CAPITULO XV

 
Legislação penal do Japão. — Supplicios e penas restrictivas da liberdade. — Penas infamantes. — Differença na execução das penas, segundo a condição do condemnado nobre ou plebêo.


A pratica, ainda que secreta dos actos religiosos das seitas prohibidas no Japão, constituia, ha ainda poucos annos, um delicto punido pelo codigo desse paiz, com pena de prisão e sequestro de bens.

No começo da revolução de 1868, uma facção política, dispondo de alguns recursos, pôz-se ao serviço do Taikúno, com a condição, porém, de ser proclamada a liberdade religiosa no Japão. Como dissemos, o Mikado, que posteriormente aceitou as condições que forão impostas ao Taikúno pelo partido dos patriotas, também respeitou os tratados de commercio e de amizade, feitos com as principaes potências da Europa; e, dessas relações, o governo do actual Imperador soube derivar importantes melhoramentos, tanto de ordem moral como material para seu paiz. Foi, então, que desappareceu a indisposição contra os christãos; e hoje, exceptuados alguns lugares do interior do Imperio, podemos dizer que o christão japonez póde, sem risco de sua liberdade e propriedade, praticar os actos da respectiva religião.

Na época da nossa viagem ao Oriente, ainda erão perseguidos os christãos japonezes, mesmo em algumas cidades do litoral, porém, consta-nos que no começo do corrente annoo governo expedio avisos aos governadores das provincias, pelos quaes sustinha a execução do artigo do codigo penal que castigava com prisão os japonezes que professassem a religião christã.

Como se vê nas monarchias constitucionaes, onde o principio representativo, longe de ser uma verdade, é o elemento o mais servil da vontade imperial, tambem no Japão existe uma especie de poder regio que se faz sentir em todos os actos administrativos.

Comtudo, existem sabias e bem sanccionadas leis que garantem a independencia do poder judiciario.

Os governadores de provincia, os chefes de policia e qualquer outro funccionario da administração japoneza, que proteja, occulte ou dê fuga a um criminoso, é immediatamente punido pelos magistrados, que exigem do governo a demissão.

Do mesmo modo, todo bonzo que consentir em dar sepultura ao corpo de um homem assassinado, ainda mesmo por ordem dos funccionarios publicos, com excepção do magistrado competente, é condemnado á pena de prisão, como se complice fôra do assassinato.

Qualquer autoridade que guardar um objecto, achado sobre a via publica, sem communicar ás autoridades a cujo cargo se achão os bens dos ausentes, é condemnado á pena de prisão e a perda do emprego. Se o culpado do crime, assim previsto, for agente da policia em serviço de ronda diurna ou nocturna, será ligado a um cavallo, conduzido á praça das execuções e decapitado. Comtudo, se o objecto achado fôr de diminuto valor, insufficiente para prover a subsistencia de um homem durante um dia, será o delinquente marcado sua na face e no braço com o ferrete da infamia e em seguida banido da cidade, aldeia ou povoação em que residir.

Toda autoridade policial, qualquer que seja sua categoria, que se entregar aos jogos de azar, quando no exercicio de suas funcções, será deportado para alguma das ilhas que servem de presidio.

Os donos, emprezarios, ou qualquer individuo que tenha banca de jogos de tavolagem em sua casa, tambem será punido com a pena de deportação.

Todo individuo que denunciar as casas de jogos de tavolagem receberá como recompensa dez vezes o valor dos objectos apprehendidos.

Aquelle que, em jogos de azar, tiver ganho, sem lealdade provada, dinheiro aos seus parceiros, será decapitado e sua cabeça exposta no lugar do crime.

Todo o individuo que vender ou comprar clandestinamente, sem licença da autoridade, mulheres já prostituidas ou donzellas, soffrerá a pena de prisão durante cem dias. Se o delinquente for funccionario publico soffrerá a mesma pena além da perda do emprego e multa, que será arbitrada segundo sua fortuna.

ATTENTADOS CONTRA OS COSTUMES
ESTUPRO

Art. 1.º Os paes que encontrarem seus filhos menores ou suas filhas em flagrante delicto de estupro, não terão pela presente legislação, direito de morte sobre elles, mas sim o direito de queixa á autoridade competente.

