CAPITULO XII
Aá nos achavamos ha mais de oito dias em Yoko-hama, occupados, entre outros objectos, de estudar esta cidade e a capital, de modo a vermos todas as suas curiosidades, e a colleccionarmos o que mais nos agradasse pela sua originalidade, porém que fosse compativel com o estado da nossa bolsa. Assim passavamos nossos dias, quando propicia occasião se apresentou para conhecermos a alta sociedade japoneza. Acabavamos de receber um immenso involucro de papel com caracteres japonezes e no verso lia-se o nosso endereço escripto em francez:- pressurosos rompemos o lacre e em uma folha de excellente papel hollanda lemos textualmente as seguintes linhas:
Mombusko, Tokio, Nippon le 10 Octobre 1874.
«Monsieur. - Le Ministre de l'Instrution Publique fait ses compliments à Monsieur et prie avoir l'honneur de votre presence à En-riò-Kan, lundi prochain le 12 Octobre à deux heures pour venir faire la compagnie.
Agréez Monsieur mes hautes considerations.[nota 1]
Tanaka Foudjimaro,
Ministre de l'Instruction Publique.
Sem estranharmos o gráo de fertilidade do redactor, sem duvida algum interprete do ministerio, agradecemos aos Kamis e aos Fatocas do Exm. Sr. Ministro da Instrucção Publica, tel-o inspirado a delicada attenção de mimosear a commissão de Venus com uma soirée que promettia ser bella e que, assim, nos proporcionava occasião para observar a alta sociedade do Japão.
As primeiras horas do dia marcado para a recepção do Sr. Foudgimaro, passamos a bordo de um bello navio de guerra encouraçado, da marinha franceza, cujo nome, se não nos enganamos, era Mont Calme.
Pertencia á esquadrilha franceza, que então se achava no Japão; e este navio de construcção moderna, era um dos melhores da marinha franceza. Sua guarnição era numerosa e a officialidade briosa e cavalheiresca.
Era este, o navio chefe da esquadra franceza, que então fazia o serviço dos mares da China e do Japão, o qual pela sua construcção e condições de guerra, distinguia-se de todos os outros que se achavão ancorados no porto de Yoko-hama.
Ao meio dia tomamos o trem de Yedo, onde chegamos um pouco antes das duas horas. Na estação encontramos tres carros que nos esperavão, e que, em alguns minutos, nos conduzio a En-rio-kan, bello edificio de moderna architectura pertencente, segundo nos disserão, ao Estado e onde devia ter lugar a festa offerecida aos membros da Missão pelo Sr. ministro da Instrucção Publica.
Ahi precedidos pelo nosso chefe, o Sr. Jansen, membro do Instituto de França, fomos apresentados a S. Ex., que por sua vez se dignou acreditar-nos perto dos seus collegas do governo.
A joven esposa de S. Ex. fazia com a maior gentileza as honras da festa.
Depois de conversarmos com o Director da Instrucção Publica do Japão, que tambem fôra convidado, dirigimo-nos á sala do banquete, no meio da qual se achava uma extensa mesa coberta com as mais delicadas iguarias francezas, entre as quaes sobresahião os perús, gallinhas e outras peças assadas, todas trufadas, e que, segundo nos disse um joven japonez, addido á commissão, forão preparadas por um cozinheiro do paiz que fôra mandado á Paris aprender sua arte.
O que nos intrigou a principio, foi não vermos cadeiras em roda da mesa, porém, ao convite attencioso que nos dirigião os ministros japonezes de tomarmos os lugares, notamos encostadas ás paredes da sala commodas poltronas.
Apenas nellas recostados, pensavamos nas difficuldades que se nos apresentavão, por termos de repousar, necessariamente, os pratos sobre nossos joelhos, mas a nossa perplexidade durou pouco; numerosos creados vestidos com todo luxo asiatico, collocárão diante de cada conviva um pequeno banco que assim nos tirava do embaraço.
