CAPITULO XI
Aviagem de Hong-Kong á Yokohama é, em geral, incommoda em consequencia do mar estar sempre agitado n'estas paragens, e tambem perigosa, pelos innumeros arrecifes que ahi se achão espalhados, e que são a causa de se contar mensalmente, alguns naufragios nas costas do Japão.
Durante os oito dias, que durou esta ultima parte da nossa longa viagem, tivemos sempre o vento pela prôa do Tanaïs, que apezar de estar carregado até o tombadilho, fluctuava como se fosse uma casca de noz, obdecendo docilmente ao capricho das altaneiras vagas que o fazião dançar em todos os sentidos.
Antes assim, era prova da perfeita impermeabilidade do seu bojo; comtudo, talvez preferissemos que esse navio fosse menos esguio, pois, não raras vezes, os effeitos combinados do langage e do roulis produzia-nos o resultado que teria uma rasteira, passada pelos capoeiras da nossa boa terra.
D’esta ultima parte da viagem, feita a bordo do Tanaïs, só guardaremos lembrança do forte cheiro de alcatrão de que até a sopa se ressentia, e do bello aspecto das costas do Japão, illuminadas durante a noite por numerosos pharóes, o que jà nos mostra o gráo de civilisação d’este povo, que ha poucos annos trucidava os indiscretos viajantes ou interesseiros mercadores que aportavão em seo territorio.
A entrada da bahia Yokohama nada tem de notavel a não ser o aspecto imponente do legendario Fusi-hamá que, como um gigante, se levanta no fundo da bahia, com o seo cimo envolvido na neve o dominando todo territorio japonez.
O Tanaïs chegou a este porto em tres de Outubro pela manhã e apenas aferrou, nos preparamos para descer á terra sem mesmo lembrarmo-nos das formalidades necessarias.
Havia somente alguns minutos que o helice do navio entrava em repouso e entretanto mais de cem pequenas barcas de elevadas prôas rodeavão o vapor, conservando-se a respeitosa distancia, sem duvida esperando a visita dos funccionarios da alfandega e da policia japoneza.
Algum tempo depois, entravão a bordo tres funccionarios japonezes, cujo vestuario e maneiras aguçou seriamente nossa curiosidade. Vestião largas calças e uma mal ageitada jaqueta ou sobrecasaca militar, o que fez-nos perder a esperança de vermos as compridas vestes e os brilhantes sabres de que fallavão todos os vivantes com quem tinhamos conversado. Concluida a visita, o que foi mais uma formalidade do que seria inspecção das cartas do navio, entramos em uma das pequenas barcas, que velozmente nos conduzio á terra.
Verdadeiras canoas governando de voga, como se diz entre nós, ellas deslisão com rapidez sobre as aguas pelo impulso que quatro vigorosos bateleiros, todos de pé, dão aos chatos remos de que fazem uso.
Uma vez em terra cumpria-nos procurar a Egreja e darmos graças ao Altissimo que nos protegeo sobre tantos mares e em tão amargas circumstancias.
Lith, Imperial A. Speltz
A pequena capella catholica acabava de ser reconstruida e acha-se situada em uma das principaes ruas da cidade do Yokohama.
Ao entrarmos, vimos de joelhos muitos homens e mulheres do paiz, quo oravão com o maior recolhimento e fervor, o que nos encheo de jubilo; —pensavamos no sangue de tantos martyres, derramado sobre este mesmo solo em que, dous seculos mais tarde, sem receio de torturas, cada um pratica os actos religiosos da seita que professa.
Satisfeito o nosso dever de bom catholico, sahimos em procura do Grande Hotel de Yokohama que nos informarão a bordo ser o melhor, e onde devião residir os membros da nossa missão scientifica.
