X CAPITULO
par delá le bien et de mal.»
Nietzche.
Havia dous dias que Ladice esperava Theophilo. O minimo ruido, o bonde que parava, o toque da campainha, passos no jardim, eram o sufficiente para que seu coração pulsasse com maior vigor, para que ella toda extremecesse, exclamando, repassada de alegria: "E´ elle !"
Ella trazia Theophilo dentro do espirito, como a gente traz os tendões, as visceras dentro da pelle...
Longe delle, ella se sentia o fragmento de uma vida.
Meu Deus! o destino a deixára sorver algumas gotas saborosas do prazer incisivo... Ella se abeirava dessa estrada cortada na luz e no azul, cheia de crystaes, de iris, de flammulas, de rubores, de irradiações... Ella queria beber, desalterar-se em essa corrente que lhe passava á altura dos labios; queria mergulhar o corpo em esse inebriamento de vida, de imaginação, de sentimento...
Ladice caminhava para a felicidade com o ardor, a violencia, o enthusiasmo, a bravura das fanfarras.
Era meio dia: o céo abarcava a terra, febril, selvagem, cubiçoso: o sol despira a majestade, a dignidade de astro rei, e entretinha amores brejeiros, qual amante voluvel e instavel; o arvoredo, enfraquceido, delirava; o ar, langoroso, cálido, passava como um suspiro de volupia. Golphadas dessas brisas impregnadas de rosas, de musicas, de sementes fecundas, esvoaçavam ao redor de Ladice como se ella fôra a effigie de Flora, a dadivosa; ella não as sentia, não as percebia: a sua attenção, as correntes de seus centros nervosos, o seu coração, a sua ideia, estavam ligados, assenhoreados, presos, alimentados por um pensamento unico: Theophilo, o seu Poeta. Andando de um lado para o outro na sala, neutralizada, indifferente ao exterior, a Sra. de Assis penetrava até á essencia do extase e via a grandeza de seu amor... Espiava o mysterio e recuava deslumbrada, amedrontada.
— Cartas!... grita o correio do lado de fóra.
Ladice com um gesto de impaciencia e decisão se encaminhou para a janella e recebeu de suas mãos grosseiras e callosas um enveloppe largo, quadrado.
“Algum convite”, disse ella virando-o entre a brancura de seus dedos, olhando a letra elegante e sobria; mas de repente, mudando de feição, como que fulminada por um présentimento subito, rasgou-o vivamente e leu com soffreguidão o laconismo eloquente dessas palavras:
— “Estou doente, de cama, não posso levar-lhe o livro. — Theophilo.”
E em o fim, escripto a medo e ás pressas, temendo a irresolução, a razão, lançada pelo desespero do soffrimento esta phrase:
” Venite ad me!”
”Venite ad me!” disse ella exultando, transida, meio allucinada. Elle me chama pelas palavras divinas... “Venite ad me!”, repetiam-lhe as pulsações, o movimento de seus museulos, o latejar de suas veias, o seu sangue, as suas cellulas... Venite ad me! gritava-lhe o coração em uma explosão turbulenta, atordoada, louca... Venite ad me! murmurava-lhe o espirito como um écho apagado, fraco, longinquo, que não sabe o que diz... Venite ad me! lia ella em letras de fogo nas paredes, no tecto, no chão, na alvura de suas mãos... Venite ad me! segredava-lhe o silencio... Venite ad me! suspiravam os minutos... Venite ad me! dizia ella baixinho, vertiginosa, a sorrir...
”Oh! sim, levar-lhe-ei a belleza de meu perfil, o encantamento, a ternura, a flamma de meu coração... As minhas mãos maravilhosas depositarão sobre a sua fronte abrasada o raio frio da aurora, o pollen dos helianthos, o azul, o oxygenio do ether... Meus cabellos lhe farão descer sobre as palpebras a sombra mystica dos salgueiros, a somnolencia lyrica dos corações que se apertam... Minha boca lhe verterá o sopro da immortalidade... Meus olhos reterão a sua vida, far-lhe-ão voltar a saude, serão os amuletos contra o maleficio, contra o braço funereo da morte... O meu amor esparzirá sobre seus membros febris, agitados—a calma ardente, o silencio victorioso, o espasmo eterno, o delirio absorvente, suave, inebriante, das pulsações doces, dos desejos infindos... Meus labios soprarão em seus labios o cantico glorioso da resurreição, o cantico da mulher e do homem!...” — E Ladice, se preparava, se vestia, se fazia inconscientemente bella.