Durante todo o jantar, fomos obsequiados por S. Ex. e seus collegas, que com a mais exquisita delicadeza, derramavão excellentes vinhos nos nossos calices, e ião e vinhão sem cessar, a offerecer-nos novos pratos, sem nos deixar mesmo tempo, para saborear as iguarias que acabavão de nos servir.
O jantar durou uma hora, e apenas findo, S. Ex. nos ponderou as vantagens de um passeio pelo jardim do palacio de En-rio-kan, o que foi acceito pelos convivas com immenso prazer.
Assim, depois de Mme Janssen aceitar o braço de um dos ministros japonezes, o que foi retribuido pela joven esposa do Sr. Foudjimaro, fazendo esta honra a M. Janssen, descemos as escadarias do palacio, e, em grupos, seguimos pelas diversas avenidas do jardim. Largos canteiros traçados com um gosto original, continhão bellas rosas do Japão, que nós chamamos camelias, e outras muitas flôres de delicados perfumes e vistosas côres. Altos vasos de porcellanas, dispostos ao longo das avenidas, sustentavão comados arbustos, com as extremidades de seus pequenos ramos perfeitamente aparados, o que lhes davão a apparencia dos chapéos de sol japonezes.
Aqui, via-se uma pequena ponte construida com bambús unidos ou trançados, alli, um pequeno pavilhão de forma chineza com suas campainhas douradas, e suas pinturas grotescas e coloridas, e em volta desse extenso jardim, pequenos bosquetes, fazião realçar as bellezas do bello quadro, deixando passar entre os ramos de suas arvores, os raios dourados do sol, prestes a desapparecer do horisonte.
Subimos uma pequena collina quando chegamos a extremidade do jardim; alli, novas e esplendidas vistas se apresentarão aos nossos olhos: de um lado o jardim que acabavamos de percorrer, apresentando uma bella paisagem com todos os seus planos bem distinctos; – o musgo que cobria o sólo, as flores dos seus canteiros e as series de arbustos em seus lindos e elegantes vasos, tornavão encantadora esta perspectiva. Do outro lado, viamos a vasta bahia de Yedo, com suas pequenas ilhas, suas fortalezas e coberta pelos graciosos juncos, que fazem a navegação de cabotagem.
Deixamos com pezar este bello lugar e a amavel companhia em que nos achavamos.
Durante a conversação animada que precedeu o jantar, elevava-se sobre todas as vozes a de um dos ministros, cuja physionomia sizuda, offerecia contraste com profundas cicatrises que apresentava o seu rosto, causadas por alguma arma branca; julgavamos ser este individuo algum antigo general, então encarregado dos negocios da guerra, mas enganavamo-nos completamente, porque era o presidente do conselho e tio do Imperador.
Á energia deste personagem e a sua dedicação á causa da civilisação, deve o Japão a paz interior, e a consideração que tem merecido dos homens honestos e liberaes.
Ainda ha pouco tempo foi este personagem atacado nas proximidades de seu palacio, por alguns samourais que tinhão jurado sua morte. Depois de o cutilarem, apesar da rude defesa que elle apresentou, com seu sabre na mão, os samourais deixarão-o por morto na estrada. Durante a noite, com custo, e arrastando-se, elle poude ganhar o seu palacio, onde apenas chegado, mandou chamar a autoridade competente para perseguir e encarcerar os assassinos. De feito, depois forão executadas os principaes cabeças deste attentado.
O Sr. Foudjimaro nos disse, durante o passeio que fizemos no jardim do En-rio-kan, que sentia não ter o Mikado do Brazil representantes no Japão, e que, apesar do seu paiz sahir de uma guerra civil, era com immenso prazer que aceitava a amisade das nações civilisadas do Globo.
Em seguida, ainda conversamos, por intermedio de seu interprete, sobre as vantagens do Brazil importar os ovulos dos bichos de seda, a exemplo do que fazem os europêus.
