Brinde a minha filha
Hoje é o dia do teu primeiro anniversario, querida filha.
És pequenina de mais, tens o espirito ainda cerrado á comprehensão exterior das cousas, para poderes penetrar o jubilo immenso de que devo estar saturado por esse acontecimento, sobre a vastidão d’esta valente arteria amazonica, ao tempo que as perspectivas das verdes paizagens apraziveis se vão succedendo gradativamente, n’uma suavidade que deslisa tranquilla a meus olhos enlevados nas florituras das folhagens ramalhudas.
Entretanto, devo escrever estas linhas que, no futuro, destinarei a teus olhos e a tua alma, — sobretudo á tua alma, querido amor! Intima força propelle-me a esta communicação silenciosa dos nossos dois espiritos, — o meu ainda novo, porém já prestes a declinar para as florescencias da edade madura e o teu velado ainda á vida do espirito, aos sentimentos santos, pequenino botão de bogary transcendental, que nem sequer pensa em desabotoar as cerradas corollas aos largos folguedos d’uma existencia feliz!
E porque não falar-te hoje?
Quem sabe o que o dia de amanhã, — soturno cairel dos arcanos do tempo, — não guarda para nós envolto nas iriadas roupagens do futuro?
A distancia que entre nós presentemente existe não é motivo bastante forte para recusar-me ao desejo de escrever estas palavras simples, destinadas á perfeita simplicidade do teu espirito.... d’aqui a meia duzia d’annos, quando estejas no caso de entendel-as, meu amôr.
Nem tu sabes que multidão de alegres pensamentos vaga-me no cerebro, hoje que um anno se completa que pela vez primeira te vi, rosada e pequenina, quasi imperceptivel átomo-flôr d’ uma existencia tão almejada e bemdita pelo meu espirito milhares de vezes rejubilado!
Como estuava-me o coração, alargado em seus ambitos pelo prazer, todo aberto ás santas paixões amoraveis de quem começa a gosar as grandes, as mellifluas, as inebriantes sensações vitaes da paternidade! Com que ternura immensa não te fitavam meus olhos, rasos d’agua, abertos como n’um sorriso, revendo a tua pequenina imagem atravez da nervosa palpitação imperceptivel dos cílios orvalhados das puras lágrymas do contentamento!
Um mundo de pensamentos risonhos e transcendentaes produzia-se-me no espirito, em luzida cohorte de festivas alegrias benéficas. Sentia-me pequeno demais para creal-os, bastante insignificante para soletrar tramando de emoção todo aquelle mirífico alphabeto enorme da mais santa das paixões.
Era a completa alegria que manifestava-se d’ess’arte em minha alma, porque pela primeira vez te via deante de mim, envolta em candidas faixas, ao collo de tua mãe, que desabrochava o rosto n’um sorriso meio doloroso e quasi todo espiritualisado já, como n’um altar immaculado, erguido á tua innocencia pela ternura da Mulher que te deu á luz, regenerada da culpa da especie pelo immanente martyrio da maternidade!
Hoje, que taes factos completam um anno, dia a dia, os mesmos sentimentos revoam-me festivos pelo espirito, com egual força de vitalidade.
Inscrevo-os n’esta folha, registro-os em tua alma, ó flôr, para offerecer-t’os como presente d’annos em penhor do largo affecto de teu pae, emquanto, separado de ti por grande distancia, levanto á sorte mil votos pela tua felicidade futura, por tua existencia, por tua saude, pela tua angelica pureza de donzella e pela tua inquebrantavel virtude de esposa.
É bem possivel que não mais exista o auctor d’estas linhas e da tua existencia quando possas lêr as palavras aqui traçadas.
Não importa! Servirão para lembrar-te que possuiste um pae amorosíssimo, que teve para ti os pensamentos todos da sua vida e, por certo, ainda mesmo o pensamento final da hora derradeira!
Rio Madeira, abril.