A doença de Theophilo a apavorava. Era a nota aguda, fixa, clara que se levantava em o “sabbat” prodigioso que lhe sacudia o cerebro. Ella queria parar suas ideias, saboreal-as, soffreal-as, sentil-as; mas ellas substituiam-se rapidamente, transformavam-se, com a celeridade de trens que correm, de panoramas que se succedem, de espadas que se ferem. A sua consciencia, vagamente, apagadamente, assistia a esse acommettimento cruel, doloroso, de sua intelligencia e recebia como lampejos de luz um ou outro pensamento que por intermittencias se destacava do todo, projectando-lhe em o intimo a lucidez, a responsabilidade. Ella era a filha da natureza como os passaros, as flores, e como lles tinha o direito de amar. Nada tinha que temer dessa visita perigosa.
Theophilo morava sózinho, em companhia de um criado inglez, em a “garçonnière” de um irmão que viajava actualmente.
A sua mulher se achava fóra, para o interior, em casa da familia; mas, esses cuidados passavam logo, entravam para a penumbra, eram supplantados por outros; emoções novas surgiam e ella mais uma vez se rendia á injuncção poderosa de sua natureza, ao romantismo que vestia as suas sensações, tornando-se a Ladice palpitante, á caryatide amorosa que carrega sobre a cabeça o peccado luminoso das mulheres extraordinarias.
Uma pequena indecisão, e Ladice batia, ligeiramente, mysteriosamente, quando a porta se abriu de par em par e Theophilo pallido, fremente, a enfrentou. Como a onda que embate em a onda, como o espaço livre que se lança contra o obstaculo resistente, como o movimento que se segue ao esforço consciente, ambos impellidos pela paixão, foram um para o outro, abraçaram-se longamente, perdidamente, silenciosamente, como os elementos, as cousas materiaes, as montanhas, os rochedos que caem uns sobre os outros, a se desfazerem, misturados, rolando, fundidos, confusos, inalienaveis, perdendo a feição primitiva, assumindo uma nova, fazendo-se um só! Ladice inteira se rendia á violencia dessa effusão. Ella sentia pousar-lhe sobre o corpo naravilhoso de porcellana quente trophéos sublimes, radiosos, sudarios ardentes, rubros, tecidos pelos dedos de Aphrodite.
Languidamente branca, quasi etherea, de uma espiritualidade dolorosa, de uma ternura doentia, Ladice, sorria, estratificada por sensações implacaveis, grandiosas, estranhas, uniformes, de um amor permanente, continuo, exclusivo, anormal, vasto. E elle falava-lhe assim:
— Na tua belleza debil de gestos classicos, de passo cadenciado e esquivo, em teu olhar de amorosa renitente, eu te reconheço, nympha divina... Vens da antiguidade, da Etruria famosa... O vento do desejo enfuna a tua chlamyde carmezim, e os teus cabellos, trançados de rosas, de iris, de musgos... Seguras nas tuas mãos, alongadas pela força de teus espasmos, a taça de vinho e de mel, que seduz a humanidade, e dizes: — “Vinde, bebei, conhecereis o amor e vivereis deixareis de ser um verme para serdes um deus...”— De teus braços nervosos, enroscados de aspides, pendem tamaras glutinosas, mordidas pelos teus dentes salgados pela tua saliva, e tu as jogas ao passante como sendo o fruto do bem e do mal... Teu labio é avermelhado pelo sangue dus victimas, que as rainhas de antanho faziam immolar a seus pés, pedindo-te a eternidado do ardor e da renovação... Tua boca tem o estertor daquellas amantes que se faziam cortar as veias por amor de seus amores... Nas tuas formas palpitam a areia adurente, a oppressão offegante, o céo, a brisa, a palmeira, o ibis, o rio, a florescencia das paisagens etruscas... 'E´s a minha joven Hamadryade, ha vinte annos que as vozes clamorosas de meu coração te gritam; o meu amor te buscou em todo o universo, meus olhos, meu espirito, te procuraram como dementes... Encontrei-te, finalmente, vieste a mim e eu te retenho... Viverei ao teu lado, agarrado á tua saia, como se fôra esculpido em ti, o joelho curvado, adorando-te... Todo o meu ser se queimará em sacrificio, morrerei sob a tua sombra triumphante, minha jovem Hamadryade...
