CAPITULO XVI

 
A industria japoneza. — exercito e a marinha de guerra do Japão. — Um banquete offerecido em Nangasaki, pelo almirante japonez aos membros da commissão franceza da passagem de Venus. — Partida para Shangai.


Xenophonte
, já no seu tempo, observou que as revoluções justificadas pela marcha gloriosa do progresso, arrastão os povos para as conquistas industriaes, activando ao mesmo tempo a seiva então empobrecida, e que necessitava de certos elementos de ordem moral e intellectual.

Essa influencia, cuja acção é perfeitamente conhecida no nosso seculo, fornece resultados negativos todas as vezes que após a reação contra as violencias e arbitrariedades dos governos, não cuidão os vencedores de suster os abusos, as violencias e as arbitrariedades que oppuserão ao poder ou regimen que acabarão de derrubar.

É este o perigo das revoluções que, então, longe de produzirem seus fructos, podem anniquilar as forças vitaes da mais rica das nações.

Porém, se attendermos que estes movimentos politicos, são determinados pela inepcia dos governos, degradação dos partidos predominantes, finalmente, pela corrupção dos costumes no mundo administrativo, é evidente que os elementos moraes e intellectuaes, que faltão no Estado, devem sahir da propria revolução; – verdadeira distillação que separa as substancias mais ricas, das pobres, inuteis ou prejudiciaes.

No Japão, a distillação de 1868, deu pelo menos este resultado.

O partido degenerado dos daïmios, que tentou vender a patria ao estrangeiro; que, imprudente, acceitou as condições onerosas para seu paiz dos primeiros tratados de commercio, desappareceu pela revolução, apezar dos soccorros que lhe fôrão dispensados pelas nações estrangeiras; e, posteriormente, muitos de seus membros, estimulados pelos exemplos de abnegação e de civismo, que diariamente davão os patriotas, souberão esquecer antigos odios, já acceitando cargos publicos, já prestando seu concurso á grande obra civilisadora, realisada pelas reformas liberaes, unindo-se todos, no interesse commum, para fazer respeitar a autonomia politica de seu paiz.

É que a revolução os regenerára expurgando-os de seus erros e tornando-os aptos para auxiliarem a marcha gloriosa da patria, na senda da liberdade e do progresso.

E tal foi o desenvolvimento que apresentou esse paiz, já nas artes, como nas sciencias, que a Inglaterra receiou temerosa, e desistiu de seus ambiciosos projectos, diante das provas de sympatia que os Estados-Unidos, a França e a Russia dispensarão ao regenerado Imperio do Japão.

As producções japonezas forão, então, procuradas pelos europeus e pelos americanos, e, necessariamente, a industria desse paiz recebeu grande impulso e extensão.

Fabricas importantes de porcellana forão creadas em varios pontos do Imperio; a creação dos bichos de seda apresentou um desenvolvimento espantoso, e, hoje centenares de kilogrammas de ovulos do bombix cynthia são annualmente exportados para a Italia e Sul da França, fornecendo a materia prima ás principaes fabricas de tecido de seda da Europa.

Importantes officinas de ferro e aço forão estabelecidas em algumas cidades do littoral, e, sem contestação, a metallurgia do aço, no Japão, fornece productos superiores aos das melhores fabricas da Europa.

Muitas minas de carvão de pedra são actualmente exploradas, e ainda que o systema de exploração não seja dos mais economicos, comtudo, em vista o baixo preço do trabalho operario, a venda do mineral, que é de excellente qualidade, cobre as despezas de extracção e de transporte aos mercados, e deixa um lucro de 17% sobre o capital empregado.

O Estado é o primeiro consummidor deste producto que é explorado administrativamente, o que torna independente do estrangeiro a sua marinha de guerra e de commercio, os arsenaes e as demais officinas publicas.

Muitas pequenas fabricas de comestiveis, de perfumarias e de outros objectos, encontrão-se no Japão, e tal tem sido o seu desenvolvimento, que, em Yokohama, existe uma lithographia munida de cinco prensas que estão constantemente empregadas em imprimir os rotulos e as marcas de commercio dos fabricantes europeus.

O Japão póde dispôr, em caso de guerra, de cincoenta mil soldados de terra, que receberão durante quatro annos instrucção militar de um certo numero de officiaes francezes e inglezes, que forão contratados como instructores, com o consentimento dos governos destas duas nações.

O uniforme do exercito japonez é semelhante ao do exercito francez, o seu armamento é moderno, e seus officiaes fazem estudos regulares das tres armas nas escolas militares. Disciplinados como os antigos soldados de Sparta, valentes como estes, os soldados japonezes impõem certo respeito á China que já experimentou o seu valor, por occasião da expedição á Ilha Formoza, realisada com gloria para os japonezes, sendo a China obrigada a acceitar as imposições que lhe forão feitas.

As indemnisações de guerra, avaliadas em alguns milhares de contos de réis, forão immediatamente pagas pelo governo do Celeste Imperio.

A marinha japoneza dispõe de alguns navios encouraçados, de duas fragatas de madeira e de outros navios menos importantes.

Ao principio, o governo japonez foi victima de especuladores americanos, que lhe venderão navios imprestaveis, incapazes para qualquer acção, porém, actualmente, existe um arsenal bem montado e um pessoal intelligente nas repartições da marinha.

A facilidade com que aprendem qualquer officio militar, e coragem de que dão provas nas occasiões de combate, collocão os japonezes em perfeita opposição com os seus vizinhos, os chins.

