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UMA VALSA
 

E’ n’um saráo. Na sala atapetada,
Por um lustre de gaz illuminada,
E duas arandelas
— Vinte e dois bicos imitando velas —,
Cruzam-se homens, senhoras e crianças.

Vão começar as dansas.

Eis a dona da casa. Está sentada.
Correcto cavalheiro
Que é, se me não engano, seu marido,
Vae levar-lhe um rapaz bem parecido,
Elegante e garrido,
Orgulhoso e feliz,
Que é capaz de levar um anno inteiro
Dizendo asneiras sem saber que as diz.

A bella dama cora:
Foi do mancebo namorada outr’ora.

— Trago-te um par. — Com muito gosto o aceito. —
O marido lhe diz e ella responde
N’um sorriso de subito desfeito.

Uma banda de musica se esconde
No gabinete proximo.

— O seu braço? —
Ergue-se a dama, as saias endireita,
E, meio contrafeita,
Enfia a mão direita
No braço do rapaz.

De uma valsa o preludio ouvir-se faz,
E após, começa a dansa. O moço, com respeito,
O seu formoso par comprime contra o peito.
Principiam marcando o airoso passo.
Da musica acelera-se o compasso.
Palpita e geme a valsa erotica, ligeira...
O moço aos hombros lança a farta cabelleira;
Depois, aperta mais de encontro ao seio
A mulher bella que nos braços traz;
Faz fincapé no chão; tem um meneio
Impetuoso, febril, precipitado, e zás!
Valsa ditosa
Vertiginosa
Que delicia nos fazes gozar!
Debil cintura
Com mão impura
O direito nos dás de apertar!
Tumidos seios,
Ceruleos veios
Junto ao peito sentimos arfar!
Ha melhor gosto
Que um lindo rosto

A’ distancia de um beijo fitar?
Quatro imprudentes
Labios ardentes
Por accaso se podem tocar...
Eternas horas,
Noites e auroras,
Uma valsa devera durar!

O moço pára tremulo, descança,
E pede ao lindo par, como lembrança,
O cravo rubro que ella traz na trança.
Faz que não ouve a dama,
E põe-se a disfarçar,
Mas a valsa de novo os reclama,
E começam de novo a valsar.

Como ella
Desliza!
Mal pisa!
Que pé!
Tão bella,
Tão suave
Uma ave
Não é!

— O cravo?
— Socegue!
— Não negue!
— Não dou!
— Escravo

De tantos
Encantos
Estou!

Oh, dê-m’o
Depressa!
— Não peça!
— Por que?
Eu tremo...
— Se o pede...
— Concede?
— Não vê!

— Lembrar-se
Devia
Que um dia
Me amou!
— Disfarce...
Que asneira!
Solteira
Não sou!

Descançando de novo o lindo par,
Começa a passear,
Ella a abanar-se co’ uma ventarola,
E elle co'um lenço que nas mãos enrola.
Mas o curto passeio se interrompe,
Porque de novo irrompe,
O motivo melhor da capitosa valsa.
De novo se inflammam
Clarins e pistons,

Que em volta derramam
Estridulos sons.
Ella uma luva rapida descalça.
Nos seus braços a moça o mancebo arrebata,
E aperta-lhe com força a descalçada mão.
Oh, pallida insensata,
Que te deixas levar no doido turbilhão!

E’agora!
Lá vão,
Embora
Cansados!
Damnados
Estão!
O moço
Destroço
Na trança
Causou:
O cravo
— Que aggravo! —
Na dansa
Roubou!
A trança
Rolou!
E todos
Taes modos
Lamentam,
Commentam:
— Audacia!
— Filaucia!

— Tunante!
— Tratante!
Já chovem
Protestos.
— Que horror! —
E o joven,
Os restos
Beijando
Da flôr,
Pulando,
Suando,
Mostrando
Furor,
Não pára,
E, a cara
Mettendo,
Vae tendo
Logar!
A triste
Resiste
Nos braços
Devassos
Do par.
O esposo,
Furioso,
A banda
Não manda
Calar!
A bella
Senhora

Desmaia:
Na sala,
Sem fala
Descae!
Descaia!
Que, embora
Sem ella,
O ovante
Dansante
Lá vae!
— Mas pare!
— Repare!
— Faz mal!
Aviso
De siso
Não val!
— Pisou-me!
— Matou-me!
— Soccorro,
Que eu morro
Papae!
— Borracho
’Stará?
— Eu acho
Que está!
E a banda
Tão rara,
Nefanda,
Não pára!
O amigo

Co’as pernas
Ligeiras
E eternas,
Levando
Comsigo
Cadeiras,
Quebrando
Sofás,
A gente
Pisando
Que frente
Lhe faz,
Não cansa
Na dansa,
Zás, traz!
E lhe ouço
— Que moço! —
Girando,
Gritando,
Dizer:
— Almejo,
Desejo
Dansando,
Valsando
Morrer! —

A musica, porém, parou subitamente.

Jazem no chão dois miseros moleques
Que numerosos copos de cerveja
Traziam n’uma rutila bandeja.

As damas riem por detraz dos leques.

Pulando sempre, sempre e sempre, o pobre moço
Cahiu emfim no chão. Dormiu profundamente
Até ás horas do almoço.
Quando acordou, quiz dansar...
Inda não estava farto de exercicio,
Foi necessario agarral-o,
E mandal-o
Para o Hospicio,
Onde hoje passa os dias a valsar!