Theophilo levantou-se e poz-se a tirar dos vasos todas as rosas que os guarneciam: Eram rosas lindas, passionaes, desesperadas, rosas que traziam as pisadas de Eros, a melodia dos ventos, os movimentos harmoniosos dos dias e das noites, o ardor do sul, da terra, da herva fresca. Mutilando-as, elle as desfolhava sobre Ladice, dizendo:
— Rosas, cobri essa Rosa de Fogo do paganismo, essa Rosa Sublime da eternidade, essa Rosa de estufa, que perfuma o meu coração, essa Rosa da Manhã, quente, humida, petulante, como a boca de um Fauno!...
E as petalas das rosas caiam sobre Ladice, rolavam-lhe pelos hombros, pelos joelhos, enchiam-lhe o collo, cobriam-lhe as mãos, amontoavam-se a seus pés, como gotas concentradas do sangue de seu amor, como fragmentos de um coração, que uma grande dôr decepasse. Abrindo, em seguida, uma gaveta, elle tirou um vidro de essencia, e, derramando-o sobre Ladice. dizia:
— Corre, mistura-te a esses cabellos, que teem molleza, exaltação, phrenesi, entra, perde-te nesse corpo unido, divinamente pallido, deslumbrante, como se trouxesse no intimo um sol vigoroso, esplendido... Não manches, não empanes o brilho dessa pelle fresca e queimante como o alcool...
Tirando de um estojo um collar de perolas, elle o arrebentou no seio de Ladice:
— Rolai sobre esses membros esguios, perolas symbolicas: — Sois os annos, as horas, o tempo em que vivi em lamentos, em queixumes; sois as lagrimas petrificadas, os soluços, as tristezas, as inclinações funestas; sois as estravagancias pensadas, idealizadas, a aspiração esteril, as ambições não realizadas, o estimulo desejado, a immoderação, a alternação dos prazeres, as intolerancias, o grito incisivo de revolta contra Deus e a humanidade; sois os tumultos, as forças, os poderes, que me devastaram a juventude... Rolai, perolas, quebrai-vos á guisa de estações que se findam, que se destroem, á guisa do arvoredo que fenece, murcha e seca, para depois renascer, exuberante, dominador, immenso.
E as continhas espalhavam-se, corriam pelo corpo de Ladice, festejando a sua glorificação, o seu baptismo de amor, a sua iniciação no mysterio, o mais profundamente estonteante da existencia.
— E´s a minha propriedade egoista, mulher formosa. Parece-me descobrir em ti a imagem do amor, fixa no centro da Vida, unica, sem ligação com o passado e o futuro, assistindo ao correr dos seculos, das cousas, dos seres animados, incolume, illesa, suprema, magnifica...
Depois de uma pequena pausa, sentando-a sobre os joelhos:
— Não te deixarei partir, ficarás aqui comigo, ao meu lado, nunca mais me abandonarás... Nunca mais...
Dizendo isso, elle apertava-a loucamente, cingia-a com os braços, em uma exaltação extraordinaria.
Ladice, ainda vencida pela vehemencia de sua sensibilidade, não podia falar, e retribuia esses excessos de amor com afagos lentos, com beijos longos, deliciosos, que nunca se acabavam, beijos ardentes que deixavam de cada vez, um pouco de seu coração, de sua alma, de sua ternura.
