9. O MAGICO

Havia n’uma terra um homem entendido em artes magicas, que nunca queria tomar criado que soubesse lêr para lhe não apanhar o segredo dos seus livros. Foi um moço offerecer-se dizendo que não sabia lêr, e assim ficou-o servindo, e leu todos os livros da livraria do magico, e quando já podia competir com elle, fugiu com todos os livros. Um dia o discipulo achou-se mestre e quiz viver das suas artes; disse a um criado que fosse á feira vender um lindo cavallo que devia de estar na estrebaria, disse-lhe o preço, e ordenou-lhe que assim que o vendesse lhe tirasse logo o freio. Á hora da feira o criado foi á estrebaria e lá achou um lindo cavallo e partiu com elle para o mercado. Estava na feira o Magico que tinha sido roubado, e conheceu logo debaixo da fórma do cavallo o seu antigo discipulo; foi ajustar o preço, pagou a quantia tão depressa, que o criado se esqueceu de tirar o freio ao cavallo. Quando o quiz fazer já não foi possível, por que o Magico disse que o contracto estava fechado desde que lhe entregara o dinheiro. O magico levou o cavallo para casa, muito contente por se poder vingar á vontade do seu inimigo que lhe tinha roubado toda a sua sabedoria. De uma vez disse ao criado que fosse á ribeira levar o cavallo a beber, mas que não lhe tirasse o freio. O cavallo andava muito triste, cheirava a agua mas não bebia; o criado lembrou-se de lhe tirar o freio, pensando que elle assim beberia. De repente o cavallo transforma-se n’uma rã, e sóme-se pela agua. O Magico que estava á janella de sua casa viu aquillo, e transformou-se em um sapo, para ir apanhar a rã. O discípulo, que sabia a sorte que o esperava se tornasse a cair em poder do mestre, transformou-se em uma pomba, e voou, voou por esses áres; o magico transformou-se em um milhafre, e correu atraz da pomba para tragal-a. Já ia muito cansada a pomba, e quasi que estava para ser agarrada, quando viu uma princeza que estava em um terraço, e foi-lhe cair no collo, transformando-se em um annel de grande preço. A princeza pasmada com o que viu, e com a lindeza da joia, metteu-a no dedo; o Magico, viu que nada podia fazer, e como ainda estava na fórma de milhafre entra pelo quarto do rei dentro e bota-lhe um cabello no copo de leite que elle estava para beber. O rei, já se sabe, teve uma grande doença, foram chamados todos os medicos, mas nenhum era capaz de o curar; o Magico appareceu sob a figura de medico e prometteu dar saude ao rei, mas só se lhe desse o annel que a princeza trazia no dedo. O rei disse que sim; então o annel transformou-se em um lindo rapaz e pediu á princeza que quando o rei lhe mandasse entregar o annel ao Magico, que lh’o não desse na mão, mas que o atirasse ao chão, para elle o levantar. O rei passados dias ficou bom, e assim que o Medico veiu á côrte, pediu o annel; o rei chamou a filha e disse que lhe entregasse o annel. A princeza mostrou-se triste mas obedeceu; tirou o annel e deitou-o ao chão, como se estivesse zangada. O annel transformou-se em uma romã que toda se esbagoou pela sala; mas o magico mudou-se em gallinha, e n’um instante foi engolindo todos os grãos. Ficou um unico grãosinho de traz de uma porta, e esse transformou-se n’uma raposa, que se atirou á gallinha e a comeu n’um instante. A princeza ficou muito pasmada com aquillo, e pediu á raposa que se tornasse em principe que casaria com elle. E elle assim fez e foram muito felizes.

(Algarve.)


9, 10 e 11. O Magico. O Mestre das Artes. O aprendiz do Mago. — Versões nos Contos Populares da Russia, de Afanasieff, livro VI, n.º 46; em Gubernatis, Noveline di Santo Stephano, n.º 22 e 26. (Ap. Myth. zool., I, 365.) Nos Contes populaires de la Grande Bretagne, de Brueyre, p. 289. — Nas Notte piaccevoli, de Straparola, Nott. VIII, fábula 5.ª, vem este mesmo conto. O freio magico é um episodio commum a muitos outros contos mythicos, como o prova Brueyre, Op. cit., p. 253, e Gubernatis, Mythologie zoologique, t. I, p. 77.

Nos Contos populares portuguezes, n.º XV, o Criado do Estrujeitante, versão de Ourilhe, pertence a esta mesma tradição. Nos Contos populares do Brazil, de Sylvio Romero, ha uma variante sob o n.º VIII, com o titulo O passaro preto.