NELSON Rodrigues (dramaturgo brasileiro)
Nélson Falcão Rodrigues (1912–1980) nasceu no Recife, mas viveu no Rio de Janeiro. Em 1943, quando a companhia do Rio de Janeiro "Os Comediantes", magistralmente dirigida pelo polonês Ziembinski, encenou pela primeira vez a peça Vestido de noiva, iniciava o moderno teatro brasileiro. O teatro anterior a Nélson Rodrigues era feito de dramalhões românticos ou de surradas comédias de costume. Pela primeira vez se assiste no palco brasileiro a um espetáculo diferente, composto de múltiplos planos: aos três níveis das ações da peça rodrigueana, realidade, memória e alucinação, correspondem três cenários sobrepostos. A personagem principal, Alaíde, sofre um acidente de automóvel e é levada para um hospital em ambulância. Neste acontecimento, que se dá no plano "real", são inseridos outros episódios que pertencem aos planos da alucinação e da memória. Alaíde, antes de morrer, num devaneio, procura Madame Clessi, famosa cocote, em 1905 assassinada por um adolescente apaixonado. O diário íntimo da prostituta Clessi fascina Alaíde, que passa a identificar-se com ela. Seu subconsciente, libertado pela presença iminente da morte, evidencia seu sentimento de culpa por ter roubado o noivo da irmã. De outro lado, a projeção de cenas de amor entre o marido Pedro e a irmã Lúcia, no plano da alucinação, sugere que o acidente de carro tenha sido provocado pelo marido, ainda apaixonado pela cunhada, sua antiga namorada. Esta suposição é reforçada pelo sentimento de remorso de Lúcia que, após a morte da irmã, recusa a corte do cunhado. Mas, no final da peça, outra vez no plano da "realidade", efetua-se o casamento de Lúcia e de Pedro.
As obsessões de Nélson Rodrigues por paixões incestuosas, estupros, prostituição, traições familiares, mortes violentas, virgindade, estão presentes em toda a sua obra teatral. Em Album de família, pais, filhos e cunhados têm relações sexuais endócrinas, quase que o mundo restringindo-se apenas aos elementos de uma única família. Zulmira, em A falecida, sonha com um enterro luxuoso, mas o marido gasta o dinheiro do amante da esposa em apostas. Em Perdoa-me por me traíres, o tio Raul ama a sobrinha Glorinha da mesma forma que amara a mãe dela, Judite, e planeja matar a mocinha como matara sua mãe, ao descobrir que também ela começara a prostituir-se. Com Viúva, porém honesta, chega-se ao cúmulo do absurdo psicológico: a devassa Ivonete, na noite do seu casamento, dorme com todos os homens presentes à festa com exceção do esposo; mas, quando este morre, ela devota fidelidade à sua memória, pois, segundo sua filosofia de vida, marido vivo pode ser traído, mas morto nunca! Os sete gatinhos é outra aberração moral: o pai Noronha induz à prostituição quatro filhas para que a caçula possa casar de véu e grinalda; mas, quando percebe que também a última filha perdera a virgindade, assume definitivamente a profissão de explorador de lenocínio de todas as filhas, que acabam assassinando o próprio pai. Com O beijo no asfalto, Nélson Rodrigues ataca violentamente a imprensa carioca, acusando-a de deturpar os fatos: um homem sofre um acidente de automóvel e, antes de morrer, recebe um beijo de outro homem, Arandir, que tentara acudi-lo. A partir deste fato insólito, um repórter, que assistira à cena do beijo na boca, inventa uma história sensacionalista de homossexualismo, que acaba com a morte de Arandir, assassinado pelo sogro, que sentia ciúmes da própria filha. Bonitinha, mas ordinária apresenta, enfim, um vislumbre de idealismo: o jovem Edgar prefere ficar com a prostituta Ritinha em lugar de casar-se com a rica Maria Cecília, que se deixara possuir por um bando de negros. Em Toda a nudez será castigada, Geni deixa o prostíbulo para conviver com Herculano, um viúvo que até então se mantivera fiel à memória da esposa. Mas o filho Serginho torna-se amante da nova mulher do pai para vingar a mãe morta. Geni, ao descobrir a verdadeira intenção do rapaz, acaba suicidando-se.
Que dizer dessa dramaturgia, toda ela voltada para a descrição de aberrações sexuais e de suas trágicas conseqüências? Para alguns críticos, trata-se de um sub-teatro, pois é evidente a apelação à grande massa do público, que encontra prazer em ver representados no palco os desejos inconfessáveis do seu subconsciente. O sentimento edipiano, as anomalias psíquicas, as cenas violentas de sexo e de morte não deixam de ter seu fascínio para uma ampla camada de espectadores ou de leitores. Mas, e a arte dramática, onde ela fica? Além da perfeita estrutura de algumas peças, o grande mérito de Nélson Rodrigues reside principalmente na renovação da linguagem teatral. A fala de suas personagens é límpida, colhida nas fontes populares de bairros, de bares, de estádios, sem rodeios e sem retórica, direta e telegráfica. Mesmo suas metáforas, as mais irreverentes, são transparentes, facilmente assimiláveis, a ponto de tornar-se rapidamente patrimônio da linguagem comum. Além da citada em epígrafe, outras expressões suas se tornaram famosas por denunciarem o conformismo político, ético e estético: "todo óbvio é ululante", "Deus me livre de ser inteligente", "o gênio é impróprio para qualquer ambiente, seja sarau ou velório, boteco ou farmácia".
Enfim, o Teatro de Nélson Rodrigues é mais populista do que moralista, pois a catarse que pretenderia estimular nos espectadores pela representação de vergonhosas taras hereditárias fica prejudicada pelo determinismo psicológico de suas personagens, ainda herança da concepção naturalista da existência humana, que anula o poder do livre-arbítrio. A própria repetição da mesma temática em várias peças acusa o caráter popular da sua dramaturgia. E ele tem consciência disso quando escreve: "para se fazer entender, você precisa repetir uma mesma idéia até cansar. Por mais óbvia que seja". Nelson Rodrigues adquiriu grande popularidade pela adaptação das suas melhores peças para o cinema e a televisão.