Mostrou S. Ex. ter acompanhado com cuidado os ultimos acontecimentos que se realisárão no Brazil, especialmente quanto ao que diz respeito ao Paraguay.
Na verdade, quanto as vantagens de termos um encarregado de negocios, que representasse o nosso paiz na China e no Japão, ninguem poderá desconhecer. Muito facilitaria uma navegação regular e directamente, pelo Cabo da Boa Esperança com os paizes do extremo oriente, de modo que certos generos, como o chá, as especiarias e outros objectos de luxo não nos fossem remettidos por intermedio da Inglaterra; o que é em prejuizo dos consumidores.
Porém, o fim principal deveria ser de estudar-se as condições da industria da seda, do fabrico do chá, da porcellana, e sobre todas a questão da immigração chineza.
É esta questão uma das mais serias a resolver para em tempo bem proximo podermos dispensar os braços escravos que tornão-se cada dia mais escassos, em detrimento da nossa lavoura e, por consequencia, da riqueza nacional.
Parecem-nos infundadas as opiniões de muitos dos nossos compatriotas que não confião nas vantagens da introducção dos coolies no Imperio, entretanto, se elles visitassem a parte septentrional da China, especialmente Shangai e suas immediações, não encontrarião nenhuma semelhança nem nos typos, nem nas qualidades, que fazem os homens aptos para o trabalho, entre os habitantes indigenas destas regiões e os malayos que vagão pelas ruas da capital do Imperio e que, pelos seus vicios, só servem para activar a vigilancia da nossa policia.
Os chins ou malayos que aportarão á nossas plagas como emigrantes, soubemos terem sido recrutados nas praias de Macau ou nas costas da China, proximas de Hong-Kong.
Nenhuma vantagem se lhes offerecia; a troco de algumas piastras que se lhes dava, embarcavão sem saberem para onde ião, erão mendigantes, muitos, cobertos de lepra e immundos, que a fome e a miseria os obrigavão irreflectidamente, a dar esse passo. E estes homens invalidados pelas doenças, eivados dos mais degradantes vicios, não podião satisfazer aos desejos do governo do Brazil quando autorisou esta emigração.
Alguns dias depois de nossa chegada ao Japão alguns jornaes do paiz noticiárão, que fôra retido no porto de Nangasaki um navio brasileiro que transportava mais de dous mil coolies, contra a vontade destes, que não tinhão assignado contrato algum diante das autoridades chinezas antes de embarcarem.
Immediatamente tratamos de verificar a noticia, e com effeito, o governo japonez mandara desembarcar os coolies, reter o navio até ulterior deliberação e encarcerar o capitão e a tripolação; porém, a sua bandeira era a da Republica do Perú e felizmente neste ponto a noticia era inexata.
Ao principio, pareceu-nos arbitraria e violenta a deliberação do governo do Japão, porém, quem testemunhar a pouca humanidade com que os estrangeiros tratão os chins e os japonezes quando uma vez sujeitos ao direito da força, não deixará de approvar essas medidas necessarias para a honra da civilisação e em bem dos nossos semelhantes.
As difficuldades que surgirão de todos os lados para contratarem coolies que convenhão aos nossos lavradores, só poderão ser obviadas pela diplomacia, do contrario, estamos convictos, de que o Governo Imperial da China reclamará auxilio das marinhas de guerra estrangeiras para impedir, como elles já disserão, o trafico de seus subditos, que illudidos, e muitas vezes á força, vão povoar os paizes da America.
É, pois, pelas difficuldades que apresenta a contratação dos coolies e não por ser esta emigração de nenhuma utilidade para o Imperio, que julgamos infructuosos quaesquer esforços que se empreguem, sem sermos autorizados ou, pelo menos, sem contarmos com a indifferença do Governo da China.
Já dissemos algumas palavras sobre esta questão em um dos capitulos anteriores, porém, só em um livro, poderá ella ser estudada em todas as suas faces; este não é o nosso fim e não seria sem duvida do gosto dos nossos benevolos leitores.
