METAMORFOSE ("transformação": obras literárias de Ovídio, Apuleio e Kafka)
Do grego meta ("além") e morphé ("forma"), o termo indica qualquer "transformação", uma mudança de aspecto ou de estrutura. O processo da alteração de uma forma física ou espiritual pode ser de melhoramento (a divinização de um ser humano) ou de degradação (a transformação de um homem num animal). Na Biologia, a metamorfose dá-se nos animais e nos insetos, no período entre a eliminação de órgãos larvares e a formação de novos órgãos (as asas das formigas, por exemplo). Na Literatura, as principais obras de ficção, cujo tema é a metamorfose, são duas da Época Imperial de Roma e uma do escritor moderno checo-alemão, Franz Kafka.
As Metamorfoses, do poeta elegíaco latino Ovídio, é uma coletânea de poemas em 15 livros, reunindo 250 fábulas sobre as transformações de heróis mitológicos em plantas, animais ou minerais.
As Metamorfeses, do escritor em prosa afro-romano Apuleio, é uma obra de ficção, mais conhecida pelo título "O Asno de Ouro", pois o protagonista Lúcio foi transformado em Burro. Algumas notícias biográficas sobre o autor: Apuleio nasceu em Madaura, colônia romana da África, em 125 d.C. Estudou em Cartago, Atenas e Roma, aprendendo latim e grego e dedicando-se aos estudos de Retórica e Jurisprudência. Teve uma vida acidentada, viajando muito e sofrendo um clamoroso processo, acusado de ter enfeitiçado uma rica viúva. Escreveu várias obras sobre filosofia, magia e retórica, mas o que imortalizou Apuleio foi a obra Metamorfoses. Eis o resumo da fábula: o jovem Lúcio parte de Corinto a caminho da Tessália, levado pelo desejo de conhecer as artes mágicas. Durante a viagem trava amizade com dois companheiros, um dos quais, de nome Aristômenes, conta as façanhas horripilantes da bruxa Méroe. Chegado a Hípata, importante cidade da Tessália, Lúcio hospeda-se na residência do rico mas avarento Milão, para quem leva uma carta de recomendação de seu pai. Milão vive em companhia da esposa Panfília, temida feiticeira, e da bela escrava Fótis. Uma antiga amiga da mãe de Lúcio, a rica matrona Birrena, convida o jovem para jantar, ocasião em que escuta a lúgubre aventura acontecida ao conviva Telifrão. Lúcio torna-se amante da empregada Fótis, na expectativa de que a escrava o auxilie no seu intento de conhecer as artes mágicas praticadas pela patroa. Desejoso de transformar-se em ave, conforme vira Panfília fazer, erra o pote de ungüento mágico e se vê transformado em burro. Lúcio, metamorfoseado em asno, mas possuindo inteligência e sentimentos humanos, é raptado por assaltantes que o levam para o seu reduto numa montanha. Lá escuta uma velha escrava contar a uma jovem prisioneira, de nome Caridade, a fábula de "Amor e → Psiquê". Chega o noivo de Caridade, Tlepólemo, disfarçado de bandido, embebeda os ladrões e salva a moça e o Burro-Lúcio. Este, após gozar da proteção da moça, por algum tempo, acaba caindo nas mãos de uma mulher malvada e de um rapaz cruel. Caluniado por luxúria, é condenado à castração. A desgraça da família de Caridade distrai a atenção dos camponeses, que fogem levando consigo o burro. Atacados por cães numa região hostil, assistem à metamorfose de um homem em dragão, que devora um jovem da comitiva. Chegados em. Beréia, na Macedônia, encontram os cidadãos alvoroçados por um triste fato recentemente acontecido. Lúcio é vendido a uns homossexuais, falsos sacerdotes da deusa síria Atargatis, que utilizam o animal para transportar a estátua da deusa em suas peregrinações. Por duas vezes, o Burro consegue escapar da morte, valendo-se da sua astúcia. Descobertas as sem-vergonhices dos falsos sacerdotes, estes são aprisionados e Lúcio é vendido a um moleiro, que o atrela a mó. Deste lugar de penoso trabalho, o Burro tem o ensejo de ouvir e assistir a três episódios de adultério. Vendido a um pobre hortelão, Lúcio ouve tristes presságios: a desgraça que irá vitimar a família de seu patrão. Um soldado prepotente apossa-se do burro e o leva para outra cidade, onde acontece mais um fato estarrecedor. A serviço de um pasteleiro, Lúcio começa a alimentar-se como um ser humano, apreciando toda espécie de iguarias. Tal fato estranho desperta a curiosidade do seu dono, que começa a exibir as qualidades "humanas" do Burro. Uma senhora decide ter relações sexuais com o asno: Lúcio fica admirado em constatar que a matrona conseguiu receber o seu membro todo e ainda queria mais! Uma mulher criminosa é condenada a ter relações sexuais com o Burro-Lúcio em público, no anfiteatro. O protagonista, para evitar o contato físico com uma mulher celerada, foge e chega a uma praia. A deusa Ísis aparece-lhe em sonho e ensina-lhe o meio para recuperar a forma humana: comer as rosas que seu sacerdote lhe oferecer, no dia seguinte, durante uma procissão em sua honra. Lúcio obedece e o antídoto tem efeito imediato: é despido do aspecto animalesco e recupera a forma de homem. Como agradecimento, Lúcio se dedica ao culto de Ísis. Após vários ritos secretos de iniciação, é consagrado à divindade, adquirindo todo o esplendor de eleito de Ísis. Transfere-se, então, para Roma, onde vive feliz no exercício de suas duas profissões: a de sacerdote e a de advogado.
Como se pode perceber, a obra As Metamorfoses, de Apuleio, é constituída de uma história principal, encaixante ou macrofábula, que é a do protagonista Lúcio, e de várias outras historinhas encaixadas ou microfábulas, das quais a mais famosa é a de "Amor e Psique", apresentada no verbete Psiquê. "O Asno de Ouro", junto com o "Satiricon", de Petrônio, constitui o primeiro núcleo de narrativa picaresca, cujo veio irá trespassar toda a literatura ocidental. Para o estudo da temática dessas duas obras, remetemos ao verbete Roma, onde é estudada a Literatura Latina do Período Imperial, e ao verbete Romance, que contém um pequeno histórico da evolução do gênero narrativo.
Para o estudo da Metamorfose de Franz Kafka, ver Fantástico e Kafka