METÁFORA (figura de linguagem e de estilo, semântica) → RetóricaLinguística

"O desejo de ser diferente, de estar em outra parte"
(Nietzsche)

Etimologicamente, a palavra grega metaphora está ligada ao verbo "ir além de", "transportar". Nas línguas românicas, metáfora é uma figura de linguagem que consiste em transpor o significado de um termo para outro, de campo semântico diferente, em virtude de um processo de comparação ou analogia. Mas a definição e o sentido dessa figura de estilo, sem dúvida, a mais importante da linguagem poética, foi bastante discutida entre os estudiosos. Agrupamos as várias opiniões em duas categorias:

1) A teoria nominal ou substitutiva (concepção retórica da metáfora)

Essa tese está baseada na definição de Aristóteles, conforme aparece na sua Poética:

"A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra,
ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero,
ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia"

Tal afirmação enseja algumas reflexões. Para Aristóteles, o termo "metáfora", que literalmente significa "além da fala" comum ou "transposição", é aplicado a qualquer figura de estilo. Será a Retórica posterior que distinguirá a metáfora da metonímia, da sinédoque e de outros tropos. Esta transposição tem por objeto apenas o "nome", a metáfora sendo considerada uma "figura de palavras": um nome é substituído por outro diferente, que pertence a outra realidade. A substituição do nome pode acontecer ou por desvio ou por empréstimo ou por lacuna lexical ou por semelhança. Explicar a metáfora, então, implicaria apenas e somente em descobrir o termo próprio ausente, substituído pelo termo figurado. A fraqueza dessa teoria, que chamamos de nominal ou substitutiva, reside no fato de que, se o enigma metafórico pode ser resolvido por uma paráfrase que restitua o nome próprio ao anunciado, as duas expressões, a literal e a metafórica, seriam equivalentes e seu conteúdo informacional, portanto, seria nulo. O tropo teria apenas uma função decorativa, sendo uma vestimenta para cobrir a expressão nua do pensamento ou um cosmético para embelezar o discurso. Tal concepção é comum à maioria dos estudiosos que olham a metáfora apenas pelo prisma da retórica, a ciência do "falar bonito", considerando o tropo essencialmente como figura de ornamento e de gozo estético.

2) A teoria contextual ou predicativa (concepção semântica da metáfora)

Esta teoria, mais recente, tenta explicar o mecanismo metafórico deslocando o eixo da transposição do sentido: o centro da compreensão não está no nome, mas no enunciado inteiro, na totalidade do discurso, porque uma palavra isolada não faz sentido. O ponto de apoio da teoria contextual reside na distinção de Émile Benveniste entre "semiótica" e "semântica". A semiótica, entendida como "lingüística da língua", ocupa-se das relações intra e inter signos: os signos remetem a outros signos no mesmo sistema, sem nenhuma relação com o referente extralingüístico. A semântica, que é a "lingüística do discurso", tem por unidade básica a frase e se ocupa da relação dos signos com as coisas denotadas, da língua com o mundo. Para a semântica, não é a soma das palavras, entendidas como unidades lexicais, que constituem a frase, mas é a frase, tomada como unidade contextual, que dá sentido às palavras. Assim, apenas para darmos um exemplo, a palavra "cano", ao nível do léxico ou do dicionário, não tem sentido algum, podendo indicar tanto uma peça de um revólver, quanto um tubo de esgoto, tanto uma falha num encontro ("me deu o cano"), um mau negócio ("entrei pelo cano"), quanto algo relacionado à velhice (canudo, de cabelo "branco"). Daí a verdade da afirmação de que toda significação é sempre contextual. Como diz o grande semioticista francês, A.J. Greimas: "o texto, sempre o texto, fora do texto não tem salvação"! Se, portanto, como esclarece Paul Ricoeur (La métaphore vive), "a semântica do discurso é irreduzível à semiótica das entidades lexicais", uma teoria sobre a produção do sentido metafórico deve ter por base o enunciado todo, pois a metáfora é de natureza "discursiva", estabelecendo uma interação entre os elementos sintagmáticos. Tal interação se efetua segundo o modo predicativo, pelo qual se estabelecem relações entre seres, objetos, idéias, sentimentos, qualidades. Evidentemente, para que a predicação seja metafórica, é preciso que os dois termos homologados no sintagma pertençam a campos semânticos diferentes. Com muito acerto, portanto, Jean Cohen (Estrutura da linguagem poética) define a metáfora como uma "predicação impertinente", pois se juntam no mesmo sintagma palavras de sentido diferente. Tomemos, por exemplo, a metáfora comum, já vulgarizada:

