CAPITULO III

 
O actual canal de Suez. — O canal dos antigos. — Opinião de Herodoto, de Strabão e de Sohems-Eddin. — O projecto de Lepère. — O «Ava» no canal. — Chegada a Suez — Os habitantes das cidades egypcias, seos usos e costumes. — As alméas. — O Cairo. — A circumsição dos meninos. — A cosinha dos egypcios. — Barbeiros com triplices funções. — O camello do deserto. — Um convite officioso.
 


O PROJECTO de construcção do canal de Suez, habilmente executado pelo Sr. Ferdinand de Lesseps, seria talvez o primeiro assim concebido, porém, já nos tempos dos Pharaós se fizerão tentativas, por diversas vezes, para resolver-se o grande problema da reunião do mar Vermelho ao Mediterraneo; para cuja execução faltavão então os grandes engenhos de que a sciencia moderna hoje dispõe.

É, fóra de duvida, que já em epochas mui remotas, as aguas do Nilo communicarão com as do mar Vermelho.

Segundo a tradição grega, deve ser attribuido á Sesostris a iniciativa dos primeiros trabalhos effectuados para canalisação do isthmo; Herodoto entretanto, attribue a Necos, filho de Psammetico, o qual, depois de grandes trabalhos consultara aos oraculos, que o dissuadirão de seo projecto; que foi executado completamente por Dario, depois de ter sido o Egypto conquistado pelos Persas.

«O comprimento do canal, diz Herodoto, é de quatro dias de navegação, e sua largura é sufficiente para que duas chalupas de tres remos possão facilmente navegar uma ao lado da outra. A agua que o enche corre do Nilo entra um pouco antes de Bubastis, e despeja-se no mar Érythréa (mar Vermelho), perto de Patumos, cidade da Arabia. Começando na planicie, o canal dirige-se do occidente para o oriente, e em seguida, passando pelas aberturas das montanhas, dirige-se para o sul, no golfo da Arabia.»

Strabão, descreve com a maxima minudencia a disposição do canal; e este historiador attribue sua execução a Sesostris, que iniciou e realisou a gigantesca obra antes da guerra de Troya, porém, abandonada posteriormente, elle ficou completamente obstruido até que, de novo, Dario ordenou sua abertura, com o fim de conserval-o, tendo também afinal abandonado a empresa «julgando, sem razão, ser o mar Vermelho mais elevado do que o Egypto.»

Em outro lugar diz Strabão: «o canal se lança no mar Vermelho, em Arsinoé (hoje Suez), que outros chamão Cleopatris, e corre em lagos cujas aguas erão amargas, e tornarão-se doces pela communicação com o rio.

«A origem do canal é na aldêa de Phacusa, perto de Philon, na ponta do Delta, a oéste de Bubastis

A opinião de Herodoto parece ter prevalecido; e o facto de ter este historiador viajado pelo Egypto, alguns annos depois da morte de Dario, torna verosimil o que elle nos conta sobre a existencia do canal, mesmo porque, nos nossos tempos, encontrou-se um monumento notavel sobre a margem occidental da bacia dos lagos Amargos que parece ter sido levantado em commemoração a conclusão dos trabalhos do canal.

Antes da construcção do nosso seculo encontrou-se em alguns pontos vestigios de um canal que ia terminar no lago de Mensaleh.

Os historiadores arabes estão todos de accôrdo quanto á reabertura do canal de communicação do Mediterraneo com o mar Vermelho pelo Nilo, e todos attribuem a execução d'este trabalho a Amrouben-Asr que conquistou o Egypto no anno 639 de nossa éra; e acrescentão, que durante cento e vinte e cinco annos, elle foi navegado até que, sob o reinado do califa Abou-Jafar-al-Mansour, foi de novo aterrado por sua ordem.

Eis o que a este respeito diz o historiador Schems Eddin:

«O canal chegava até a cidade de Kobzoum passando perto de Suez, e as aguas do Nilo se despejavão n’este lugar no mar salgado. Os navios carregados de cereaes descião por elle até o golfo Arabico. Omar mandou limpar e abrir este canal que desde esta epocha tomou o nome de canal do Principe dos Fieis. [1] Durante cento e cincoenta annos, até o reinado do califa Abou-Jafar-al-Mansour (no anno 159 da hegira) o canal foi sempre navegavel, porém, este chefe mandou entupir a embocadura do Kolzoum.»