No dia seguinte ao do banquete do Ministro da Instrucção Publica, recebemos permissão do Governo para vizitar o immenso jardim do Mikado, e, sem mais demora, tomamos o trem de Yedo e em seguida, os carros que encontramos a nossa disposição na estação.
Com velocidade percorremos os quarteirões da parte commercial da cidade, e no fim de uma hora descemos em frente de um largo portão, cuja entrada era guardada pelos soldados do regimento Imperial.
Alêas extensas e bem ornadas cortavão em todas as direcções os parques limitados pelas altas muralhas de verdadeiras fortificações. De todos os lados, vião-se bellos kiosques de charão, de differentes e multiplices fórmas, e em um pequeno outeiro artificial, limitado pela margem de limpido regato, elevava-se o chalet imperial, onde o Imperador em seus passeios descansava e tomava algum alimento. Esta bella construcção, ostentava uma magnificencia indescriptivel. As pequenas salas erão forradas com bellas alcatifas de grande valor, não sómente suas paredes como todo o pavimento. Ahi vião-se esteiras espessas e trançadas com finos fios de palha. Aos lados das portas, achavão-se dispostos com harmonia, curiosos objectos de bronze, que apresentávão, entre outros modelos, grandes cegonhas, artisticamente trabalhadas em épocas remotas. No exterior, o aspecto desta construcção era gracioso e simples, de uma architectura original e que não vimos reproduzido em nenhum outro edificio do Japão.
O gosto que presidio a execução deste jardim, cuja extensão mede alguns kilometros, não parece ter sido de um só homem. Assim é que elle toma diversas formas, já na distribuição dos canteiros, dos lagos artificiaes, dos pequenos regatos, de modo que a vista não se cansa, admirando todas as minudencias que manifestão o esplendor do seu todo!
E se o leitor imaginar, no meio de tantas bellezas, entre as folhagens e as flores, nos tectos dos pequenos kiosques e chalets, centenares de passaros de diversas grandezas e ornadas com bellas plumagens de variegadas cores, poderá apreciar como os japonezes sabem satisfazer as condições da arte, os differentes ornamentos de que dispõem, com uma delicadeza infinita, de modo que o effeito geral não seja sacrificado a bellezas de ordem inferior.
De volta á estação, onde embarcamo-nos no trem para Yoko-hama, os nossos cocheiros tomárão um caminho diverso ao da ida, passando por um dos arrabaldes mais bellos de Yedo.
Toda a estrada é orlada de pequenas casinhas e interessantes jardins, cultivados com esmero, e que offerecem acentuado constraste com o que se vê na parte commercial da cidade, onde toda a área é aproveitada para as edificações em madeiras e de dimensões acanhadas.
Muitas arvores fructiferas, encontrão-se nos arrabaldes da capital, e entre outras, as mais vulgares são os pecegueiros e as ameixieiras.
Em uma destas bellas avenidas, que percorremos, vimos o vasto palacio de um dos mais poderosos principes do Japão, Kagano Kami. Este edificio é todo murado, e dizem que, no seu recinto, existem immensos quarteis que podem receber mais de vinte mil soldados.
Infelizmente, esta vez foi a ultima que visitámos Yedo, e considerações de outra ordem nos forçárão a deixar Yoko-hama e a partir para Kobé, cidade situada no mar interior do Japão e mais conhecida pelo nome de Hiogo. Com effeito, partimos, bordo de um paquete americano de tres andares, para Kobé, onde chegámos em um dos ultimos dias de Outubro.
Hiogo ou Kobé, é uma cidade européa edificada, ainda ha poucos annos, pelos residentes e pelo governo, quanto os edificios do Estado occupados para alfandega, escolas e repartições publicas.
Entre outros edificios bem construidos e de gosto europeu, nota-se o consulado inglez, o Hiogo Hotel e algumas casas de commercio.