Para mostrar como os japonezes são faceis e a grande confiança que depositão em suas pessoas, devemos contar um facto grotesco, que se deu por occasião do governo comprar o primeiro navio a vapor aos americanos.

Depois de receber o navio, o official japonez a quem foi confiado o commando, quiz experimentar sua marcha no porto de Nangasaki. Ordenou, pois, a um japonez, que mal sabia o que era uma machina a vapor, que accendesse as fornalhas e esperasse o signal de partir.

Duas horas depois, as caldeiras fornecião vapor, navio percorria o porto de Nangasaki em todos os sentidos, e, durante algum tempo, manobrou em rapida carreira, ora, voltando em direcção opposta, quando estava prestes a tocar a terra, ora, tentava sahir do porto, mas, á vista do oceano,

O commandante ordenava a manobra de voltar; ao mesmo tempo, quando passava proximo a um vapor americano, que alli achava-se fundeado, um official japonez munido de um portavoz, pedia soccorro, pois o machinista não podia fazer parar a machina. Foi necessario que o machinista do navio estrangeiro se segurasse a um cabo, que lhe foi lançado do navio japonez, e que, depois de ser guindado, decesse até a machina que não obedecia ao improvisado professional japonez.

Este mesmo navio, dias depois, tentou passar por entre os arrecifes que orlão a entrada do porto, e tal foi o sangue frio do seu commandante que, apezar de ser estreito e tortuoso o canal formado por aquelles obstaculos, conseguiu seu intento, sem que o navio soffresse a menor avaria.

Entretanto, no mesmo dia, um navio inglez que aventurou-se penetrar no tal labyrintho, para mostrar que a passagem era practicavel, perdeu-se completamente no meio do dédalo, sendo sua tripolação salva pelo mesmo navio japonez, cujo commandante era o causador involuntario de tal desastre.

Alguns dias depois do da passagem de Venus, fomos convidados pelo almirante japonez, em nome do ministro da marinha, para um banquete offerecido aos membros da commissão, e que teve lugar em um palacete do Estado, antiga residencia dos governadores de Nangasaki.

Depois de percorrermos, nos carrinhos japonezes, toda a cidade em sua maxima extensão, chegamos a um lindo palacete de forma chineza, onde fomos recebidos pelo amavel almirante e pelos officiaes do seu brilhante estado-maior. Alguns momentos depois eramos convidados a penetrar em um rico salão, decorado á europea, e no meio do qual achava-se servida a meza do banquete.

Desta vez podemos chegar as nossas cadeiras á mesa, e, menos preoccupados do que por occasião do festim, dado em Yedo, podemos saborear as bem preparadas iguarias e os velhos vinhos de diversas qualidades, que nos forão offerecidos.

Exceptuados os convidados, officiaes da marinha japoneza e os membros da commissão, nenhuma outra pessoa do sexo feio achava-se na sala do festim.

O serviço era feito pelas jovens e bellas japonezas, trajando suas vestes talares de vistosas côres, as quaes, em numero de vinte, não deixavão por um só instante vasios os muitos copos que se vião alinhados em frente de cada conviva.

Durante duas longas horas, os pratos se succedião sem interrupção, e parece-nos que nenhum hotel do Globo, jámais dispoz de tão longo e variado menu, e como não soubessemos o japonez, fomos obrigados a rendermo-nos á discripção das bellas criadas, comendo de algumas iguarias que nos servião, e deixando intactas as que não nos agradavão, pois, houve um momento, em que não era possivel continuar a lucta; e apezar dos signaes que faziamos ás criadas, forçados fomos a permittir que estacionassem diante de nós por alguns instantes, mais de quarenta pratos servidos com diversas iguarias, que uns após outros e successivamente erão retirados pelas jovens criadas.

No fim do jantar, graças a amabilidade do almirante japonez, a etiqueta foi posta de lado e a conversação tornou-se geral. Alguns convivas fallavão o inglez, outros o japonez, o maior numero o francez; aqui, fallava-se sobre marinha, alli, sobre Venus, que não era mal representada por algumas das bellas criadas, e nós, os membros da commissão, nas difficuldades que apresentarião a nossa volta para o cume do Compira Hyama, depois de tão opiparo jantar.

Comtudo, ao anoitecer despedimo-nos, provavelmente para todo o sempre, do bravo almirante, que estreitou em seus herculeos braços a todos os amantes de Venus, como elle nos chamava, e puzemo-nos á caminho para o nosso acampamento, onde chegámos atrozmente fatigados no fim de duas longas horas.

Em um dos ultimos dias de Dezembro resolvemos partir para Europa, porém, deviamos tomar o paquete em Shangai, cidade muito importante da China, pelo seu commercio e moderna edificação.

Assim, partimos de Nangasaki a bordo do Neva, paquete da companhia do Pacifico; e quando nossos olhos não poderão mais ver as bellas costas do Japão, gotejarão insensivelmente lagrimas de saudade, por este povo altivo, nobre e hospitaleiro, que parece exclusivamente constituido por verdadeiros cavalheiros.

E lá ficou um nome, embora obscuro, gravado em dura rocha, (no monumento levantado pelos japonezes, para commemorar os trabalhos scientificos da commissão de passagem de Venus), que servirá para testemunhar aos vindouros o interesse que o Brazil tomou pelo mais importante facto scientifico do seculo XIX, mandando um de seus filhos á mais longiqua terra do Oriente, para observar a passagem de Venus sobre o Sol.