Um outro historiador, Makrisi, é mais explicito na sua narração. «O canal, diz elle, está situado fora da cidade de Fostat e ao occidente do Cairo. Foi cavado por um antigo rei do Egypto a pedido de Khadjar (Agar), mãe de Ismael, quando ella habitava Mecca; com o correr do tempo ficou obstruido, porém foi de novo cavado por ordem dos reis gregos que reinarão no Egypto depois da morte de Alexandre.» Quando o Altíssimo concedeu o islamismo aos homens e que Amrou-ben-el-Asr conquistou o Egypto, por ordem de Omar, Principe dos Fieis, procedeu-se a novos trabalhos no anno da mortalidade. Este general o levou até o mar de Kolzoum, d’onde os navios partião para o Hedjaz, o Yémen e a India. Por elle navegou-se até a epocha em que Mohammed-ben-Abi-Thalob se revoltou na cidade do Propheta (Medina) contra Abou-Jafar-al-Mansour, então califa de Irak.» Este soberano escreveu ao seu tenente-general do Egypto ordenando-lhe entupir o canal de Kolzoum para que os revoltosos não podessem conduzir provisões á Medina. Esta ordem foi executada e toda communicação interrompida com o mar de Kolzoum. As cousas assim permanecerão, no mesmo estado em que hoje as vemos. (839 da hegira, 1435 da éra christã).»

Na verdade, Napoleão Bonaparte o encontrou quasi completamente obstruido, quando foi ao Egypto; e logo após sua chegada, elle encarregou a uma commissão de engenheiros o estudo de um projecto que permitisse a communicação dos dois mares.

Foi o sabio Lepère, o relator da commissão; e na sua memoria que entregou a Bonaparte, apresenta e discute as vantagens do traçado, que partindo de Suez passasse pelo Cairo e em seguida em Alexandria: attentas as considerações commerciaes do Egypto.

Alguns historiadores mal informados, affirmão que Lepère considerava como inexequivel o traçado directo, entretanto, nenhum outro antes d’elle, concebeo com mais facilidade a possibilidade de tão importante obra; se elle deo preferencia ao traçado antigo foi attendendo as considerações econômicas e aos interesses do Egypto. [2]

Desde esta epocha grande numero de memórias e projectos forão apresentados ao Vice-Rei; coube, porém, ao Sr. Ferd. de Lesseps, engenheiro e diplomata da França, a gloria do executar uma das mais uteis e importantes obras do nosso seculo.

Na concessão outhorgada pelo Vice-Rei ao Sr. Lesseps estava prescripta a condição essencial de serem, os accionistas da companhia, subditos ou cidadãos dos differentes paizes civilisados, de modo que este grande melhoramento, que facilitava a navegação do Oriente, fosse realisado pelo concurso de todos os interessados; e assim, garantida a livre navegação do canal, mediante uma retribuição pecuniaria.

Apezar dos obstaculos que a egoista politica ingleza oppunha á execução de tão reclamante necessidade, sem duvida receiando, pela approximação das distancias, a concurrencia das outras marinhas mercantes; soube o Sr. de Lesseps refutar todas as objecções que notaveis engenheiros inglezes apresentavão as bases do seo projecto; — a que deo inteira execução.

Franqueada á todas as bandeiras, a inauguração do canal de Suez marca uma data nova para a navegação com o Oriente. Outr’ora, a navegação para os paizes da Asia era difficil e muito mais longa. Assim, a navegação de Marselha a Hong-Kong pelo canal, apresenta uma differença para menos, de tres mil léguas do que pelo Atlantico, passando pelo cabo da Boa Esperança; e comprehende-se, as vantagens que resultão da economia de tempo e de dinheiro para as praças commerciaes da Europa.

O comprimento do actual canal é approximadamente de trinta leguas; a sua largura é inferior em alguns pontos a do nosso Parahyba, porém permitte a passagem de um grande navio das maiores dimensões.

O Ava seguia serenamente pelo canal, apenas a fraca aragem, vinda dos areiaes da Arabia, lançava sobre a tolda uma fina areia que incommodava-nos algum tanto. Já tinhamos vencido os trinta primeiros kilometros, quando o pratico que guiava nosso navio, tendo observado que os signaes, collocados em toda a extensão do canal, ordenava de acostar o navio, executou a manobra, e alguns minutos depois, um grande paquete inglez da linha da China passava na distancia apenas de alguns metros do estibordo do Ava.