Art. 2.º Quando a filha menor se deixar seduzir nas vesperas de seu casamento, por outro que não seja seu noivo, incorrerá na pena de morte que poderá ser applicada por este ou seu pae.

§ 1.º No caso do delicto previsto pelo art. 2.º e na falta da execução da pena correspondente, cumpre a autoridade enviar a delinquente a uma casa de prostituição, qualquer que seja a posição de sua familia.

§ 2.º No caso previsto pelo mesmo artigo e dada a hypothese do 1º, quanto ao delinquente, será este condemnado a trazer os cabellos raspados á navalha durante cem dias.

Art. 3.º Todo o individuo, qualquer que seja seu estado ou idade, que incorrer no crime de estupro com qualquer mulher menor, livre de obrigação ou compromisso, será obrigado a sustental-a e a educar seus filhos.

§ 1.º No caso previsto pelo art. 3.°, e se for o seductor casado, a primeira mulher tem direito sobre as outras mulheres e filhos de seus maridos, salvo quando provado ser ella infecunda.

§ 2.º Na hypothese de ser a primeira mulher infecunda, ficalhe o direito de habitar em casa separada da de seu marido e a expensas deste.

Art. 4.º Na impossibilidade de qualquer individuo cumprir seus deveres de esposo, por molestia ou incapacidade moral, provada a pedido de qualquer das suas mulheres, fica a estas a liberdade de conducta; cessando os effeitos legaes dos compromissos que tomarão.

DO INCESTO

Art. 1.º O incesto entre o filho e mulher do pai, entre a filha e o marido da mãi, é punido com a pena de decapitação, sendo as cabeças dos criminosos expostas na praça publica.

Art. 2.º O incesto entre o marido e a mãi da mulher, entre o irmão e a mulher ou filha do irmão, tambem será punido com a pena de decapitação.

§ 1.º Se nestes delictos concorrem circumstancias attenuantes, será a pena reduzida á prisão temporaria.

São circumstancias attenuantes particulares a estes delictos:

1.º A ignorancia do grao de consanguinidade de parentesco.

2.ª O isolamento dos culpados por circumstancia fortuita.

3.ª A impossibilidade de executar-se a pena aos dous criminosos, pela morte ou ausencia fóra do paiz de um delles.

§ 2.º A existencia de molestia que favoreça a intemperança da mulher, tambem constitue attenuante para ambos os culpados.

DO ADULTERIO

Art. 1.º O servidor que seduz a mulher de seu amo, será conduzido á cavallo á praça das execuções; perderá a cabeça, que será exposta ao publico.

Art. 2.º O servidor que fizer por escripto uma declaração de amor á mulher de seu amo, que attentar contra sua honra, soffrerá a pena de decapitação.

Art. 3.º A mulher casada que se deixar seduzir pelo seu servidor, incorrerá na pena do art. 2.º

DA BIGAMIA

Art. 1.º A mulher que vivendo em companhia de seu marido, ou co-habitar na mesma cidade, contrahir segundas nupcias, será decapitada.

Art. 2.º A mulher que contrahir segundas nupcias sem se divorciar de seu primeiro marido, perderá seus cabellos e em seguida entrará na casa de seus pais; sob recusa destes será enviada á uma casa de prostituição.

Art. 3.º A pedido de um dos conjuges, o juiz declarará o divorcio, salvando os direitos que a cada um couber sobre os bens existentes.

DA VIOLENCIA

Art. 1.º Todo bonzo ou padre de qualquer religião, que violentar uma mulher, será decapitado.

§ 1.º A mulher será enclausurada em um convento.

Art. 2.º Quem tentar violar uma mulher, qualquer que seja o seu estado, será deportado, independente das outras penas em que possa incorrer.

Art. 3.º Todo bonzo ou padre que abusando de sua posição seduz uma mulher, a violenta de facto, e incorrerá na pena do art. 1.º

DO RAPTO

Art. 1.º O servidor que raptar a filha de seu amo será decapitado, ainda que queira pelo casamento reparar o mal.

