— Que tens? repetiu a mãe.

Carlota soluçou ainda muito tempo, sem poder falar; a mãe, aflita, beijava-a, cercava-a de todos os lados, pedia que lhe contasse tudo; lembrou-se, o neto teria morrido.

— Aconteceu alguma coisa ao Juca?

— Não, senhora.

— Mas, então que foi? anda, fala...

Carlota pôde finalmente dizer a causa da aflição. Havia já tempos que o marido parecia desprezá-la; vivia quase todo o tempo fora, recolhia-se tarde; às vezes nem se recolhia — ou só o fazia depois do almoço. Carlota lastimara-se a princípio, pedira-lhe de joelhos que não a desamparasse; e a princípio o marido fingiu atender às súplicas; mas depressa se enfastiou, e começou a maltratá-la. Carlota suportou ainda algum tempo os desdéns, as más respostas, as injúrias; um dia quis reagir, mas Lulu Borges depressa lhe abateu os ímpetos, ameaçando-a com um escândalo. Para poupar o escândalo, Carlota calou-se.

— Enfim, disse ela, aconteceu esta noite o que acontece muitas vezes; ele não veio para casa; esperei-o para almoçar, e cansada de esperar mandei pôr o almoço na mesa, e sentei-me. Estava já sentada, com o Juca ao pé de mim, quando ele entrou, e...

— E quê? disse a mãe, depois de curta pausa.

— Perguntei-lhe se queria almoçar; não me respondeu. Irritada, levantei-me, ele segurou-me nos pulsos, e obrigou-me a sentar outra vez; depois disse-me que eu devia pedir dez contos a papai...

— Para quê?

— Ouça. Respondi que não podia pedir mais dinheiro porque papai já nos havia dado muito, e além disso ele já devia alguns adiantamentos; disse mais, que era melhor que ele tratasse de ver um emprego, para não estar a gastar o que era do nosso filho. Levantou-se como uma cobra, e respondeu-me que eu era doida, que naturalmente recusava pedir dinheiro por ele, porque o queria pedir para outro...

— Jesus!

— Finalmente, que viesse pedir a papai, quando não ele me mataria...

— Disse isto?

— Disse; chorei muito, ajoelhei, pedi que nos poupasse mais desgostos; ele ameaçou-me ainda mais, dizendo que eu era tão atrevida como papai, mas que ele havia de ensinar-me... Estava furioso; nunca o vi assim; nunca...

A pobre mãe consolou-a como pôde; Carlota disse-lhe que não sairia mais dali; tinha medo do marido. O dr. Cordeiro soube daí a pouco toda a história, e foi ter com o genro, na ocasião justamente em que este, desesperando da volta da mulher, se preparava para ir à casa do sogro.

Lulu Borges empalideceu.

— Carlota foi lá a casa, disse o médico, pedir-me um dinheiro de que o senhor precisa...

— É verdade que eu...

— O senhor é um miserável! interrompeu o dr. Cordeiro.

Lulu Borges conteve-se; era fácil; viu que tudo estava perdido ou quase perdido. Naturalmente Carlota contara tudo, e o sogro vinha tomar-lhe contas. Em tais transes, ele era flexível e hábil; deixou passar a onda por cima da cabeça e surdiu fora.

— Não me julgue sem ouvir-me, disse ele; há de dizer que tenho gasto muito, é verdade; que tenho desbaratado o dote de Carlota e o que o senhor me emprestou por diversas vezes, é também verdade; mas se soubesse quantos esforços tenho feito! se soubesse que um caiporismo...

— O senhor é um miserável! repetiu o médico.

Desta vez Lulu Borges empalideceu.

Então o dr. Cordeiro continuou expondo tudo o que sabia dele; sabia das mulheres impuras, das noitadas do jogo, em que ele perdia e desbaratava o dinheiro ajuntado pelo sogro; lançou-lhe em rosto a grosseria com que tratava a mulher, o desamor com que a deixava sozinha para ir-se a orgias e vícios de toda a sorte; acabou intimando-lhe a separação do casal.

Lulu Borges sentiu-se naufragar, viu que nada pudera encobrir, e ouviu aterrado a ordem de separação. A separação era para ele a morte das últimas esperanças.

— Nunca! bradou ele.

— Por que nunca? disse sorrindo amargamente o sogro.

— Porque minha mulher é minha e meu filho é meu; o senhor tem o direito de me não dar o seu dinheiro, mas não tem o de me arrebatar a família. Faça um processo se quer, provoque o escândalo...

O dr. Cordeiro ficou rubro de cólera.

— Miserável! bradou.

— Provoque um escândalo, repetiu Lulu Borges.

E certo de que o pai amava a filha e o neto e não quereria pô-los na boca do mundo, continuou a bradar que tinha direito à mulher e ao filho, e que não abriria mão deles por nenhum preço.

— Nenhum preço? perguntou o médico.

— Nenhum.

— Talvez este...

E dizendo isto o dr. Cordeiro meteu a mão no bolso, de onde tirou a carteira. Lulu Borges olhou para ele espantado, sem saber o que o sogro ia fazer, nem que resposta lhe havia de dar. O médico tirou da carteira uma letra.

— Vê?

— Vejo.

— Conhece a assinatura?

Lulu Borges ficou branco como um defunto. A letra era falsa, tinha sido fabricada por Lulu Borges alguns meses antes, para obter dinheiro; chegara na véspera às mãos do dr. Cordeiro, que a pagou.

— Quem lhe deu esse papel? disse o genro, sem reparar nestas palavras.

O dr. Cordeiro não lhe respondeu; ameaçou-o com a letra; e o genro ficou aterrado. Então mudou de tática, e não já ameaçou, mas implorou o perdão e a amizade do sogro, prometeu emendar-se, trabalhar, fazer feliz a mulher e o filho; disse que a lição era cruel, e que nunca mais — nunca dos nuncas — procederia do modo por que até ali fizera. O dr. Cordeiro ouviu-o calado, e quando o outro pareceu acabar, esperando uma resposta:

— Não, disse ele; nada mais pode haver entre nós. Eu quero a separação; arranjemos a coisa de maneira que lhe possa dar alguns recursos; mas a reunião da família é impossível! É impossível! Foi o senhor que assim o quis.