CAPITULO XIII

 
Os lutadores do Japão. – Golden Age. – Viagem pelo mar interior. – Um eclipse do Sol. – Pappenberg ou a ilha dos christãos. – A cidade de Nangasaki. – Decimá ou a feitoria hollandeza. – A montanha de Compira. – Um templo tradicional.


Em um dos nossos passeios pelas ruas do Yankiró de Hiogo, fomos attrahidos por um grande numero de japonezes, agglomerados á porta de uma casa.

Resolvemos saber o que era, e como vissemos muitos cabides de armas entre o povo, examinamos furtivamente os nossos revolwers e penetramos na dita casa. Em um pateo interior, um bilheteiro, por meio de signaes, nos fez comprehender que estavamos em um circulo de lutadores; e que dentro de meia hora começaria o espectaculo.

Mediante alguns bous, nos foi permittido o ingresso, e ainda que fossemos o objectivo de todos os olhares, muitos graciosos, e alguns severos e concentrados, especialmente os dos samourais, atravessamos a multidão e tomamos assento no pequeno amphitheatro, no meio do qual devião lutar robustos e vigorosos japonezes, que recebem o tracto dos cavallos de puro sangue.

Do mesmo modo que se preparão os cavallos de puro sangue em Inglaterra, para as corridas do Derby ou do Golden Cup, tambem no Japão se preparão os lutadores, com a differença, porém, que aquelles bellos animaes são cotejados em varios ensaios, para que seus membros ganhem elasticidade e vigor, e estes, fazem exercicios gymnasticos, isoladamente, e fóra das vistas do publico, para que só elles possão julgar da sua força para o momento decisivo; e como pela vida que passão, poucas occasiões se lhes apresentão para pensarem nas afflicções e contrariedades a que está sujeito o homem do trabalho, elles gozão de excellente saúde, e, em geral, são tão nedios que os seus traços desapparecem debaixo da espessa camada de gordura que cobrem todos os seus membros.

Como usão os homens do povo, os lutadores tambem raspão completamente a parte anterior da cabeça e amarrão as pontas dos curtos cabellos que cobrem o occipital. Na luta, apresentão-se apenas com uma especie de tanga muito curta e fortemente apertada na cintura. Eis como elles procedem nos seus combates:

Os lutadores tirão a sorte de modo a lutarem dois a dois. os braços e apertão-se fortemente, tratando cada um pelo geito ou sorpreza, podendo tambem empregar as pernas, de derrubar um ao outro.

Ao espectaculo, a que assistimos, erão dez os lutadores. O vencedor do primeiro par, bateo a quatro adversarios, porém, foi afinal derrubado pelo quinto, que por sua vez foi vencido pelo ultimo; e erão estes tres os vencedores; elles baterão-se de novo, sendo o ultimo, o invencivel, o que foi victoriado com flores e moedas de prata, porém sahio bastante doente em consequencia, segundo nos disserão, da pequena colheita que lhe rendeu a festa.

É para admirar que estes individuos, extraordinariamente gordos, sejão tão ageis e possão realizar tantos movimentos musculares com certa graça e muita destreza. É principalmente quando derrubão os adversarios, impedindo que seus corpos caião bruscamente sobre o sólo, que o publico os applaude com enthusiastico frenesi.

Partimos de Hiogo, depois de alli estarmos quinze dias, para Nangasaki, onde deviamos estabelecer o nosso acampamento, afim de assistirmos a interessante entrevista entre Venus e o Sol; e como este importante phenomeno teria infallivelmente lugar em 9 do seguinte mez de Dezembro, dispunhamos de pouco tempo para preparar-nos convenientemente de modo a tornarmo-nos dignos de um olhar da deusa da formosura.

Habituados a vermos, como os japonezes prestavão homenagem aos seus Kamis e Fotocas, seria imperdoavel qualquer negligencia da nossa parte, á vista destes edificantes exemplos, o que nos acarretaria justa censura por parte dos veneraveis sacerdotes do templo da Sciencia se, irritando a deusa, ella não se dignasse apparecer no momento supremo a nossos olhos.

Porém, não tinhamos perdido o nosso tempo; viajamos pela costa do Japão em procura das credenciaes necessarias para a apresentação, e posto que os japonezes não cuidassem, até aquella época, em levantar templos aos Tres Elementos da Terra, onde com o barometro o thermometro e o psychrometro, os seus bonzos poderião acompanhar as alterações do systema nervoso destes deuses, que muitas vezes se deixão levar pela colera e tornão-se insupportaveis e inconvenientes; comtudo, encontramos um subdito inglez que, já havia alguns annos, fazia diariamente suas adorações a estas divindades.