O Yankiró ou cidade japoneza, dista de dous a tres kilometros da concessão europea, que estende-se ao longo da praia do porto de Hiogo.
No dia seguinte ao da nossa chegada, percorremos a cavallo toda a cidade japoneza que tem suas ruas bem traçadas e largas e suas edificações bem alinhadas.
Ahi, pela primeira vez vimos os portadores da mala do correio, que fazem este serviço de modo inteiramente grotesco. Elles são sempre acompanhados de um companheiro para substituil-os em caso de accidente ou de doença, que poderia demorar a entrega da correspondencia. Encontrão-se nos arrabaldes de Hiogo alguns destes portadores que carregão dous volumes de cartas e jornaes atados nas extremidades de um bambú; o seu andar é rapido, ou antes, elles correm a passo de balanço e sem parar na distancia de dez ri sendo então substituidos por outros. Este systema postal tem dado bons resultados, pois, segundo nos disse um joven japonez, não ha exemplos de reclamações feitas pelos interessados sobre perdas de cartas ou outro qualquer objecto, confiado ao correio japonez; e quando acontece, a mala demorar mais uma hora por cada dez ri que tem a percorrer, os portadores são punidos severamente.
O ri equivale aproximadamente a mil e duzentas jardas inglezas.
Em Hiogo, vimos grandes pontes de pedra construidas em tempos remotos que nos dá idéa do engenho dos japonezes; assim, é que na construcção das abobadas elles procedião do mesmo modo que os europeus, com a differença, que o trabalho era muito mais moroso, pela deficiencia de meios mecanicos.
O quarteirão dos tchaa-jias é muito frequentado em Hiogo, diante dessas casas que são construidas em roda de uma praça, os japonezes levantão arcos com bambús, e, durante a noite, os enfeitão com immensas lanternas de papel, que illuminão perfeitamente toda a praça, e dão-lhe um aspecto festivo.
Em uma das nossas excursões, entramos em um tchaa-jias que pela sua apparencia e frequencia, parecia ser o mais procurado pelas pessoas principaes de Hiogo.
Era dia de festa, a sala principal da casa de chá estava completamente replecta de passeiadores. Com difficuldades podemos nos accommodar e alli gozamos o curioso espectaculo que apresentava essa reunião de individuos, alguns vestidos á europea, e outros armados com dous sabres, cujos punhos brilhavão entre as dobras das ricas bandas de seda que os sustentavão. Lindas e jovens japonezas, pressurosas corrião aos differentes grupos a offerecer-lhes cachimbos, fumo e chá.
Um dos objectos mais indispensaveis a todo o japonez, qualquer que seja o sexo ou posição, é o tradicional cachimbo cuja fornalha é menor que o fundo de um dedal, sendo o tubo em bronze e muitas vezes trabalhado, com incrustações e ornamentos em ouro ou prata.
Os japonezes trazem este objecto preso á uma pequena bolsa de fumo, que pende-lhe do cinto.
Alguns momentos depois de nossa chegada do tchaa-jias, soubemos que teria lugar aquella noite uma dança tradicional no Japão, e em que tomão parte as jovens japonezas, que chamão a esta especie de jogo de prendas Shirifuri. É algum tanto difficil narrar todos os pormenores do Shirifuri, apenas diremos que as japonezas, ornadas com flores, tendo as costas das mãos coloridas com carmim e vestindo suas mais ricas vestes, dividem-se em dous grupos, e ao mesmo tempo que danção, batem palmas. Alternativamente, ora apresentão a mão fechada, ora voltão a palma para frente, outras vezes ficão com uma das mãos suspensas no ar, emquanto que a outra descansa sobre o quadril; e acompanhão cada um destes accionados com phrases correspondentes, de modo que, se uma dansarina engana-se fazendo um signal com as mãos, que não corresponde á phrase pronunciada, é punida, e como prenda entrega uma peça do seu vestuario.