Não conhecendo as ruas e não desejando incommodar os transeuntes, julgamos mais acertado entrarmos em um dos pequenos carrinhos que estacionavão a porta da Egreja e pronunciarmos simplesmente a phrase. «Grande Hotel.» Com effeito, o japonez, que fazia o papel que entre nós pertence a algum representante da classe cavallar ou muar, apoderou-se dos varaes do carrinho, e ao trote percorreu a distancia que mediava entre a Egreja e o Hotel.
Na verdade, é interessante ver-se como se prestão commodamente estes pequenos carrinhos, semelhantes aos em que as crianças sahem a passear, para o estrangeiro percorrer as ruas da cidade.
Pintados com vistosas côres e apresentando desenhos curiosos, estes carrinhos são de real utilidade para os habitantes de Yokohama, que mediante um bou, que vale mais ou menos quatrocentos réis da nossa moeda, percorrem toda a extensão da cidade.
O hotel em que residimos, era bem gerido por uma empreza americana, a sua meza era relativamente boa, os aposentos ventilados e espaçosos; quanto ao preço, necessariamente, o viajante que vai ao oriente deve deixar nos bolsos dos hoteleiros alguma cousa de mais por conta das curiosidades que vê e das delicias de que goza; tanto mais, que elle á o melhor interprete, e o mais prudente guia que podemos ter.
Depois do tomarmos um delicioso banho, e de confortarmos nosso estomago, sahimos para vêr a população indigena, e darmos começo as curiosas visitas que tinhamos em mente.
O japonez é agradavel, cortez, sympathico, e de um amor proprio nacional sem limites; assim, na visita que fizemos aos bazares, encontramos a maior delicadeza e probidade da parto dos mercadores japonezes.
Os bazares são verdadeiros musêos, onde o estrangeiro admira toda sorte de productos indigenas, desde o gigantesco vaso de porcellana, até a porcellana chamada casca de ôvo, que é a mais estimada e de um typo todo japonez.
Ahi se encontrão mil objectos de charão, ornamentos de bronze, lindas pinturas sobre sêda, representando formosas e jovens japonezas, vasos de porcellanas do mil fôrmas e desenhos, Emfim, outros muitos objectos que encantão o estrangeiro, e que muito concorrem para augmentar as despezas de uma longa viagem.
É interessante o modo dos japonezes negociarem, e muitas vezes passavamos horas inteiras no interior destes immensos bazares, a perguntarmos o preço de mil objectos, para afinal sahirmos com algumas insignificancias, no valor de alguns bons com esperança do encontrarmos no dia seguinte em um outro bazar, um objecto mais curioso e interessante.
Os japonezes não usão constantemente, como ha alguns annos, os dois immensos sabres que trazem mettidos na banda que lhes cingo a cintura, comtudo, ainda se encontrão, mesmo nas ruas de Yokohama, alguns que parecem verdadeiros cabides de sala de armas: — tal é o numeroso petrecho bellico que carregão.
Em geral, os homens vestem calças muito justas nas pernas e que são occultas por uma larga veste, especie de robe de chambre, munido de grandes mangas de que se servem com vantagem de preferencia aos bolsos; seus pés estão verdadeiramente enluvados de brim de linho, achando-se separado o polegar dos outros dedos, em cujo espaço passa a corda das sandalias, ou dos altos tamancos; verdadeiros cavaletes de tres a quatro pollegadas de altura, e de que fazem constante uso na estação chuvosa.
As jovens japonezas são lindas e meigas, e salvo os olhos, que são um pouco alongados, podemos comparal-as ás bellas brazileiras de côr morena e porte esbelto. O vestuario das mulheres consiste no classico robe de chambre oriental, em geral, de côr viva, porém sem os complicados bordados dos chins. As pessoas de tratamento usão de vestes ricas e de tons originaes, o que dá elevada idea aos estrangeiros sobre o apurado gosto das damas japonezas. Na cintura, cingem um longo cinto de crepe de seda verde ou escarlate cujas pontas atão em forma de laço. É especialmente o cuidado que dedicão aos cabellos e o modo de penteal-os, que dá verdadeira graça e distinção ás damas japonezas. Os altos penteados, de gosto occidental, são ornados com pequenos enfeites de prata ou ouro, segundo as fortunas, representando um punhal, um sabre, um simples grampo ou todo outro objecto, os quaes atravessão os cabellos mostrando apenas suas extremidades.