Mas a insistencia, a continuidade, a excitação insolita com que elle repetia esse “nunca mais”, despertou-lhe a attenção e desceu-lhe até o amago da consciencia, sacudiu-lhe a intelligencia e ella inteira se agitou perturbada, angustiosa, aterrorizada, reconhecendo-lhe o delirio, a febre:
— Sim, nunca mais te deixarei. Sou tua; ficarei aqui, cuidando de ti, adorando-te... repetia ella, accentuadamente, com carinho, com amor, com desvolo, tratando de convencel-o — mas estás fatigado, vem, deita-te.
Ladice, ao seu lado, como uma grande sombra, aninava-o, cantava baixinho, apertava-o, rosto contra rosto, beijava-lhe silenciosamente, pausadamente, o canto dos olhos, das orelhas, os cilios, os cabellos, espalmava-lhe as mãos pelo dorso, como se com este gesto quizesse abrangel-o por inteiro, absorvel-o em si, sondar-lhe a profundeza do sentir, da alma, misturar-lhe as sensações, ter sensações, ter a impressão de posse, de propriedade; toda a sua alma ia para elle, se estacionava sobre elle como uma caricia' tardia, estavel, parada, que se não finaliza; seu coração se fendia, se destruia... Era preciso partir, deixal-o, a elle, o amor de seu amor, a sua exaltação vibrante; seus grandes olhos se collavam nesse corpo extendido, perfeito, tranquillo, calmo, a forma affectada do fogo que a consumia; eram olhos cheios de expressões sombrias, dolorosas. Dir-se-ia que assistiam a scenas sangrentas, patheticas, a choros de viuva desolada, a separações eternas, a mortes crueis...
Essa grande amorosa, que ainda tinha a sua vertigem impregnada da vertigem de Theophilo, que ainda sentia palpitar, na distensão de cada nervo, a effusão rubra de seu amor; ella, que trazia a sua sensibilidade contaminada por outros fremitos, por outros abalos tão estranhos, tão mysteriosos quanto os seus; ella, que não era mais ella, porém a mulher sublime, que recebera dos labios da Vida o triumpho, a consagração, a espiritualidade, o complemento humano, natural, terrivel, destructivo de uma individualidade, via surgir, levantar-se, crescer, dilatar-se, manifesto e vehemente, qual irmão gemeo de seu amor — o soffrimento... Dos pés á cabeça rolava-lhe, tenebroso, esse trovão, sacudindo, ameaçando, alluindo a debilidade de seu organismo. Ella começava a viver e a morrer; entrava no ultimo acto dessa tragedia, delirante, amarga, violenta — fim maravilhoso, onde se quebram as naturezas excepcionaes, insignes, estravagantes.
Ladice já transpunha o limiar da porta, com a alma espinhada, acutilada, por saudades indiziveis, eculeas, excessivas, quando voltou de novo para contemplar mais uma vez esse perfil, que era a sua exclusividade, a audacia de seu sentimento. Beijou-lhe o braço seguidamente do hombro ao cotovello, com a demencia, a determinação de moribunda, que ama e não quer deixar a vida... E saiu...
Ao chegar em casa, a Senhora de Assis encontrou Armando Sueiro e Francisco que a esperavam:
— Demoraste muito, pensei até que algum mal te tivesse advindo — disse-lhe o marido, beijando-a.
— Fiz um grande passeio. A tarde estava deliciosa, cheia de lyrismos... Esqueci-me de ti, de tudo.
O jantar correu alegre, apesar de Ladice pouco falar.
Finda a refeição, ella retirou-se para o “boudoir”. A Senhora de Assis não experimentava mais aquella alegria nervosa, fina, elastica, leve, cortante, que temos quando sabemos que somos amados; essa alegria a abandonara.
Toda de branco, divinamente pallida, incomparavel flôr da espiritualidade humana, ella pensava: O meu amor é tão absoluto, tão illimitado, tão absorvente e profundo que me faz desconhecer o remorso e engendrar a mentira com altivez... A consciencia foge de mim qual inimigo vencido, covarde... Comprehendo agora porque esses criminosos passionaes matam e morrem victoriosos, a sorrir... E´ a rebellião do sentimento, essa furia insana, imperiosa, accesa que brada, que assalta, que sitia o organismo inteiro...
— Poetica e só... toda envolta em sombras — exclamou Armando, entrando e reparando na mancha de luar que lhe caia sobre os joelhos.