Recomeção, assim, tantas vezes, complicando as peripecias de mais a mais, de modo que no fim de alguns minutos uma unica fica vencedora entre suas companheiras despojadas de suas vestes. E a que sustenta toda luta, sem mesmo perder sua cinta, é victoriada pelos assistentes, emquanto que as outras com a maior simplicidade se vestem rapidamente e correm a festejar sua companheira.
Nesta festa todos tomão sua parte; os assistentes acompanhão com gargalhada franca todo este complicado jogo; e só quem comprehende a lingua japoneza, é que poderá avaliar o espirito destas phrases, ditas com incrivel vivacidade, e acompanhadas com certos gestos determinados.
Assim reunidas, essas jovens japonezas de 16 a 20 annos de idade, parecem não comprehender a pouca moralidade deste jogo que as obriga a despojarem-se de suas vestes.
Depois do Shirifuri, tivemos uma sessão de physica divertida, dada por dous prestidigitadores, que se achavão em Hiogo de passagem para a populosa cidade de Oosaka. Na falta de theatro naquella cidade, ellas escolherão o tchaa-jias para exhibirem suas pelloticas. Um dos prestidigitadores, era individuo de alguma idade, tendo a parte anterior de sua cabeça raspada e trajava uma larga vestimenta muito folgada em forma de dominó. A sua barba, bem penteada, cahia-lhe sobre o peito o que é raro no Japão, e finalmente o seu aspecto era a de um perfeito magico da antiga tradicção. Executou alguns trabalhos com graça e felicidade, e entre outros nos recordamos da sorte da multificação dos chapéos de sol, e dos passarinhos que ajuntavão seus ovos e os chocavão na mão dos espectadores. Estas sortes são feitas com a mesma pericia pelos homens do officio entre nós, porém, o que nos admirou, bem como a todo o estrangeiro que vai ao Japão, foi o jogo das duas borboletas. Eis em que consiste:
Tomão dois pedacinhos de papel, que torcem em ponto e dão-lhe assim a forma de duas borboletas, lançam-nas ao ar e as mantem suspensas com o auxilio de um leque. Em seguida, mudando a posição do leque, que não cessa de deslocar o ar, dirigem uma das falsas borboletas sobre a outra. Ora ellas volteião juntas no espaço, ora uma corre em direcção opposta á outra, outras vezes ellas lutão no ar, recuando e avançando alternativamente até que a vencida cahe por terra e a outra desapparece por uma porta ou janella da sala.
É necessario uma mão muito exercitada e habil para determinar este ou aquelle effeito, inclinando mais ou menos o leque de modo a aproximar os dous pedaços de papel, afasta-los, elevar a um mais que a outro, faze-los tomar direcções contrarias e facilmente combinar todos estes movimentos apparentemente differentes e todos determinados por um mesmo leque.
O prestidigitador acompanha todos estes movimentos com ditos sem duvida espirituosos, pois provoca hilaridade nos espectadores.
Durante a nossa estada em Hiogo, fizemos uma excursão a cavallo pelas immediações desta cidade. Depois de uma hora de viagem chegamos a um templo consagrado a um deus cujo nome japonez nos esqueceu, porém que em nossa lingua é o Deus do amor.
Este templo é extravagante pelos seus ornamentos e imagens; de um lado, vêm-se cintas japonezas, flores seccas, pequenos cachimbos de bronze e outros muitos objectos de uso profano; do outro, largas fitas de seda encarnadas, um par de velhas sandalias, uma vestimenta completa e um sabre tinto de sangue.
Lith, Imperial A. Speltz
A SESTA
Quanto as imagens, são toscos desenhos sobre seda, e um pequeno quadro, representando uma japoneza ainda joven.
No jardim, que rodeava o velho templo, encontramos algumas aves, das quaes o maior numero consistia em patos e gansos. Quando apeamo-nos dos nossos animaes e os confiamos aos tocadores, especies de pagens que a pé acompanhão as cavalgaduras, vimos um grupo de japonezas, ainda jovens, que nos saudárão com sua costumada delicadeza, e dirigirão-se ao templo.