"Minha amada é uma flor"

A frase é constituída pela associação predicativa de duas palavras pertencentes a campos semânticos diferentes: "amada" (mundo humano) e "flor" (mundo vegetal). Trata-se, ao nível denotativo, de uma inverdade, pois a amada do poeta é uma mulher e não uma flor. Daí que Cohen chama tal predicação de "impertinente", quer dizer imprópria, abusiva. Essa impropriedade, construída pela imagem metafórica, tenta romper o isomorfismo da linguagem cotidiana, a lei do paralelismo entre o plano da expressão e o plano do conteúdo, assim como estabelecida pelo lingüista Hjemslev: à homogeneidade formal, exigida pela gramática, deveria corresponder uma homogeneidade de sentido, exigida pela lógica. Isso não acontece porque, no enunciado metafórico, a identificação entre sintagma e paradigma é gratuida, subjetiva, apresentando uma variedade de escolha. Para entendermos a metáfora acima, então, é preciso que o focus "flor" seja isolado do plano de sua significação lexical (espécie de vegetal) e visto no contexto do sistema de conotações que envolvem a palavra flor. Dependendo do contexto fornecido pela moldura, isto é, pelo resto da frase, realiza-se a escolha de uma das conotações possíveis do termo flor, que pode ser "beleza", "frescura", "delicadeza", "perfume" ou outro atributo ideológico ou simbólico. Pode-se, então, formular a seguinte equação:

A Amada: (está à) Beleza :: (como a) Beleza: (está à): Flor

Nessa leitura da equação, o 4º termo é substituído pelo 2º:

Minha amada está à beleza como a beleza está à flor =
Minha amada é bonita como uma flor é bonita =
Minha amada é bonita

Mas o sistema de lugares comuns, pertencente à comunidade dos que falam a mesma língua e coabitam o mesmo espaço geográfico, que forma o repositório dos paradigmas conotativos, serve apenas para a construção e o entendimento da metáfora "de uso". No caso da metáfora "de invenção", devido ao seu alto teor de criatividade, quer o código lingüístico, quer o código conotativo dos lugares comuns, são insuficientes para a formação e a compreensão do tropo verdadeiramente poético. A metáfora de arte literária abarca não só o caráter polissêmico, mas também a estrutura aberta da palavra que, num contexto poético, pode evocar significações novas e inesperadas, até de fundo psicológico. Veja-se este exemplo de metáfora sinestética (associação de sensações), preferida pelo poetas simbolistas:

"Tem cheiro a luz, a manhã nasce...
Oh sonora audição colorida do aroma"
(Alphonsus de Guimarães)

A aurora do dia, desbravando a escuridão das árvores, junto com a luminosidade, traz a sensação do perfume da natureza orvalha. O poeta junta na mesma imagem a sensação da luz, do aroma, da cor e do som. Como releva Paul Ricoeur, "a interpretação metafórica, fazendo surgir uma nova pertinência semântica sobre as ruínas do sentido literal, suscita também uma nova visão referencial". Chegamos, então, à percepção da importância fundamental do mecanismo metafórico: é através dele que a linguagem poética, na medida em que rompe os automatismos lingüísticos, vai renovando constantemente a fala escrita e oral do nosso cotidiano. A metáfora, atuando sobre o sentido das palavras, nos estimula a refletir sobre os códigos ideológicos, que estão por baixo da nossa realidade ética e social.