C. — Deus lhe guarde, meu senhor.
P. — Venha com Deus, cavaleiro,
Venha, logo me dizendo
Se é corcunda ou brasileiro.
Vejo-lhe divisado
Na cabeça um grande galho,
Bem me parece ser
Da vazante o espantalho.
C. — Sim senhor, eu sou corcunda
E morro pelo meu rei;
Esta divisa que trago
É da sua real lei.
Se o senhor é patriota,
Provisório cidadão,
Se fala contra o meu rei,
É judeu, não é cristão.
E com isto já me vou,
Não quero mais esperar;
O senhor é jacobino
Pelo modo de falar.
P. — Dê-me atenção, senhor,
Não se faça esforecido;
Um homem apaixonado
Não dá prova de entendido.
Eu conheço o seu caráter,
Não é de tolo e vário,
Mostrar ser de pensante,
Ou de um escriturário.
Faça-me a honra apelar,
Venha-me dar um clarão;
Só o senhor pode dizer-me
O que é a Constituição,
E também da Independência
De Dom Pedro Imperador;
Tudo me explique agora,
Eu lhe peço por favor.
C.-Se o senhor fala-me sério,
Se não é adulação,
Eu lhe direi de que consta
A nova Constituição.
P. — O senhor, creia em mim,
Que muito sério lhe falo;
Eu sou um homem néscio,
Não sei onde canta o galo.
C. — Estes malvados pedreiros,
Carbonários da nação,
Que por serem carvalhistas
Detestam serem cristãos,
Não querem ter rei, nem roque,
E menos religião,
Por isso desprezaram
O nosso rei Dom João.
A lei deles é anarquia
Da tal Constituição,
Cativando desumanos
Sem ter quem lhes vá a mão;
Não querem saber de missa,
Menos de sacramento,
Mofam de tudo o que diz
O Novo Testamento.
Veja, pois, por que rigor
Chamam a nós marinheiros,
Arrocham de pau e peia;
Morram todos ao chumbeiro.
Uns homens nobres em tudo,
No sangue e no proceder,
De familiar ilustradas,
Muitos deles vêm a ser
Filhos de duques, marqueses,
De condes e de morgados.
Dos infames patriotas
Têm sido desfeiteados...
Estas feras doravante
Só em si maldade encerra;
Desprezam o nosso rei,
Que Deus nos deu na terra:
Um homem santo e pio,
Um refúgio de esperança,
O nosso Dom João Sexto,
Filho da Real Bragança.
Esta família ilustrada,
Que o mesmo Deus destinou
Pra seus filhos governarem,
Serem de nós supriô...
Mais agora estou contente
De ver tudo acabado,
Uns mortos e outros presos,
Outros tantos enforcados.
Adeus, tenha saúde,
Creia nisso que lhe digo,
Fuja dos patriotas,
Que são nossos inimigos;
Já estão-se acabando
As malditas rebeliões,
Ficando só no Brasil
A fé pura de cristãos.
P. — Tratemos da Independência.
C. — Isso é um passo muito errante:
Dom Pedro no Brasil
Não pode ser imperante.
P. —Porque? Ele não é Bragança?
C. — Se o rei ainda é vivo
Não pode haver uma herança.
P. — Já não posso, seu corcunda,
Suas loucuras calar,
Quer por gosto, quer por força,
Ouça-me agora falar.
Diga-me, homem sem brio,
Amante do cativeiro,
Somos terras, somos gados
Que Dom Pedro seja herdeiro?
Quando Deus formou o mundo
Qual foi o rei que deixou?
Não deixou um só Adão,
De todos progenitor?
Deste mesmo Adão não fez
Deus no céu para seu mando
Uma mulher para ele
Produzir o gênero humano?
Desses pobres camponeses
Produziu todas nações,
Algum dia eles tiveram
Fidalguia ou brasões ?
Onde foi Bragança haver
Esse sangue ilustrado ?
Só se foi por outro Adão,
Que por Deus não foi deixado.
Só dessa descendência
De gentes que Deus não fez,
Saiu toda a jerarquia,
Condes, duques e marquês.
Abre os olhos, homem tolo,
Adora o Deus verdadeiro,
Aquele que por nós morreu
Como inocente cordeiro.
Se um rei é tão real,
Como adulas a Dom João!
É baixeza no morrer
Se formar em podridão;
Ressuscitar aos três dias,
Assim como ressuscitou
O rei, filho de Maria.
C. — Eu cá sigo o rei Davi
Que o mesmo Deus consagrou.
P. — Isto lá eu não duvido,
E também por isto estou;
Mas quem era o rei Davi ?
Era um pobre coitado.
Era um simples pastorzinho
Do rebanho de seu gado.
Que é do nosso rei Davi ?
Agora só há tiranos
Dissolutos, incivis,
De vaidade profanos.
C. — Já é tarde, vou andando;
Tenha mão, seu papagaio,
Você diz cadê as tropas
Do coitado do Pinheiro;
É certo que lá andei,
E que dele sou soldado...
P. — Perseguiste teus patrícios
Como lobos defamados;
Nas casas que cercaste
Tambem foste carniceiro.
Ajudaste a tirar
Vida, honra e dinheiro;
Ajudaste a matar
Teus irmãos, mansos cordeiros,
Que desgraça, seu corcunda,
Entre os mesmos brasileiros!...
Desprezar os seus irmãos
Como lobos carniceiros.
Esta injustiça, seu corcunda,
Reclamam os céus inteiros...
C. — Meu amigo, estou certo
Do quanto me tem narrado,
Já me pesa de ter sido
Dos meus irmãos o malvado.
Roto o véu do engano,
Nova vida eu terei,
Constante patriota serei;
Podem contar comigo:
Defender a nossa pátria
E morra o nosso inimigo!...