Ao chegarmos, grande foi nossa admiração, quando as vimos no interior do templo a almoçarem tranquillamente as iguarias preparadas, que trouxerão em caixas de charão. Convidarão-nos a compartilhar do seu almoço, e como recusassemos, uma dellas deu-nos cachimbo e fumo, pedindo-nos que aceitassemos e que delles nos servissemos emquanto comião.
Não houve remedio senão aceitarmos por comprazer o offerecimento; e como um dos nossos pagens entendesse o inglez, ligamos com ellas conversação; e eis, mais ou menos, e salva a redacção, o que ellas nos disserão a respeito do templo do Deus do amor.
«No tempo do Taicúno Yéyeas, disse uma dellas que parecia a mais idosa, um daïmio, amou a mulher de um grande ministro e seu amor foi correspondido. O ministro do Imperador, encontrou um dia o joven cavalleiro aos pés de sua mulher e como fosse seu parente e não querendo infamar o nome de familia, ordenou que elle matasse sua amante e em seguida se suicidasse. O daïmio, comprehendendo então, quanto fôra traidor á amizade e a confiança que nelle depositava seu parente, jurou que se castigaria severamente, porém pedia ao grande ministro para receber sua mulher e perdoar sua falta.»
Compadecido, o ministro ouvio pesaroso esta supplica e perdoou a ambos; porém, o daïmio abandonou a corte do Imperador, visitou todos os lugares onde teve entrevista com sua amante, e ajudado pelos seus servos, mutilou seus membros, separando primeiramente, um braço, depois outro, em seguida uma perna, e assim, no quinto lugar, que foi onde nos achavamos, elle mandou que um dos seus amigos o degolasse.
Então, o Imperador sabendo destes feitos, propoz á seu conselho que fosse este daïmio venerado como kami; e que se levantassem templos onde os japonezes fossem venerar sua memoria.
A nossa curiosidade não satisfeita com a explicação que acabavão-nos de dar sobre a divindade que fazia parte da nossa companhia, e assistia, é verdade que em pintura, a nossa conversação, quiz saber o que representavão aquellas vestes que estavão no templo.
Uma outra japoneza, ainda joven, levantou-se e começou a ler em voz alta a inscripção de um quadro que se achava suspenso na parede do templo, e o nosso interprete traduziu, ainda que mal, as suas phrases.
Em conclusão, o sabre, a velha sandalia e as vestes, pertencião á defuncta divindade, – era o proprio sabre que decepara-lhe a cabeça.
As outras vestes, mais numerosas, erão de novas victimas do amor, tambem immoladas, porém, que não tiverão o heroismo do deus do amor, e por isso, só tinhão expostas as suas vestes, e as suas imagens erão simplesmente pintadas.
Soubemos, por uma dessas jovens, que a familia com quem tratavamos, pertencia á nobresa japoneza, que era de orgulhosos daïmios, e que seu pae fòra massacrado em um encontro entre os patriotas e os Taikúnistas.
Ao despedirmo-nos, fomos ainda rogados de acompanhal-as á sua residencia, que ficava no nosso caminho.
Durante esse curto trajecto, era interessante vêr uma das mais bellas japonezas do grupo, vestida com ricos estofos de sêda e graciosamente sustentando um chapéo de sol, que resguardava o seu rosto dos raios do astro do dia.
Uma outra dama trazia ás costas um seu filho, de uma vivacidade precoce e que apenas contaria dois annos de idade.
Chegamos, afinal, á uma casa de bella apparencia, onde encontramos todos os confortos de que gozão as ricas familias do Japão: o pavimento era coberto com finas esteiras, as paredes douradas, e as salas ornadas com bellos vasos de porcellana, e ricos objectos em bronze.