A limpeza do corpo é um dos cuidados que mais occupa os japonezes de ambos sexos; e em todas as cidades do Japão, encontrão-se casas banhos, cujas portas se distinguem das outras pelas bandeirolas que ahi fluctuão ao vento. No interior, a agua corre continuadamente em grandes tanques onde, conjuntamente, homens, mulheres e crianças fazem suas abluções no estado em que vivião nossos primeiros paes antes do peccado. Este facto nos dá idéa da simplicidade dos costumes japonezes, e nos autorisa a pôr em duvida que este povo participe do peccado do primeiro homem, pois, os banhistas acotovellão-se dentro destes immensos tanques com mais innocencia do que os cysnes nos lagos artificiaes dos nossos jardins. Dias depois da nossa chegada resolvemos visitar a immensa capital tão fallada pelos escriptores que tratão do Japão. Yedo, apenas dista de Nangasaki de alguns kilometros, porém, em 1874, já estava concluida e em trafego uma linha ferrea ligando Yokohama a capital. Assim partimos pela manhã do Yokohama, e duas horas depois entravamos em Yedo.
Á primeira, vista, esta cidade, que segundo dizem conta perto de tres milhões de habitantes, apresenta um aspecto triste e monotono, porém, depois de ter o viajante percorrido as suas ruas principaes, o quarteirão dos antigos Daimios, e os seus templos, reconhece injusta a sua primeira apreciação; tantas curiosidades, tantos usos, que lhe são completamente estranhos, são verdadeiras delicias para um espirito observador e sensivel.
A nossa primeira visita a capital foi em pura perda, tinhamo-nos afastado do nosso programma, queriamos tudo ver e pouco apreciamos; comtudo, vagamos pelas suas intermináveis ruas durante seis longas horas, ora paravamos em frente dos basares, ora entravamos nas casas de banhos, flnalmente, demoramo-nos em uma das mais conhecidas casas de chá, onde, pela primeira vez, apreciamos este rico producto do Japão preparado pelas mãos de bellas japonezas, que apenas contarião quinze ou dezaseis annos de idade.
A casa de chá do Japão não parece-se nem com o café francez nem com a taverna ingleza, comtudo, se ahi não se encontra a infusão de chicoréa nem o clássico roast-beef, o viajante póde saborear o excellente chá e mesmo delicados manjares e outras gulodices, com a vantagem de não ser servido pelo prestimoso garçon que lhe grita aos ouvidos o infallivel versez, fazendo saltar o tampo da cafeteira, ou pelo imperturbavel boy com seus interminaveis yess, e sim por bellas japonezas que sempre sorrindo, levavão vantagem sobre os occidentaes na arte de agradar.
Os tchaa-jias, ou casas de chá, tem uma apparencia fantastica, quando, durante as primeiras horas da noite, se illuminão com lanternas de papel de differentes dimensões e variadas côres, o deixão vêr a meia luz do interior pela transparencia do papel, que substitue os vidros dos largos caixilhos de suas portas e janellas.
No interior, estas casas são divididas em muitos compartimentos, apenas separados por quadros de papel, movendo-se em corrediças, o que permitte de se transformar em alguns instantes, quatro ou seis destas divisões em um extenso salão.
O chão é forrado com delicadas e espessas esteiras, no que os japonezes tem o maior esmero; assim, fomos obrigados com receio do enlamaçal-as, deixar nossos botins á porta; e isto é uso no Japão.
