Um dia pareceu à mãe que a filha andava nervosa. Interrogou-a e apenas descobriu que Flora padecia de vertigens e esquecimentos. Foi justamente um dia em que Aires lá apareceu de visita, com recados de Natividade. A mãe falou-lhe primeiro e confiou-lhe os seus sustos. Pediu-lhe que a interrogasse também. Aires fez de médico, e, quando a moça apareceu e a mãe os deixou na sala, cuidou de a interrogar cautelosamente.
Vão propósito, porque ela mesma iniciou a conversação, queixando-se de dor de cabeça. Aires observou que dor de cabeça era moléstia de moça bonita, e, tendo confessado que este dito era banal, descobriu-lhe o motivo. Não queria perder a ocasião de lhe dizer o que toda a gente sabia e dizia, não só aqui, como em Petrópolis.
— Por que não vai a Petrópolis? concluiu.
— Espero fazer outra viagem mais longa, muito longa...
— Para o outro mundo, aposto?
— Acertou.
— Já tem bilhete de passagem?
— Comprarei no dia do embarque.
— Talvez não ache. Há grande concorrência para aquelas paragens; melhor é comprar antes, e, se quer, eu me encarrego disso; comprarei outro para mim, e iremos juntos. A travessia, quando não há conhecidos, deve ser fastidiosa; às vezes, os próprios conhecidos aborrecem, como sucede neste mundo. As saudades da vida é que são agradáveis. A gente de bordo é vulgar, mas o comandante impõe confiança. Não abre a boca, dá as suas ordens por gestos, e não consta que haja naufragado.
— O senhor está caçoando comigo; eu creio até que estou com febre.
— Deixe ver.
Flora estendeu-lhe o pulso; ele, com ar profundo:
— Está; febre de quarenta e sete graus, a mão está ardendo, mas isto mesmo prova que não é nada, porque aquelas viagens fazem-se com as mãos frias. Há de ser constipação, fale a sua mãe.
— Mamãe não cura.
— Pode curar, há remédios caseiros; em todo caso, peça-lhe, e ela pode mandar chamar um médico.
— Médico dá tisanas, e eu não gosto de tisanas.
— Nem eu, mas tolero-as. Por que não experimenta a homeopatia, que não tem gosto, como a alopatia?
— Qual é a que lhe parece melhor?
— A melhor? Só Deus é grande.
Flora sorriu, de um sorriso pálido, e o conselheiro percebeu algo que não era tristeza de passagem ou de criança. Novamente lhe falou de Petrópolis, mas não insistiu. Petrópolis era a agravação do momento atual.
— Petrópolis tem o mal das chuvas, continuou. Eu, se fosse a senhora, saía desta casa e desta rua; vá para outro bairro, casa amiga, com sua mãe ou sem ela...
— Para onde? perguntou Flora ansiosa.
E ficou a olhar, esperando. Não tinha casa amiga, ou não se lembrava, e queria que ele mesmo escolhesse alguma, onde quer que fosse, e quanto mais longe, melhor. Foi o que ele leu nos olhos parados. É ler muito, mas os bons diplomatas guardam o talento de saber tudo o que lhes diz um rosto calado, e até o contrário. Aires fora diplomata excelente, apesar da aventura de Caracas, se não é que essa mesma lhe aguçou a vocação de descobrir e encobrir. Toda a diplomacia está nestes dois verbos parentes.