A vista desses immensos areiaes sem vegetação nem vestigios de vida, impressiona profundamente o viajante habituado ao continuo jogo das manifestações da natureza.

De todos os lados a mudez do deserto, nem mesmo se vêm as palmeiras que em outros lugares se encontrão, e que fornecem ao viajante sequioso, uma agua limpida e fresca.

N’estas planuras arenosas, o homem concentra todos os seus pensamentos; parece-lhe que a obra da creação não foi completa, que os germens não bastarão para todos os pontos da terra: elle é forçosamente compellido, pelo influxo poderoso da verdade, a admittir um principio creador, absoluto, e que precedeu o Universo, ainda que sua essencia escape a sua analyse.

O que porém, é incontestável, e fica demonstrado pelos trabalhos geologicos e archeologicos effectuados, é que este immenso deserto serviu, nos tempos primitivos, de leito ás aguas do Oceano.

A natureza das grandes bacias que ahi se encontrão, e a existência dos lagos amargos, são provas evidentes d’esta opinião, hoje geralmente acceita. Durante os trabalhos do canal encontrarão-se despojos do Oceano, cuja origem relativamente recente, nos ensina que esta epocha foi contemporânea á da existência do homem.

A unica vegetação que vê-se nas margens do canal, consiste em pequenas tamareiras de quatro a cinco palmos de altura.

Ao anoitecer o Ava acostou a margem do canal e ahi passamos uma pessima noite, perseguidos constantemente pelos mosquitos que necessariamente se reproduzem com extraordinaria facilidade em rasão das aguas estagnadas que se encontra mui proximas a estas margens.

No dia seguinte, as 5 horas da manhã, o Ava continuou viagem, chegando á tarde d’este mesmo dia á Suez.

O panorama de Suez é relativamente grandioso para quem acaba de navegar pelo canal; e o silvo da locomotiva que parte para o Cairo, causa-nos a mesma sensação que experimenta o nosso patriotismo quando acordado por uma boa medida administrativa. É que na aridez da descrença, ha momentos em que confiamos na impetuosidade do progresso, em sua marcha civilisadora, pela communhão de idéas.

Suez, em outros tempos conhecida pelo nome de Arsinöe, Cléopatrida e finalmente, denominada Soueys pelos Arabes, é o primeiro porto no fundo do mar Vermelho. Sua importância como cidade commercial foi em outros tempos grande, hoje, porém, só os artigos asiaticos, destinados ao consumo egypcio são descarregados no seu porto dos navios mercantes, que assim deixão de pagar a contribuição para passar o canal. Os productos de importação são dirigidos pela estrada de ferro ao Cairo e em seguida á Alexandria.

A população de Suez não excede hoje, de quinze mil habitantes, entretanto com a facil communicação com a capital, esta cidade está em via de prosperidade, já pelo seu importante commercio, já pelo augmento da producção do café arabe, cultura que n’este ultimo tempo lhe tem merecido muita attenção. Os edificios, quer publicos ou particulares, são de pesado aspecto e rustica architectura, apenas um ou outro, habitado por algum europeu, apresenta em suas feições características o typo ligeiro e gracioso dos chalets da Suissa.

Nas cidades do Egypto nota-se uma variedade de typos, dos diversos povos que o habitão ou ahi vêm negociar. Entre outros, assignala-se o filho da Syria pelo seu chapéo nacional pintado de côr preta ou branca com riscas cinzentas; os Arabes do Sinai, miseravelmente trajados com immundos andrajos; os Persas, em cujas cabeças se elevão enormes chapeos de astracan; os negros do Sennaar, os Fellahs, e finalmente, os Turcos, entalados em suas vestes officiaes e de caracter europeu.

As mulheres egypcias vestem-se com elegancia e algumas com ostentoso luxo. A sua camisa é mais ampla que a dos homens, porém um pouco mais curta; uma muito larga calça de estofo de seda de variegadas cores é atada com cordões em roda da cintura e debaixo da camisa.

As grandes damas ricas vestem sobre a camisa o Yelek, veste longa e justa ao corpo, que se abotoa na sua parte anterior, correspondente á que se estende do collo a cintura. O penteado é original e de bom gosto. As madeixas são enroladas em véos de crepe ou de mosseline que formão varias voltas em roda da cabeça apresentando o aspecto de um turbante.

