Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Os dous caminhos


140. OS DOUS CAMINHOS

Eram dous Irmaãos, e huum era sabedor e o outro sandeu. E andavam ambos fóra de sua terra. E querendo-se tornar pera ella, chegarom a huum logar ha sse partiam dous caminhos. E acharom pastores que guardavam gaado, que lhes disseram que huuma carreyra daquellas era dura e fragosa e estreita e per aquella hyriam direytamente e seguros a sua terra. E que a outra era ancha e chaã mas era perigosa e chea de ladrões. Quando esto ouvia o irmão sabedor quisera hyr pela carreyra fragosa e segura. E o irmãao sandeo rogouo muyto que se fossem pela carreyra ancha e chãa. E o sabedor consentyo. E foramse ambos pella carreyra chãa e perigosa. E foramse e sayram ladrões a elles e prenderamnos e esbulharamnos e feriromnos. E lançaram o sandeo em huuma cova em que morresse. E levarom o outro pera o matarem; e dizia o sabedor ao sandeo:

— Malditto seias tu, ca por a tua sandice mouro eu.

E o sandeo lhe disse:

— Mas tu seias malditto, que sabias que eu era sandeo e treesteme.

E assy pereceram ambos. E bem assy acontece ao homem, ca a carne que he sandia quer hir polla carreyra da boa andança e das deleytações do mundo, mas a alma que he sesuda querya andar pella carreyra da peendença e das tribulações do mundo, e a rrazom assy lho conselha, mas a sensualidade tem com a carne, e os prelados e pregadores que som os pastores demostram ao homem ambas as carreyras.

(Ms. 273, fl. 98.)




140. Os dois caminhos. — O thema tradicional do caminho que vae dar ao céo e do que vae dar ao inferno conserva-se entre o povo. (Vid. n.º 55.)