Os bebedores de chá sentão-se sobre os joelhos e fórmão circulo em roda de um brazeiro, emquanto, que jovens japonezas correm pressurosas a offerecer-lhes fumo e cachimbos, cujas fornalhas são menores que o vasio de um dedal. Logo, em seguida, vem o precioso chá, que para bem aprecial-o os japonezes tomão sem assucar e em pequenas taças de fina porcelana casca de ovo. E na verdade, quanto a esta ultima condição estamos de accordo; o bom chá deve ser bebido em finas e transparentes taças.
O leitor não se enganará suppondo por esta discripção, que o Japão é o mais curioso e o mais delicioso paiz do mundo.
Alli não se encontra a indolencia e a perversidade do chim, tudo é animação, alegria, excellente e encantador; o chá, a porcellana, os bellos objectos de charão, a soda, os japonezes e finalmente, até os deoses são risonhos e meiguiceiros.
Os templos de Yedo constituem uma prova do que dissemos; o de Quanou apresenta-se-nos mais semelhante a uma feira do anno bom, do que como lugar de recolhimento e devoção; o que não quer dizer que os japonezes não a tenhão a seu modo.
É no fim de uma rua lateralmente occupada por algumas barracas, onde se achão expostas as curiosidades orientaes, que levantão se os tectos pontudos de um pagode, de alguns andares, de estylo pouco japonez, e onde se venera a Deus Quanou, muito popular no Japão, ainda que seja natural da China.
Depois de atravessarmos um pateo onde abundavão centenares de homens, mulheres e crianças, subimos alguns degráos e penetramos no interior do templo.
Ahi via-se immensas lanternas de papel de mais de 4 metros de altura, suspensas no tecto e tomando quasi toda altura da sala; cobria as paredes um grande numero de quadros representando mesmo algumas figuras profanas, e que encontrarião apropriado lugar nas salas reservadas dos muzeos; entretanto, não sabemos qual a relação entre o assumpto que apresentão estes quadros e os mysterios do Deus Quanou.
Este deus é, na verdade, de um bom humor inalteravel, pois os japonezes o ameação, supplicão, e até, em alguns templos, atirão-lhe bolas de papel, e outros projectis que não o molestão seriamente. E isto fazem com o fim de obterem o que desejão.
Como em alguns templos catholicos, tambem se encontrão milhares de promessas nos templos japonezes, apresentando braços, pernas, navios, espadas, e todo e qualquer outro objecto.
A divindade principal acha-se, geralmente, no centro do templo; é de dimensões colossaes; basta dizermos que poderiamos commodamente sentarmo-nos sobre a unha do seu polegar. A imagem do deus Quanou, com seus cem braços, parece dispôr de meios sufficientes para corresponder ao seu grande numero de devotos, porém a firmeza destes não é das mais inabalaveis, e, apenas sahimos do templo, encontramos folgando e rindo com a maior jovialidade, alguns dos mesmos Quanunistas, que, momentos antes, ameaçavão e interpellavão de um modo verdadeiramente tragico, pobre deus que com os seus cem braços, parecia unicamente pedir esmolas para sustentar, naturalmente, os seus sacerdotes.
Com effeito, o tinir constante das moedas ao cahir em um immenso cofre, annunciava que a colheita seria farta no fim do dia.
Guiados por um japonez, subimos ao ultimo andar do pagode, e depois de uma ascensão difficil, em que, ora arrastavamo-nos sobre as costas, ora faziamo-nos suspender pelo nosso guia, chegamos ao terrasso do templo e d'ahi gosamos da immensa perspectiva que apresenta a cidade de Yedo.
No centro da vasta area edificada, eleva-se o palacio Imperial, em japonez Siro; em roda e occupando uma larga circumferencia, estendem-se os quarteirões dos principes, ou Soto-Siro, finalmente segue-se o Midzi, que abrange mais da metade de Yedo, e que é a parte da cidade occupada pelo commercio e pelas classes menos favorecidas de fortuna.
Todos estes quarteirões ficão na margem direita do Ohogawa ou Grande Rio; na margem opposta encontra-se o Hondjo ou grande arrebalde, onde se achão alguns armazens do Estado e diversos templos.