A sala estava fracamente illuminada.
— Estou descançando — explicou ella estremecendo ligeiramente.
O chronista, ainda de pé, a fitava attento. achava-a mais therea, mais diaphana, mais luminosa. Dir-se-ia uma camelia animada, a pulsar de espectativas amorosas, de ancias desconhecidas...
Sentando-se ao seu lado, proseguiu:
— Algum pensamento saboroso lhe prende a attenção... Notei-lhe o alheamento, a distracção, a sua separação de nós, da conversa, de tudo emfim, a sua ossificação em si mesma, emquanto estavamos á mesa... Depois, a sua retirada para aqui, veio amplamente confirmar a minha supposição...
— E´ simplesmente uma grande fadiga, motivada por um passeio longo, e nada mais — disse ella lentamente.
Armando procurava rasgar os mysterios que a encobriam como um manto.
— Entretanto, a sua physionomia está cheia de vida, de energia, de ardimento, de fluidez — accrescentou elle baixo, devorando-a com os olhos....
— Meu espirito, minha alma nunca se fatigam... E´ apenas o corpo, Sr. Armando.
Depois de uma pequena pausa:
— Vou-me indo... Vim dizer-lhe adeus. — Elle levantou-se e segurou-lhe as mãos, guardando-as por instantes: — Oh! essas mãos tonteam, têm a secura das angelicas verdes, esgotadas pelos seus proprios ardores... São alvas, quentes, revoltosas, como uma lua batida pela tempestade, pelas nuvens... São nenuphares impregnados de vertigens, de toxicos, de venenos...
A Senhora de Assis esforçando-se por libertal-as:
— Esquecer as mãos em as mãos de alguem, é esquecer um pouco de si, de seu amôr, de sua languidez, é uma traição... Não, não posso fazel-o — exclamou ella, retirando-as e sentindo toda a rudeza, todo o poder activo, intemperado do chronista em esse aperto vigoroso, que lhe magoava os dedos.
— Por que vos fechais assim em um egoismo tão orgulhoso? — Era a primeira vez que elle a tratava por vós. Sois uma grande amorosa, trazeis a raiz, o fruto das sensações divinas em o sangue, em a dôr pallida que agonia os vossos movimentos, os vossos espasmos... Tendes uma sensualidade morbida para tudo o que vive e canta... Soffreis muito porque sabeis que a vossa mocidade, o vosso arremêsso, a vossa belleza fragil, penetrante, passarão, e que não podereis viver sem o sublime, sem o delirio, sem a vitalidade juvenil da natureza ... Deixai-me beijar essas mãos que brincam com o espaço, com as flores, com a sensibilidade, com o coração dos homens, essas mãos que vos não pertencem, que são do poeta, do artista, do amante... — Meu Deus, enlouqueço!... Parece que roubastes o extase e que trazeis brilhante em a forma quebradiça e delicada de vosso corpo, o seu deslumbramento, a sua acidez, o seu esplendor...—e apressado, retirou-se.
A Senhora de Assis sózinha em essa meio escuridão, lindamente branca, extendida sobre o azul do setim, ferida por espadanas de luar, azoinada de Theophilo, sentia-se morrer de ardor physico, de terneza multiforme.
Os annos desabrochavam-lhe ainda mais a paixão, o gosto immoderado da belleza, a vertigem dos prazeres intellectuaes que lhe vicejavam em as cellulas... sensivelmente ella inteira se embebia, se engolfava, se perdia em esses dons absolutos da natureza e do ser humano...
Era a primeira vez que labios indifferentes lhe proferiam palavras sonorosae cantantes... Uma grande determinação se apoderou de seu espirito: apesar d´essas excitações moraes serem logo subjugadas pela visão soberana, adorada, gloriosa de Theophilo, ella fugiria d´esse homem que possuia tão accentuadamente a seducção e o poder de fazer derivar-lhe em a alma, accordes fecundos de deleite... De ponta a ponta troavam-lhe rijos, os clarins da pureza e da fidelidade…
A vida de Ladice, agora, rolava entre rosas de caricias, entre rubores, pausas mortaes, tumultos insaciaveis. romantismo profuso, estranho sublimado, de amôr de seu amor.