Consultámos a este pagão, que graciosamente nos mostrou os fastos de sua religião, e por estes annaes se viu que, durante os mezes de Novembro e Dezembro, as divindades em questão mostravão-se pouco accessiveis a qualquer concessão; resolvemos assim, partir para Nangasaki, em busca de devotos mais acreditados perto destas divindades caprichosas, inconstantes, que, como dizemos entre nós, quando se trata de pessoas voluveis, varião mais facilmente do que o tempo ou o vento.

O Golden Age é um grande paquete de pinho, conta tres altos andares, mede cem metros de cumprimento, e traz a bandeira americana.

Não gostamos de viajar nestes navios que se inflammão mais facilmente do que uma barrica alcatroada, porém, a menos de não navegarmos em algum junco chinez ou japonez ou em navio de guerra francez, que só tem commodos para sua numerosa guarnição, não tivemos outro remedio senão embarcarmo-nos no Golden Age, confiados na fortuna porque, na verdade, todos os annos inflamma-se um destes navios, e, alguns, no meio do Oceano Pacifico sem que nem mesmo se tenha noticia.

Entretanto, os camarotes são espaçosos e a bordo encontra-se todas as commodidades possiveis em uma viagem de mar; coloriferos, bons banheiros, regular passadio, e, sobretudo, bons pilotos e officiaes; porém, a par disto, fuma-se nos salões, nos camarotes e até na segunda classe e mesmo, debaixo da coberta, veem-se centenares de chins amontoados como fardos, quasi adormecidos, ou fumando o opio em seus immensos cachimbos.

E a fleugma do joven commandante americano vai a tal ponto que, tendo noticia por um dos passageiros do abuso dos chins fumarem debaixo da coberta, mandou chamar o immediato e depois de communicar o occorrido, accrescentou rindo-se que não desejava que seu navio se queimasse, porque a companhia tinha, havia um mez, perdido um que incendiou-se ao sahir de Hong-Kong, e que tambem era accionista da companhia.

O interesse pecuniario predominava sobre sua responsabilidade moral.

Ao entrarmos no mar interior do Japão, vastos panoramas se desdobravão á nossos olhos; e, na verdade, tinhamos até então, percorrido a parte arenosa do territorio Japonez.

Assim, no littoral, vião-se altos rochedos como que plantados em limpida areia cobrindo largas praias e formando dunas mais ou menos elevadas. No mar interior, porém, destacavão-se altas montanhas com suas encostas cultivadas, pequeninas casas com seus tectos pontudos, e grande numero de barcas transportando passageiros de umas para as outras cidades, ou aldeias, situadas ao longo da costa.

 
Japão
Lit. Imp. A. Speltz.
𝕭𝖆𝖗𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖕𝖆𝖘𝖘𝖊𝖎𝖔 𝖙𝖗𝖎𝖕𝖔𝖑𝖆𝖉𝖆 𝖕𝖔𝖗 𝖒𝖚𝖑𝖍𝖊𝖗𝖊𝖘 𝖏𝖆𝖕𝖔𝖓𝖊𝖟𝖆𝖘
 

Em alguns pontos, observava-se luxuriante vegetação de um verde puro, que se destacava do aspecto abrupto e esteril dos rochedos isolados e de fórmas caprichosas, que orlão toda a costa.

Na vespera da nossa chegada a Nangasaki, ás 4 1/2 horas da tarde, observamos, de bordo do Golden Age, um eclypse do Sol, que era parcial para o Japão. A athmosphera estava pura e transparente e pela primeira vez poderiamos observar as differentes phases deste phenomeno em excellentes condições, se podessemos dispor dos instrumentos necessarios e de installação conveniente.

No dia seguinte pela manhã, avistamos pela prôa do Golden Age, as ilhas Iwosima, que se achão situadas entre os promontorios ou pequenas linguas de terra, que ahi se encontrão em grande numero, muito proximas umas as outras.

Muitos destes promontorios são fortificados e alguns dispoem de excellente artilheria que foi mandada vir dos Estados-Unidos pelo actual governo.

As baterias são dispostas de modo a impossibilitar aos inimigos das vantagens dos tiros de grande alcance; assim, ellas formão planos combinados de modo a attrahir os navios inimigos para as passagens, na apparencia praticaveis, por entre os rochedos que se achão quasi a superficie das aguas.