Em um destes templos, que visitamos em companhia de um jovem japonez, e que pertence a seita dos Sintoistas ou da religião dos avós, vimos um grande numero de bonzos, sacerdotes deste culto. É verdade que ahi se adorão trinta e algumas mil divindades, o que nos dá idéa do pantheismo do Japão, e contão, que muitas vezes, quando os negocios particulares de um japonez, não correm como elle desejara, é motivo sufficiente para mudar sem o menor escrupulo de religião.
Vemos agora, que conhecemos um pouco os costumes e usos dos japonezes, que o christianismo, por sua essencia monotheista, não podia encontrar o apoio das grandes e converter todo este povo pagão.
É, sobre todas, a religião dos Kamis, tambem chamada Sinto, de um caracter todo patriotico, a que mais se oppõe a propaganda christã.
Os sintoistas reconhecem um Ser Supremo porém que é auxiliado em seus trabalhos, na direcção do Universo, por outros deoses, cuja residencia elles fixão nos astros; estes são os deoses naturaes; segue-se immediatamente depois os deoses historicos que tomão o titulo de Kami.
Elles não adorão o Ser Supremo porque julgão-se tão pequeninos que não esperão ser attendidos em suas supplicas; todo o culto é em honra dos deoses naturaes, e os Kamis são os intermediarios para aquelles que dispoem de um poder absoluto sobre a natureza inteira, podem-lhes fazer o bem ou o mal a seu capricho.
O respeito pelos grandes homens está tão enraizado no coração dos japonezes, que quaesquer que sejão suas crenças, publicamente visitão os templos dos Kamis, e prostão-se diante de suas imagens com toda reverencia, e assim pagão com a gratidão, os serviços prestados á patria pelos antigos imperadores e patriotas que forão considerados deoses historicos.
Os sacerdotes desta religião, salvo raras excepções são verdadeiros hypocritas que vivem a expensas dos credulos e dos fanaticos no meio do luxo e da devassidão.
Assim é, que os bonzos fazem acreditar, que os deoses necessitão de toda sorte de objectos indispensaveis a vida, e os credulos japonezes, depoem sobre os degráos dos templos ao cahir do dia, suas offerendas que em geral consistem em peixe, fructas, gulodices assucaradas, etc., e á noite, os bonzos recolhem todas estas provisões que fossem as delicias do seu paladar e do de suas familias. Comtudo, a parte mais instruida da sociedade japoneza não se deixa illudir deste modo tão ridiculo, apenas contribue com uma certa quota para o custeio e manutenção do culto.
O budhismo é, sem duvida, a seita religiosa que conta maior numero de sectarios.
A primeira estatua de Buddha för introduzida no Japão no anno 559, e no fim de dois seculos as tres quartas parte da população do Imperio professavão esta religião; e foi sobre seus sectarios que o christianismo no XVI seculo levou grande vantagem; infelizmente, como vimos, considerações de outra ordem, comprometterão para com o governo do Japão esta propaganda civilisadora.
Quanto a lei de Confucius, apenas encontra adeptos na classe lettrada deste paiz.
Lith, Imperial A. Speltz
BANDOLIM
Segundo um escriptor japonez, eis em que consiste esta seita do Japão que toma o nome de Siouto; e que não é inteiramente semelhante a que os chins professão:
«Nossa doutrina pode-se reduzir em cinco preceitos que se exprimem em outros tantos monosyllabos:
Dsin, viver virtuosamente.
Gi, fazer igual justiça a todos.
Ré, ser amavel e polido.
Tsi, propagar e defender o programma de um bom e sabio governo.
Sim ter uma consciencia pura e um coração justo.
«Não reconhecemos a transmigração das almas; porém acreditamos em uma Alma do mundo, em um Espirito universal, em uma Potencia que existe no espaço, que dá vida a tudo e une as almas ao corpo, como o mar recebe todos os rios e as outras aguas que nelle se despejão.»
