93. SEMPRE NÃO

Um cavalleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada; receiando não acontecesse algum caso desagradavel emquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe promettesse, que emquanto elle estivesse fóra de casa diria a tudo: — Não. Assim pensava o cavalleiro que resguardaria o seu castello do atrevimento dos pagens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavalleiro já havia muito que se demorava na côrte, e a mulher aborrecida na solidão do castello não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavalleiro, todo galante, e comprimentou a dama; ella fez-lhe a sua mesura. O cavalleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:

— Senhora de toda a formosura, consentis que descance esta noite no vosso solar?

Ella respondeu:

— Não!

O cavalleiro ficou um pouco admirado da secura d'aquelle não, e continuou:

— Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?

Ella respondeu:

— Não.

Mais pasmado ficou o cavalleiro com aquella mudança, e insistiu:

— E quereis que vá cahir nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?

Ella respondeu:

— Não.

Começou o cavalleiro a comprehender que aquelle Não seria tal vez sermão encommendado, e virou as suas perguntas:

— Então fechaes-me o vosso castello?

Ella respondeu:

— Não.

— Recusaes que pernoite aqui?

— Não.

Diante d'estas respostas o cavalleiro entrou no castello, e foi conversar com a dama, e a tudo o que lhe dizia ella foi sempre respondendo não. Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas camaras, disse o cavalleiro:

— Consentis que eu fique longe de vós?

Ella respondeu:

— Não.

— E que me retire do vosso quarto?

— Não.

E assim correram as cousas, até que ao dia seguinte, perguntou o cavalleiro:

— Ordenaes que fique mais tempo comvosco?

Ella respondeu:

— Não.

O cavalleiro partiu, e chegou á côrte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a historia do Não; mas quando ia já a contar o modo como se mettera na cama da castellã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado:

— Mas onde foi isso, cavalleiro?

O outro percebeu a afflicção do marido e continuou sereno:

— Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se-me um sonho tão lindo.

O marido respirou alliviado, mas de todas as historias foi aquella a mais estimada.

(Açores.)