Os seus corpos, as suas almas, as suas individualidades se tornavam uma só entidade delirante, accesa.
Ella gosava o triumpho completo e definitivo de sua existencia, vivia o seu momento da ideia; cantava o hymno derradeiro de louvor á vida, á juventude, ao ardor.
Dos compartimentos mais secretos de seu eu, da sua sensibilidade, surgiam estravagancias subtis, caprichos bellos, artisticos, estonteantes, sévos...
A Senhora de Assis levava para Theophilo, intensidade, profundeza, exaltação, vigores novos; trabalhos ardorosos, multidão de ancias sequiosas, que subiam e paravam famintas, estridentes, agudas, como esses gritos que não teem echo.
Ella via Theophilo, o vate bem amado, diariamente.
— Venho a ti como se vai a fonte da sua alegria, da sua verdade — e com as mãos em as suas mãos, contra elle, assim permanecia... E se Theophilo fazia menção de falar, de agarral-a, de estreital-a, dizia-lhe:
— Espera, eu te peço... E´ na immobilidade, no silencio, que te sinto em mim mesma, que vou além de ti. — E ella parecia beber extases suprêmos.
Ladice amava seu amante sem cuidados, sem receios, sem preoccupações. Conhecia o seu valor, a sua graça, a dominação de sua belleza e de sua intelligencia, sabia-se rainha do universo e do coração do Poeta...
Trilhava o momento mais vertiginoso da vida da mulher; momento esso em que se não passa um facto, uma acção, um acontecimento, uma mudança, que ella não pese, não apalpe, não entre, não inspeccione, não anime, não logre; é em esse momento em que ella agarra com as mãos nervosas e irritadas as horas, os annos, o tempo, que lhe roubam aos poucos, a illusão de eternidade; em que ella sente descer sobre seu corpo, qual aguaceiro forte, o deslumbramento pela vida, e a sensação terrivel da fragilidade de seu ser e da tenue duração de sua mocidade... E´ com a consciencia e com o pensamento vigilantes que ella atravessa esse periodo fugaz, esse meio curto, pequeno, rapido, exiguo, alucinante...
Vós outros homens desconheceis a grandeza, a plenitude, a energia, a capacidade illimitada de forças que fervem em o coração feminino, quando elle está em o auge do verdor. Mede-se com os elementos, com a natureza, com os espaços. — E´ a videira viva, ardega, prolifera, uberrima, que se alarga, se multiplica, apoia os seua sarmentos, os seus rebentos, sobre todas as paliçadas, todas as sebes da terra immensa!... E Ladice derramava a frouxo essa abundancia de fulgores, de impressões que lhe picavam o senso, que lhe serpeavam em torno do corpo e da imaginação.
Theophilo soffria d´essa sua eclosão maravilhosa; apesar de possuir em o amor a tensão excessiva, rude, ingente, das tentativas ultimas, dos esforços maximos, tinha a certeza de que a sua juventude desmaiava, empallidecia, passava, perdia o brilho, a claridade, as irradiações de um meio dia tropical...
Com a alma torcida de angustia e de desespero, quando Ladice lhe apertava a cabeça febril, elle disse-lhe, certa tarde:
— Ao envez de encontrar em esta paixão immensa, o contentamento perfeito, a calma vertiginosa, só descubro tristeza profunda, afflictiva, cuidados torturates... Amo-te de um amôr infrene, continuo, certo, egoista, como se me fora obrigação ingenita... Quizera-te minha, inteira minha, um objecto, uma cousa que agarrasse, que dobrasse, que guardasse em minhas mãos, em meus bolsos, em meu peito, occulto, longe de olhos estranhos, de cobiça alheia... Mas não; fazes parte da natureza, és luz que offusca e que attrahe, és a essencia forte que tonteia e que tenta a humanidade, és a mulher ardente que ama por amôr do amôr... E a sua cabeça pendia abatida, sombria...