Formamos de novo o roda, fumamos nos seus cachimbos, e apreciamos deliciosas chavenas de chá, as quaes, cada uma, apenas poderia conter duas colheres do liquido.
Durante uma hora que ahi permanecemos, podemos avaliar a delicadeza, e a mais prudente descripção, que caracterisão o trato da familia japoneza.
Ao despedirmo-nos, estas damas, por intermedio do nosso interprete, nos derão o seu nome, e declararão sentir que seus irmãos não estivessem presentes. Um delles, disserão-nos, estava na marinha do Mikado, o outro em Paris, onde posteriormente o encontramos.
Por sua vez, desejárão saber qual o nosso nome e a nossa nacionalidade, e assim, nos lembrárão um dever; e se já não o tinhamos cumprido, foi por mera distracção e não por falta de consideração a quem tão francamente nos obsequiava.
Já tinhamo-nos esquecido deste encontro, quando, alguns dias depois, no Hiogo-Hotel, nos vierão dizer que duas senhoras japonezas desejavão nos fallar.
Immediatamente deixamos a sociedade dos nossos companheiros, que ficarão intrigados com a visita, e recebemos as damas japonezas no salão do Hotel.
Depois de nos saudar e de se informarem de nossa saude, graciosamente pedirão-nos para ser portador de cartas de familia para seu irmão, que se achava em Paris; e ellas acrecentarão, desejar que com elle ligassemos amizade.
Puzemos todo o nosso prestimo á sua disposição; o que uma dellas agradeceu, offerecendo-nos uma bella facha em crepe de seda como signal de amizade e respeito. Quando ellas se despedirão, ficamos seriamente pesarosos por não comprehendermos a sua lingua, o que tornava indispensavel um interprete, que, em geral, transforma uma conversação em dialogo, reservando a forma para si.
Posteriormente, em Paris, apreciamos as boas qualidades do joven irmão destas damas, o qual exerce actualmente um cargo importante na alta administração do Japão. É o actual governador das provincias do norte do Imperio. Depois de seis annos de estudos, findo os quaes, obteve em Paris o diploma de engenheiro civil, e, posteriormente, o mesmo titulo pela escola de Londres, este joven amigo, que apenas conta vinte e seis annos, presta relevantes serviços a seu paiz, que muito necessita de homens intelligentes e liberaes.
Nos esqueciamos de fallar da celebre orchestra de S. M. o Imperador do Japão, que é muito interessante e merece ser mencionada.
Nada conhecemos que nos faça lembrar a harmonia da musica japoneza, a não ser quando ouvimos algumas crianças choramigar ao mesmo tempo.
A orchestra que tocou em Yedo, por occasião da recepção official da nossa commissão, compunha-se de vinte e nove figuras, algumas porém, parece-nos, que apenas fazião numero; tal era o fraco som que desprendia-se de seus instrumentos.
Alguns musicos servem-se de instrumentos frautados, feitos com bambús, outros, de pequenos timbales de cobre, e finalmente muitos tirão agudos e asperos sons de cordas metallicas tendidas sobre pedaços de madeira.
Apezar de não ser do nosso gosto tal harmonia, cumpre dizer que os musicos do Japão recebem uma certa educação, e o seu repertorio musical é escripto em linguagem apropriada, como acontece entre nós.
Consta-nos que no Japão já existem verdadeiras bandas de musica militares, como as que vemos nos outros paizes, e que a orchestra do Imperador é conservada, apenas por patriotismo do governo, que não quer abolir certas usanças tradiccionaes, uma vez que não compliquem a marcha civilisadora que trilha a actual politica japoneza.
Notas do Wikisource
- ↑ Em tradução livre:
«Senhor. - O Ministro da Instrução Pública faz seus cumprimentos ao Senhor e reza para que tenha a honra de vossa presença em En-riò-Kan, na próxima segunda-feira, 12 de outobro às dez horas para fazer-nos companhia.
Aceite, meu senhor, minhas altas considerações.