Vimos muitos militares debruçados sobre as muralhas dos fortes que com interesse acompanhavão a marcha do Golden Age.

As encostas das pequenas montanhas que olhão o lado de terra, são utilisadas pelos quarteis e armazens de munições que pela sua situação são inacessiveis, pois parece de muita temeridade qualquer tentativa de desembarque naquelles pontos da costa.

Antes de entrarmos em Nangasaki encontramo-nos com grande numero de barcos de pesca, com suas próas levantadas e suas velas perpendiculares e feitas com algumas esteiras de pequenas dimensões.

A equipagem compõe-se de seis ou sete Japonezes e duas mulheres, que auxilião os homens nos differentes trabalhos, emquanto que seus filhos se conservão no fundo do barco.

Os pescadores Japonezes apenas cobrem seus corpos com uma cinta ou tanga de estofo cinzento.

A môr parte das barcas trazem pavilhões de diversas cores e formas, que parecem indicar quem os seus proprietarios.

Na parte estreita do porto, passamos perto da famosa ilha de Pappenberg, a Capri do Japão, donde o imperador Yéyas, qual outro Nero – mandava precipitar os christãos depois de amarrarem-lhes os pés ou de abrirem-lhes uma veia importante. Era, assim, que os Neros do Japão mandavão precipitar ao mar os christãos portuguezes e japonezes pelas escarpadas encostas da ilha de Pappenberg.

Apenas o navio americano aferrou, um tiro de peça annunciou aos habitantes de Nangasaki a sua chegada, e, dez minutos depois, entravão a bordo os empregados da policia e da alfandega japoneza, que depois de verificarem os manifestos e as cartas do navio permittirão-nos desembarcar e offerecerão-nos o seu escaler.

Durante alguns minutos que estivemos em companhia de taes funccionarios, notamos a mais exquisita delicadeza e discripção no seu tracto. Elles fallavão perfeitamente o inglez e soffrivelmente o francez.

O porto de Nangasaki tem, aproximadamente, uma legua de comprimento sobre uma milha de largura; a cidade fica no lado direito da entrada, e no fundo do porto elevão-se grandes montanhas, offerecendo uma perspectiva de varios planos, pois, suas encostas são cortadas em largos degráos, sobre os quaes, se cultivão legumes e cereaes. No fundo da cidade, tambem existe uma longa fila de montanhas, das quaes, a mais alta, mede mil e oitocentos pés de altura. Os japonezes dão-lhe o nome de Kawagawa, ou alta montanha.

Muitas baterias, das quaes o maior numero parece em abandono, elevão-se de todos os lados; e, pela sua posição, este porto pode ser considerado um dos mais fortificados do Japão. Na beira do mar, e separado do resto da cidade, notava-se uma especie de ilha, porém ligada por meio de pontes de madeira com a terra firme; é antiga feitoria hollandeza: Decimá, como chamavão os indigenas. Ahi, ainda se encontrão grandes e vastos armazens pertencentes a este commercio, hoje em decadencia, e que em outras épochas erão os depositos dos objectos de importação que a Europa fornecia a todo o Japão.

O lado direito do porto é occupado pelas construcções de uma architectura europea, que são habitadas pelos negociantes estrangeiros residentes em Nangasaki.

Apenas descemos á terra, corremos em busca de um aposento. Fomos felizes, pois, podemos obter o unico quarto que se achava desoccupado no hotel de Nangasaki, em quanto que nossos companheiros, menos previdentes, forão obrigados a recorrerem á hospedaria japoneza. Já era tarde quando chegamos em Nangasaki, de modo que não podemos n'aquelle dia percorrer a cidade e nem mesmo visitarmos a estação dos astronomos americanos, que ahi já se achavão havia quinze dias.

No dia seguinte visitamos o Yankiró de Nangasaki. Esta parte da cidade occupada pelos japonezes, fica em um grande valle que se prolonga em uma extensão superior á quatro milhas.

Os bazares são numerosos, porém, nem a porcellana, nem o charão são da qualidade que vimos em Yedo; sem duvida, são objectos fabricados para a exportação. Apenas encontramos em uma destas casas uma linda salva ou prato em bronze com ricas incrustações em prata e ouro.