— Blasphemas... Amo-te por ti mesmo... amo teu perfil que morre em o meu, as tuas ideias, os teus cabellos negros que sombream o pallôr de lua matutina da tua face; a ironia que te dansa ao redor dos labios humidos e roscos.
E os seus dedos lindos e quentes desciam pelo rosto do amante, cheios de sopros seus.
— Não — com gesto impaciente — o amor universal nasceu em as tuas cellulas... A minha pessôa não fez senão agital-o para a vida, incital-o, e elle germinou rubido, tenaz, audacioso, esplendido. Segurando a fronte com ambas as mãos: — saber que não poderei seguir, acompanhar essa tua ascensão radiosa, fruir até ao fim a tua ebriez acre, violenta, findar-me juntamente comtigo... Outros virão mais jovens que eu... Ellès trarão por isso, em a sua tenra idade, a tempestade caprichosa de paixões insatisfeitas, a força imperiosa da curiosidade, a pressa convulsiva, emocionante pela surpresa... Serás a sua amante, o seu madrigal, a musica de suas insomnias, a raiva de seus desejos.—E elle a apertava em os braços como se quizesse diluil-a em si... Ella offegante, risonha, feliz de saber-se amada até á loucura, respondia-lhe, orgulhosa :
— Trago em os plasmas, o fremito universal, mas tu és-lhe a essencia vital, a gleba feraz, o raio de sol, o oxygenio, a amplidão, onde elle implantou as suas raizes, se fortificou, medrou, se dilatou... E quando não existires mais, elle fenecerá, se engelhará, se extinguirá, faminto de teu ser, da tua voz, dos teus olhos, do teu corpo...
Mais tarde em seus beijos numerosos, ambos sentiam a harmonia desordenada de suas almas, mediam a altura de seus sentimentos.
Parecia á Senhora de Assis, quando em companhia de Theophilo, que as horas empunhavam os talares de Mercurio, tal a rapidez com que ellas voavam.
— Ao teu lado, o tempo se me afigura a pausa de um extase; pois, não percebo a successão das horas... Essa emoção constante de separação toma todos os dias, seivas ao meu organismo... Meu Deus, não podermos ter até ao tumulo, a mesma unidade, a mesma virtude, o mesmo peccado, a mesma scintillação... Amarmo-nos sempre ás escondidasás pressas, correndo, sem socego, sem alento... Nunca dizer sufficientemente o que queremos... Termos por companheiro alguem de quem gostamos por piedade, por tolerancia... Sentirmos o frio da indifferença subir á fronte, quando recebemos uma caricia... Dizermos sim quando o coração grita não, quando a alma exige, clama, se atira para essa outra alma semelhante á sua, que apenas uma grande transparencia separa... E´ ser-se martyr, é viver-se sobre catástas, é trazer-se o corpo cingido de bragas, debruçado sobre cavalletes de tortura... — E Ladice inteira dobrava-se ante esse soffrimento que ia além do bem e do mal.
— Vem commigo — dizia Theophilo tirando-lhe as luvas, affagando-lhe os braços finos, lisos, de adolescente: — Habitaremos um parque onde andarás alegre ao deante do sol e das estrellas... Teu bello corpo esguio e branco atravessará qual flexa de belleza e de crystal as arcadas pudicas e ardentes do bambual... Teus pés de deusa grega, pisarão re-novos verdes, gommosos, glandes de ouro que estalarão enternecidas sob o peso de teu calcanhar roseo, roliço... Brincarás com libellulas, com phalenas trefegas, com aragens fagueiras, mansas, suaves... A tua figurinha maravilhosa, receberá, á tarde, a saudação do sol que tomba, a sua bençam rubra, amorosa, o seu beijo de fogo, o seu estertor real... E assim consagrada, transfigurada, ardendo de luz e de mysterio, cortarás o occidente como sendo o perfil da Intelligencia e da Dominação... — A sua voz se tornara um murmurio. — A´ noite, porém, acanharás os membros de susto, não reconhecerás o arvoredo que tanto amas... Verás espectros vestidos de estamenha, de sudarios, bailarem, horrendos, esqualidos, membrudos; sombras multiformes esgueirarem-se, parárem ao longo de columnas manchadas, herpeticas, carcomidas... Braços avançarem ameaçadores, dizendo não... Bocas disformes escancararem-se silenciosas; troncos sem cabeça presos de convulsões, quedarem-se de repente quietos em uma phase evolutiva... Perto de ti rangem, como dentes de serpentes que teem fome, como ossos que se sacodem... Ao teu lado um olho se abre, um outro se fecha... terás medo; seguras com mais força os meus pulsos, o meu hombro; escondes a cara em teus cabellos, em meu peito... Ruidos surgem, levantam-se, espalham-se ao redor, sinistros, tetricos, horridos; folhas que farfalham, animaes que rastejam, silvos, asas que batem... Dir-se-ia, que um coração colerico, palpita em todo o espaço, que o tic-tac de um pendulo desordenado marca os momentos que se gastam... E eu com o senso da exaltação por te sentir verdadeiramente mulher: — fragil, estonteante, formosa, timida, beberei o extase supremo em a posse de teu amor e de teu medo... Serás a minha Isolda que preferia o seu amante ao seu Deus; as chammas do Inferno ao sorriso dos Anjos... Tu e eu seriamos um só, despertos, dormindo, em os sonhos: nenhuma espada separaria o teu corpo do meu corpo...