Na volta, assistimos ás tradicionaes danças e ouvimos os cantos das alméas, que são os espectaculos mais procurados pela sociedade egypcia, e consistem em reproduzir com naturalidade as gradações dos sentimentos do amor.

As alméas vestem-se como as outras mulheres egypcias; apenas ornão o collo, a cintura e os cabellos com apparatosas e ricas joias. Suas palpebras são contornadas de negro para dar maior vivacidade aos olhos, a palma das mãos e as orelhas são pintadas com carmim, segundo a usança das mulheres egypcias.

Quando ellas dão começo ao bailado, a expressão dos seus olhos é terno e de doce amor; os requebros do seu corpo são lentos e parecem dominados por preguiçosa volupia; progressivamente ellas exprimem a embriaguez do amor, agitando com frenesi seus membros, volvendo os negros olhos em suas profundas orbitas, como que querendo, voluntariamente, eliminar a faculdade de ver, e concentrar toda a energia de seu ser no gozo de sensuaes deleites.

Uma das figuras mais difficeis do bailado das alméas, para produzir o desejado effeito, consiste na graça e destreza com que ellas envolvem e desenrolão, com um largo véo, seu corpo e de modo a desenhar-lhes os contornos.

Uma orchestra sui generis dirige o bailado em suas differentes phases, e para ajuntar mais alguma harmonia aos originaes acordes dos instrumentos, as alméas quando danção fazem soar castanhetas ou cymbalos.

Os saltimbancos e prestigiadores abundão nas cidades egypcias. Em quasi todas as ruas e praças, encontrão-se ajuntamentos de individuos de ambos os sexos, que assistem com jovialidade a espectaculos deste genero, em que, além dos especuladores, figurão macacos, ursos, serpentes e outros animaes indigenas.

De passagem pelo Cairo assistimos a uma festa interessante pela sua origem. Era uma procissão em commemoração á hygienica operação da circumcisão dos meninos.

Um grande numero de indivíduos accompanhão ao protogonista d’este espectáculo, que contando apenas cinco ou seis annos é mais comparsa do que actor d’este verdadeiro melodrama.

Não é que sejamos contrários a esta antiga usança, mas a ostentação com que revestem a circumcisão, nos parece fóra de proposito e attentatoria á moralidade de uma religião e mesmo dos costumes de qualquer sociedade.

Esta procissão desfila pelas principaes ruas da cidade na seguinte ordem:

Na frente, montado em brioso cavallo, rompe a marcha o circumciso, vestido com roupagens variegadas, e de um valor proporcional á fortuna de seos paes.

Sobre sua cabeça vê-se um turbante de kachimire vermelha, e seos membros são envolvidos em ricos estofos, cortados em amplas e ondulantes fórmas. Seguem-se os músicos em numero de quatro ou cinco, soprando em cornetins e rufando nos tambores, lembrando assim, aos habitantes da cidade, o cumprimento da antiga e preciosa operação imposta pela religião judaica.

Fechava a marcha o util barbeiro, encarregado da operação, as almeas, sempre presentes á todas as festas, e grande numero de mulheres das diversas, condições sociaes.

A etiqueta das mesas egypcias é digna de nota. O chefe de rica familia preside as refeições diarias, tendo a seos lados suas mulheres e filhos, emquanto que as familias menos favorecidas pela fortuna, vivem com frugalidade, e seos membros apenas se reunem na ceia, que é a principal refeição dos egypcios.

A cosinha d’este povo não é das mais despresiveis aos nossos gostos. Consiste em geral de carne de vacca ou carneiro cortada em pequeninos pedaços e ensopados conjunctamente com largas rodellas de cebola e legumes.

Além d’este prato nacional vê-se em suas mesas panelladas de feijão, favas, pepinos, beringellas, preparados com um molho apimentado e adubado com outras especiarias.

O vinho, muito parece-se com o nosso jurupiga de S. Paulo, em cuja preparação apenas empregão uvas, assucar e agua.

Na mesa, ao lado de cada conviva, sempro vê-se tijellas de louça cheias deste liquido a que dão o nome de khoushaf e no qual, muitos deitão algumas gottas de essencia de rosas.