Art. 2.º A mulher que fugir com o servidor de sua familia, será enviada á uma casa de prostituição.

DO SUICIDIO MUTUO PELO AMOR

Art. 1.º Quando dous amantes jurarem morrer juntos e se suicidarem, já, abrindo seus corpos ou por qualquer outro meio, os seus cadaveres serão entregues a justiça.

Art. 2.º Quando os ferimentos de um delles não forem mortaes, e não se effectuar o suicidio de ambos, o que sobreviver sera julgado como assassino do outro.

Art. 3.º Se ambos não morrerem, serão banidos como covardes da cidade em que habitarem.

2.º DO HOMICIDIO E FERIMENTOS
DO HOMICIDIO E FERIMENTOS POR NEGLIGENCIA E SEM INTENÇÃO

Art. 1.º O homicidio por imprudencia não é considerado criminoso.

Art. 2.º O homem do povo que, com premeditação, mata um malvado é condemnado á deportação.

Art. 3.º O senhor que mata seu servidor sem premeditação, é banido de sua casa.

Art. 4.º Qualquer que por imprudencia ferir a outrem com uma arma de fogo, não será deportado, se os parentes do offendido declararem aos Juizes que o ferimento foi involuntario.

Na caso contrario o culpado merece a morte.

Art. 5.º O pae do menino que, por imprudencia, matar um dos seus camaradas é considerado criminoso.

§ 1.º Será, porém, absolvido se o pae da victima interceder pelo culpado.

DO HOMICIDIO, DOS FERIMENTOS, DAS CONTUSÕES PRATICADAS COM ALGUMA INTENÇÃO

Art. 1.º O preceptor que occultar a morte de seu alumno, occasionada pelo máo tratamento ou privação de alimentação, será deportado.

Art. 2.º O homem do povo que ferir ou insultar um soldado sobre a via publica, será deportado.

Art. 3.º O homem de reconhecida maldade que ferir injustamente um homem honesto será deportado e seus bens serão confiscados em proveito do offendido.

Art. 4.º Quando um soldado ferir um homem do povo e fugir, seus parentes serão obrigados a pagarem as despezas occasionadas pela gravidade do delicto, independentemente da pena em que incorrer o delinquente.

Art. 5.º Quando do ferimento resultar a morte o offensor será decapitado, salvo se circumstancias attenuantes concorrerem em seu favor.

DO HOMICIDIO E DOS FERIMENTO: CONSIDERADOS GRANDES CRIMES

Art. 1.º O servidor que matar seu amo por malicia, será ligado sobre um cavallo, conduzido á praça publica e findo o supplicio da serra de bambús, será decapitado.

Art. 2.º O servidor que ferir seu amo com um sabre, será crucificado.

Art. 3.º Aquelle que atirar seu sabre, ou mesmo um pedaco de madeira, sobre seu mestre será decapitado.

Art. 4.º Aquelle que matar o seu antigo mestre será exposto ao publico e em seguida crucificado.

Art. 5.º Aquelle que matar pessoa da familia de seu mestre, será decapitado.

Art. 6.º Aquelle que ferir pessoa da familia de seu mestre soffrerá a mesma pena.

Art. 7.º O parricida voluntario ou quem offender physicamente seu pae, será no primeiro caso crucificado e no segundo decapitado.

Art. 8.º Quando varias pessoas commetterem algum assassinato, quem primeiro ferir será decapitado e os outros deportados.

Art. 9.º Aquelle que matar, com seu carro ou seus cavallos, a outrem, será decapitado, ainda que o crime fosse commettido por imprudencia.

Art. 10. Aquelle que matar seu sogro será decapitado e quem matar sua sogra será deportado.

Art. 11. Aquelle que commetter um assassinato, instigado por outrem, será deportado e o mandante será sem remissão decapitado.

DOS CRIMES DE MOEDA FALSA

Art. 1.º Quem fabricar moeda falsa, papel ou metal, será condemnado á morte, sem direito de appellação e immediatamente executado.

