a tudo quanto ella lhes mandasse fazer, dissessem sempre que não sabiam, e que e1la os ensinasse. Foram para casa; a velha atarricou o forno de lenha, e aqueceu-o; depois foi buscar a pá, e disse para os pequenos:

— Saltae aqui um bocadinho.

— Saltae vós, tia, primeiro, para sabermos como é.

A velha põe-se a saltar na pá, e os pequenos á uma pregam com ella dentro do forno, dizendo:


Pela graça de Santo Antonio

Carregue-se para o inferno este demonio.


Assim que a velha começou a arder, sairam-lhe dos olhos dois cães lobados, que ficaram á obediencia dos meninos e caçavam toda a caça para elles. Soube-se que havia um dragão n’uma terra, que comia uma pessoa por dia, e tocava a vez á filha do rei. Ora o rei dava a filha em casamento fosse a quem fosse que a salvasse. O afilhado de Santo Antonio foi com os seus cães lobados e matou o dragão; cortou as pontas das sete linguas, e soltou a princeza. Quando o rei viu a filha, clamou:

— Quem foi que te deu a vida?

— Foi um pobre rapaz, com dois cãesinhos que trazia.

O rei deu ordem que viesse á sua presença o rapaz; mas um embusteiro que tinha cortado as cabeças do dragão é que se apresentou; o rei queria que a filha casasse com elle. Ella não quiz, e pôz-se á janella a chorar, quando passou o rapaz:

— É aquelle, meu pae. É aquelle:

O rei chamou-o; veiu todo envergonhado, e ainda trazia as pontas das linguas do dragão. Não havia que duvidar; fez-se o casamento com a princeza, e foi o afilhado de Santo Antonio que fez feliz toda a sua familia.

(Airão.)


52. O afilhado de Santo Antonio. — Ha versões de Guimarães e Cabeceiras de Basto, ap. Leite de Vasconcellos, Tradições populares de Portugal, p. 271 e 274.