«Esta Alma do mundo é o recipiente commum das almas individuaes, que depois de repousarem nos limbos regeneradores, sahem para de novo animarem outros corpos.»
«O que chamamos Ser Supremo, nada mais é, do que este Espirito Universal que possue todas as perfeições e qualidades Divinas.»
«Nós, não fazemos distinção entre o Céo e a natureza, e confundimos nas nossas acções de graças, quando temos necessidade de testemunhar á uma potencia superior nosso reconhecimento pelos dons preciosos que recebemos.»
«Comtudo, alguns dos nossos sectarios admittem um ser intelligente, immaterial, governador e director da Natureza, porém que não é o Creador. Ao contrario, elles pretendem que esta especie de Providencia foi por elle creada. Confundem In e Yo, o Céo e a Terra, um activo e o outro passivo; o primeiro, principio gerador, o outro, principio de corrupção. O Mundo é eterno. Os homens e os animaes forão produzidos pela combinação de In e de Yo com os cinco elementos sublunares.»
«Como não admittimos deoses, não temos templos nem cultos. Nos conformamos com os usos geraes do paiz, para celebrar a memoria dos nossos avós, parentes e amigos, arrebatados de nossas familias pela morte.»
«Como fazem os Sintoistas e os Budhistas, tambem collocamos sobre a mesa funérea, carnes cosidas e preparadas, e queimamos cirios, diante das imagens dos nossos mortos, prestamos-lhes assim, veneração como se vivos fossem ; e para honrar sua memoria, reunimo-nos todos os annos ou todos os mezes em banquetes commemorativos, no qual tomão parte toda a familia. Nesta occasião cada um se apresenta com as suas mais ricas vestes, depois de se purificar durante os tres dias que precedem, por abluções e pelo emprego de perfumes.»
«Não queimamos os nossos mortos: depois de conserva-los em nossas casas durante tres dias, os collocamos em tumulos como se faz na Europa. O esquife, é cheio de aromas que garantem o corpo da putrefacção. E assim que descem os corpos de nossos maiores á seus sepulchros.
«Tambem acreditamos que é permittido o suicidio, quando não encontramos outro meio para evitarmos um fim vergonhoso, e esta acção é considerada heroica e reparadoura dos nossos delictos e tambem do opprobio de cahirmos vivo no poder de um inimigo vencedor.»
Baseando-se sobre estes principios philosophicos, e dispensando o culto externo, esta religião não poderia encontrar adeptos na massa de um povo constituido por individuos de uma instrucção insufficiente para a sua comprehensão.
Hoje se encontra em algumas escolas publicas o retrato de Confucius, que, como sabemos, foi o fundador desta doutrina.
Os Sintoistas forão, em outros tempos, accusados de favorecerem secretamente o christianismo; é que os sectarios desta religião, não compartilhando do fanatismo das outras seitas, tomavão interesse nas discussões amigaveis com os padres de Christo, cujas doutrinas tambem são, por excellencia, liberaes e philosophicas; por isso, foi ordenado pelos Imperadores, que os Sintoistas levantassem templos, e que pelo menos, nelles collocassem um symbolo qualquer de sua religião.
Do que temos dito, conclue-se, que existe actualmente no Japão, a liberdade dos cultos, sendo, porém, os christãos mal vistos pelo governo, não por causa de suas crenças, mas sim por terem sido considerados auxiliares naturaes dos europeus, e por consequencia perigosos á segurança do Estado.
Ainda ha poucos annos elles erão castigados com prisão simples ou pagavão uma multa, felizmente, estes prejuizos tendem a desapparecer sob a influencia benefica do contacto com as nações civilisadas.
É pela influencia da civilisação occidental e pela facilidade com que este povo della diriva melhoramentos para as suas instituições, que em breve constituir-se-ha uma das nações mais civilisadas pelas suas instituições politicas e das mais dignas pelo caracter altivo e cavalleiro de seus filhos.