Art. 2.º Quem passar moeda falsa, occultar criminosos deste crime e concorrer para o fabrico, será decapitado.

DO AGGRAVO E DA COMMUTAÇÃO DAS PENAS

Art. 1.º Toda pena augmenta de um gráo na reincidencia do crime e nos seguintes casos:

1.º Com a fuga do criminoso.

2.º Com a falsa deposição no inquerito.

3.º Quando o criminoso ou seu advogado tentarem corromper as testemunhas.

Art. 2.º A pena diminue de um gráo, quando o criminoso entrega-se expontaneamente a prisão.

Art. 3.º A pena de morte é commutada na de deportação, quando o condemnado denuncia um grande criminoso.

As penas capitaes, consideradas na legislação penal do Japão, são: a simples pena de morte ou decapitação pelo sabre, a da cruz, a do fogo, e a decapitação com uma serra feita com bambús, sendo qualquer dellas, na ordem em que as nomeamos, aggravações afflictivas da que precede.

Os executores ou carrascos são individuos marcados como infames, verdadeiros forçados, que em troco do triste encargo que lhes é confiado, diminuem de um gráo o aggravo da pena a que forão condemnados.

Eis como os japonezes executão a pena de morte:

Se o condemnado deve simplesmente ser decapitado, dois ajudantes do carrasco o segurão pelos braços, emquanto que o executor, de um só golpe, decepa-lhe a cabeça pela parte posterior.

No caso de resistencia, o paciente é algemado, deitado por terra e em seguida executado.

A pena da cruz se executa como nos antigos tempos, porém só em algumas provincias, e mesmo tende a desapparecer tão barbara sentença.

Do mesmo modo, o terrivel supplicio da serra de bambús tem sido supprimido em quasi todo o imperio, e esta pena consistia em enterrar o culpado até as espaduas e com uma lasca de bambú serrar-lhe o pescoço. Todo transeunte é obrigado a fazer uma incisão, com o instrumento do supplicio no pescoço do condemnado, e, em geral, só no fim de oito dias é que fallece o paciente depois de horriveis torturas, occasionadas pelas dores da larga chaga que progressivamente se aprofunda, e tambem pela fome.

Antigamente, em, Yedo, os corpos dos suppliciados servião durante alguns dias para os jovens officiaes experimentarem seos sabres.

As penas infamantes impossibilitão qualquer japonez de occupar cargo publico e de fazer parte do exercito ou da marinha.

As principaes são:

A marca. — Especie de pintura chamada Ire-soumi que, em geral, apresenta largas bandas pretas impressas no braço. Outras vezes pintão nos braços ou pernas dos condemnados uma letra ou mesmo palavras.

A exposição na praça publica (sarasou, seccar ao sol), consiste em expôr o individuo culpado, durante um ou mais dias, na praça mais frequentada da cidade, e em ser seu crime annunciado em altas vozes.

A lei japoneza estabelece a igualdade entre todos os cidadãos perante o codigo penal, porém, as penas capitaes, differem pelo modo de execução, segundo que o paciente é nobre ou plebêo.

No primeiro caso, a simples pena de morte é communicada ao paciente, que reune sua familia, veste suas mais ricas vestes, e sentando-se em seguida sobre um lençol branco, abre o seu ventre com o pequeno sabre que nunca o deixa. Alguns, depois de rasgarem o ventre, conservão ainda a necessaria coragem para degolarem-se, e, os que assim fazem, deixão nome como valentes, honrão sua familia e reparão sua falta.

Comtudo, é necessario declararmos que todos estas originaes e barbaras usanças, tendem a desapparecer, e raros casos se contão desses factos, que de algum modo depõem contra os sentimentos humanitarios, e achão-se em perfeita opposição com o caracter ameno e insinuante dos japonezes.

 
Japão
Joven dama japoneza e sua criada
Joven dama japoneza e sua criada
Lit. Imp. A. Speltz.
𝕵𝖔𝖛𝖊𝖓 𝖉𝖆𝖒𝖆 𝖏𝖆𝖕𝖔𝖓𝖊𝖟𝖆 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖈𝖗𝖎𝖆𝖉𝖆.