Contos em verso/Contos maranhenses/O socio

O SOCIO
 

Frequentava o Lyceu o Arnaldo, e havia feito
Exame de francez, inglez e geographia,
Quando seu pae um dia,
Pilhando-o bem a geito,
Chamou-o ao gabinete e disse-lhe: — Meu filho,
Tu vaes agora entrar no verdadeiro trilho!
Tu já sabes inglez e francez; o Tiberio,
Teu mestre, um homem sério,
Me disse ultimamente
Que pódes dar lições de geographia á gente —
E, depois de tomar o velho uma pitada,
— Não quero, proseguiu, que tu saibas mais nada,
Pois sabes muito mais do que teu pae, e, como
Fortuna elle não tem para te dar mezada,
Deus, que me ouvindo está, por testemunha tomo!
Não has de ser doutor! E para que o serias?
Em breve, filho meu, tu te arrependerias.
Pois não vês por ahi tantos, tantos doutores,
Que não tomam caminho,
Soffrem mil dissabores,
Sem ter o que fazer do inutil pergaminho? —
Nisto o velho assoou-se ao lenço de Alcobaça,
E a trompa fez tremer os vidros na vidraça.

— Tu vaes para o commercio. Arranjei-te um emprego
Em casa de Saraiva, Almeida & Companhia.
Acredita, rapaz, que o teu e o meu socego
Farás, se me disseres
Que não te contraria
Esta resolução. Tua mãe, que é bem boa,
Mas os defeitos tem de todas as mulheres,
Quer que sejas p’r’ahi um bacharel á tôa;
Pois olha que teu pae tem pratica do mundo
E a machina social conhece bem a fundo;
Para o commercio vae. Se tiveres juizo,
Em dez annos... nem tanto até será preciso...
Serás socio da casa. A casa é muito forte,
Meu filho, e todos lá têm tido muita sorte.

O Arnaldo quiz em vão protestar. O bom velho
Fel-o chegar-se ao relho,
E a ambiciosa mãe capacitou-se, em summa,
Que, na casa Saraiva, Almeida & Companhia,
Teria mais futuro o seu rapaz, que numa
Reles academia.

Pobre Arnaldo! O logar que lhe foi reservado
Não era de caixeiro,
Mas de simples criado:
A’s cinco da manhã dispertava, e ligeiro
Descia aos armazens, pegava na vassoura,
E tinha que varrer o chão. Não me desdoura
O trabalhar (o moço aos seus botões dizia).

Mas não valia a pena
Ter aprendido inglez, francez e geographia,
Se a uma eterna vassoura a sorte me condemna!

O pobre rapazinho andava o dia inteiro
Recados a fazer, levipede, lampeiro,
E, á noite, fatigado,
Atirava-se á rêde e um somno só dormia
Até pela manhã, quando a vassoura esguia
O esperava num canto. Elle tinha licença
De ir á casa dos paes de quinze em quinze dias!...
Sentia pela mãe uma saudade intensa!
Vida estupida e má! vida sem alegrias!...

Saraiva, o principal socio daquella firma,
Typo honrado, conforme inda hoje a praça affirma,
Andava pela Europa a viajar, e o socio,
O Almeida, estava então á testa do negocio.
Era o Almeida casado, e tinha uma sujeita...
No intuito de evitar toda e qualquer suspeita,
Não quiz o maganão que ella morasse perto
Da casa de negocio, onde estava a familia:
Em S. Pantaleão, bairro sempre deserto,
Poz-lhe casa e mobilia.

O Arnaldo lamentava o seu mesquinho fado,
E andava sempre triste e sempre amargurado,
Quando o senhor Almeida, o patrão, de uma feita,
Se lembrou de o mandar á casa da sujeita,
Levar uma fazenda
De que ella lhe fizera ha dias encommenda.

Lá foi o Arnaldo, e, ao dar co’a moça, boquiaberto
Ficou por não ter visto ainda tão de perto
Senhora tão formosa,
Nem tão appetitosa;
E, a julgar pelo olhar que lhe lançou a bella,
Ella delle gostou tanto como elle della.

Era bem raro o dia em que o negociante
Não tinha que mandar o Arnaldo á sua amante
Qualquer coisa levar. Por isso, de repente,
O triste varredor mostrára-se contente,
Sagaz, activo, esperto,
E ao pae e á mãe dizia
Que na casa Saraiva, Almeida & Companhia
Achára um céo aberto.
Pudéra! o capadocio
Em dois mezes passou de caixeirinho a socio.