Na mesa dos proletarios, a melancia substitue ao khoushaf, que, pelo seo preço relativamente elevado, não é accessivel á todas as bolsas.

A profissão de barbeiro é muito considerada n’este paiz, pois os fazedores do barbas também accumulão as funcções do medico e do cirurgião.

Suas lojas são muito frequentadas e servem de ponto de reunião aos passeadores, que aproveitão os momentos de ocio para com toda commodidade se fazerem barbear e cortar as unhas das mãos.

Estas lojas apresentão em o seu exterior agradavel e interessante aspecto. As janellas são collocadas entre columnas e enlaçadas nas trabalhosas arcadas de muitas voltas e esculpidas com certa pretenção artistica.

Á entrada d’estes estabelecimentos encontrão-se commodos divans estufados, onde os freguezes preguiçosamente reclinados esperão cada um por sua vez serem servidos.

A pericia dos barbeiros egypcios é sorprehendente; elles barbeão ao mais cabelludo barbaço apenas em alguns instantes, a navalha passa tão rapida sobre a cutis da face que o mais exigente freguez reconhece logo, a superioridade do barbeiro egypcio sobre os nossos. Uma das suas principaes qualidades consiste em arranjar a barba de cada pessoa conforme sua idade, talhe e profissão.

Como medicos os barbeiros d’este paiz receitão ou antes ordenão certos preparados, cuja composição só elles conhecem. Entre outros productos que preparão, é de grande uso uma celebre pomada depilatoria, que tem a propriedade de fazer cahir os pellos logo após a applicação e sem causar dôr nem lesão.

Segundo nos communicou um negociante francez do Cairo, todos os individuos fazem uso d'esta pomada em cuja composição entra a cal viva e o oxydo de arsenico.

No Egypto não se encontrão carros de aluguel para o serviço dos passageiros, o camello substitue os carros de praça e os cavallos de montaria, sendo também, e com especialidade, utilisado para o transporte de cargas.

Este precioso animal, uma vez amestrado, leva vantagem ao cavallo para as longas viagens nos desertos.

O camello facilmente se acostuma, ás fadigas e ás privações de viagem, nos desertos arenosos onde, muitas vezes, o proprio viajante é sequioso e faminto, e obrigado a sujeitar-se a pequenas rações.

Apezar de ter o seu dorso tortuoso, e sua marcha ser pesada e brusca, o camello, quando bem sellado, é tão commodo como o cavallo ou outro animal de sella. São geralmente os Saïs que exercem no Egypto a profissão de camelleiro.

Na ida para o Oriente apenas tivemos em Suez, a demora necessária para o Ava receber combustível, e como este serviço se faz com morosidade n'este porto, podemos passar algumas horas em terra, entretanto, este tempo não foi sufficiente para examinar a cidade, estudar os costumes e os usos dos seus habitantes e formularmos qualquer juiso a respeito; o que fizemos quando de volta do Oriente descemos em Suez e visitamos o Cairo.

O Egypto é sem nenhuma duvida um paiz muito interessante para o viajante que dispõe de tempo; e se Roma ostenta innumeras antiguidades que recorda-nos a todo momento o poder do antigo povo-rei, as virtudes austeras da republica e os costumes libertinos do imperio; o Egypto, com seus obeliscos e suas pyramides, impõe-nos respeito e admiração, pela grandeza dos seus monumentos, que parecem confundir as pretenções das modernas Nações, pela sua ostentação, força e duração.

Hoje, o Cairo, bem como Alexandria, é habitado por grande numero de europeos, e diariamente, esta interessante cidade recebe a visita de muitos estrangeiros. A sua proximidade dos portos do Mediterraneo, com os quaes se communica varias vezes por semana, por meio de muitos paquetes, facilita esta verdadeira excursão á quem se achar na Europa, e, assim, é imperdoável aos toristas que desprezão esta viagem, a falta de gosto para as ruinas do mundo antigo.

 
ADEN
 

Lith, Imperial A. Speltz

JOVEN CRIADO DE ADEN
 


  1. Como dissemos, foi Amrou-ben-Asr que, segundo a tradição arabica, emprehendeu então este trabalho, porém por ordem do califa Omar mais conhecido na historia arabica sob o nome de Principe dos Fieis.
  2. Memoire sur le canal des deux mers, por M. Lepère. — Tomo II.