Assim se passaram alguns dias, até que a mãe de Carlota diretamente lhe falou em vão; Carlota não respondeu nada a princípio; depois respondeu negativamente; disse que era muito feliz.
— Não creio, disse a mãe, sente-se que não és feliz.
— Que idéias, mamãe! Por quê?
— Porque sim. Teu marido anda agora fora de casa, nunca vai lá contigo, não está contigo às noites, e eu até já soube que às vezes recolhe-se quase de manhã...
— Às vezes sim; são negócios...
— Negócios?
— Sim, senhora, negócios.
Não foi mais feliz o dr. Cordeiro, que, atribuindo pouca habilidade à mulher, assentou de, por si mesmo, alcançar a verdade. Não alcançou nada; Carlota mostrou-se tão reservada, como da primeira vez.
Decorreram assim umas sete ou oito semanas. Um dia, o médico, estando numa gôndola, ouviu a dois sujeitos, únicos que ali iam com ele, falar de uns amores e escândalos, nos quais entrava o nome do genro; fechou os olhos e prestou ouvidos, mas pouco soube; soube apenas que entrara o nome do genro, e que havia uma mulher de má vida no caso.
— É preciso acabar com isto, pensou ele; aliás, este homem leva a pequena à sepultura. Falemos quanto antes, enquanto é tempo.
Com efeito, nesse mesmo dia o Lulu Borges recebia um bilhete em que o sogro pedia que lhe fosse falar no dia seguinte de manhã; foi; o dr. Cordeiro caminhou sem vacilar ao ponto; disse-lhe que a filha era infeliz, posto se não queixasse, que ele descurava a casa, que não era esposo nem pai. Lulu Borges não pôde esconder o espanto ao ouvir as palavras e censuras do sogro, e, ferido no amor-próprio, reagiu e negou tudo. O sogro, porém, repetiu o pouco que ouvira na gôndola, e Lulu Borges empalideceria, se fosse homem de empalidecer. O que lhe aconteceu foi supor que o sogro sabia tudo.
— Quem lhe disse essas falsidades? perguntou ele.
— Ninguém e todos, disse tranqüilamente o dr. Cordeiro.
— Mentiram-lhe, tornou o genro.
Mas dizendo isto, via-se bem que quem mentia era ele; o dr. Cordeiro disse-lho na cara. Lulu Borges ouviu-o daí em diante sem protestar.
Saindo dali, foi um pouco pensativo para casa, e também um pouco irritado não com o sogro, mas consigo mesmo; podia ter sido mais cauteloso, ao menos em atenção às patacas do doutor Cordeiro, que eram boas, limpas, luzidias: em suma, eram as patacas; e por que motivo brigar com elas?
— Emendemos a mão, disse ele.
Já nessa noite ficou em casa, ficou algumas outras, visitou os sogros em companhia de Carlota, tudo com uma aparência de contrição, assaz completa. Seus impulsos patrióticos renasceram e o secretário tratou de arrancar à inércia a já meio esquecida sociedade. Justamente por aquele tempo, batizou-se o jovem Borges, que recebeu o nome do avô, em atenção às patacas deste, e a festa pareceu reconciliar o marido com a virtude.
— Ainda bem! pensava o dr. Cordeiro; foi bem bom ter-lhe falado com franqueza; o rapaz emendou-se.
E dizendo-o à mulher, esta replicou:
— Pode ser, pode ser.
— Desconfias de alguma coisa?
— Não, não desconfio de nada, replicava ela sem convicção.
Nesse mesmo dia, Lulu Borges veio jantar com o sogro, em companhia da mulher e nunca lhe pareceu tão amigo, tão caseiro, tão bom; e, como o dr. Cordeiro nutria a respeito do genro um grande entusiasmo, de pronto se reconciliou com ele; e tão de pronto que, pedindo-lhe Lulu Borges, no dia seguinte, cinco contos de réis para um negócio que meditava, emprestou-lhos o médico.
— Afianço-lhe que dentro de três meses, farei dobrar esta quantia, disse o genro piscando o olho.
— Velhaco!
Isto aconteceu numa quinta-feira; no sábado, ao meio dia, entrava Carlota em casa da mãe, lavada em lágrimas e desfeita em soluços.
— Que tens?
Carlota deixou-se cair numa cadeira sem dizer palavra; os soluços embargavam-lhe a voz.