Os mercadores japonezes fazem negocio á seu modo, e quando perguntamos o preço deste objecto, um d'elles com fino olhar, e sem mostrar interesse, nos disse, que infelizmente possuia este objecto havia muito tempo, que não encontrava amador, e que, por isso, estava disposto a vendêl-o por menos do valor; e só depois de fumarmos uma duzia de cargas de fumo nos seus delicados cachimbos e de termos sorvidos outras tantas chicaras ou antes colheres de chá, podemos saber do preço da bella peça. Pedia nada menos de quatrocentos bous, que correspondem mais ou menos a duzentos e cincoenta mil réis de nossa moeda.

Naturalmente, a nossa bolsa não podia supportar sem perigo estes continuos attaques, e nos consolamos em apreciarmos o bello relevo e o valor artistico, e, para não contrariar o nosso amavel negociante de curiosidades, fizemos acquisição de uma duzia de delicadas taças de porcellana casca de ovo.

Dias depois, grande foi a nossa sorpresa sabendo que o objecto dos nossos desejos e que nos levou muitas vezes a visitar este bazar; era propriedade de um companheiro, e que apenas lhe custara cincoenta bous, isto é, a oitava parte do que nos exigia o farcista japonez.

Voltamos dias depois a sua casa e ahi vimos uma outra peça, do mesmo modelo e em tudo igual, o que muito nos fez rir, lembrando-nos da raridade tão apregoada pelo vendedor, que desta vez foi mais razoavel, pois nos vendeo por quarenta bous o tal prato, sem duvida para facilitar a venda de um terceiro a quem mais ou menos pagasse, á seo desejo.

Apenas residimos alguns dias no American Hotel e como já tivessemos escolhido lugar conveniente para levantar o nosso acampamento scientifico, não era possivel continuarmos n'esta agradavel vida, só consistindo em passear, mercadejar teteyas japonezas, comer e dormir. Isto seria natural para o viajante que só a curiosidade o levasse ao oriente.

O nosso acampamento foi levantado sobre uma das montanhas situadas no fundo do porto de Nangasaki e denominada Compirá-Hyamá:

Para chegarmos até o cume, galgavamos mais de mil largos degráos, talhados na pedra, sem contar uma pequena viagem de trinta minutos atravez de toda a extensão da cidade.

Esta parte, percorriamos em pequenos carros, cada um puxado por um japonez, que ao trote largo igualava em velocidade a marcha de um cavallo. Chegavamos sempre a nossa residencia extenuados, e só eramos prestaveis para qualquer cousa no fim de meia hora de descanço.

A nossa habitação fòra cedida pelos bonzos do Deus Compirá, e era contigua ao templo; consistia em uma espaçosa sala dividida com os classicos caixilhos de papel em cinco alcovas, sem contar com a sala commum onde faziamos as nossas refeições.

O templo do deus Compirá estava situado sobre a parte mais elevada da montanha, no fim de uma pequena esplanada, limitada em ambos os lados por frondosos bosquetes.

Á entrada, logo que se attingia ao plano, apresentava-se a nossa vista essa alea pittoresca, com seos arcos de pedras, seus tanques d'agua para os devotos fazerem suas abluções; e, no fim, o pequeno templo em forma de chalet que era constantemente visitado, (pelas japonezas especialmente).

O interior do sanctuario era muito acanhado, porem estava decorado com vistosas cores e suas paredes cobertas de promessas e offrendas bem como de muitas imagens de difficil interpretação.

Na parte posterior do templo, via se uma especie de gaiola, isolada, que, segundo dizião os bonzos, era a morada do deus Compird, o protector dos navegantes e que nada mais é senão o deus do tufão representado, sem duvida, por algum Kami ou Fotoca.

Em uma outra elevação, armarão-se as cabanas vindas da Europa e que devião servir para resguardar os nossos bellos instrumentos.

Era interessante vêr se jovens japonezes e japonezas, durante as frequentes visitas ao nosso observatorio.

Admiravão as dimensões das grandes Innetas, cuja utilidade mal comprehendião, miravão-se nos espelhos dos nossos siderostatos, querião tudo vêr, e nos inquirião mostrando grande interesse, sobre a utilidade e muitas vezes sobre o preço dos instrumentos.

Comprehende-se quanto era difficil satisfazer estas perguntas, e então, para contental-os, mostravamos tudo quanto lhes era possivel comprehenderem, porem, procurando sempre entrete-los sobre o conjuncto do que vião, e sobre o fim da nossa missão.

Ahi recebemos a visita do almirante japonez e dos officiaes do seo estado maior, que parecerão interessarem-se pelo que vião e ouvião por intermedio do interprete que o governo japonez pozera á disposição da commissão.