Ladice sentia, a medida que Theophilo lhe falava, abrir-se-lhe em o intimo, enxames de rosas brancas, amarellas, violaceas, carmezins, simples, em botão, dobradas, enormes... Do pé á cabeça se lhe agitava entrepitoso roseiral...
— Vem — repetiu Theophilo tendo em a voz, em o olhar a vontade feroz, desesperada de quem implora a graça, a vida.
— Não, não posso — balbuciou ella, fatigada, os olhos fechados, os braços pendendo, os cabellos desfeitos, profundamente abalada pelo soluço da angustia.
— Tu e eu seremos então dous como o céo e a terra? — disse elle retendo-a, machucando-a.
— O futuro, qu´importa? — Exclamou ella estremecendo. — Gosemos do presente, bebamos esse mel oriental, divino, allucinante que os deuses nos offerecem. até ao olvido, ao esgotamento, á destruição... Abramos os nossos corações, ás farpas igneas que o Amor despede, vivamos em o vestibulo do presente... O futuro, o futuro... A morte, talvez, quem sabe?— E lagrimas corriam-lhe pela face.
Ao ouvir-lhe a ultima phrase, Theophilo, sem saber por que, percebeu que o seu musculo da alegria se movera... Elle não quiz insistir, o sentimento feminino é timbroso e susceptivel; somente uma persuasão lenta se tornaria efficaz; aos poucos insinuar-lhe-ia o seu desejo de união perpetua — synthese brilhante de sua vida de amôr.
Essa tarde, Theophilo saiu mais cedo, afim de livrar-se de algum amigo que porventura apparecesse. Queria ficar só.
Aquella palavra de Ladice “a morte” lhe provocou uma infinidade de ideias novas, definiu-lhe pensamentos confusos, inscientemente gerados, elaborados á socapa, sob a influencia do grande temor que tinha de perdel-a, de vel-a sobreviver á sua juventude...
“Ah, se ella morresse! E ca esforços, a vida, a volição, a felicidade, a salvação de seu eu, pareciam depender d´esse facto cruel. Andando a esmo, sem rumo, pensava:
“Ladice universo meu, triumpho magnifico de minhas aspirações, doença de minha alma, quizera-te portanto morta! Que a morte te leve, antes que o amor se estagne em teu sangue, antes que o teu fremito entibie, perca a celeridade, o repente, antes que o meu nome te seja um fragmento, uma recordação, uma saudade... Ah! se ella morresse! E dentro de seu intimo um enorme luzeiro se propagava. — Sei que o ardor da mulher é inextinguivel, que mesmo saciado, grita sempre... E´ uma nota aspera a troar eternamente em seus nervos, é uma flamma que trabalha, que cresce, que irrita... Ellas nos amam emquanto somos moços, emquanto o nosso arremêsso é uma força de volupia, emquanto a nossa vontade tem desejos universaes... — Ahi Theophilo se approximou, e parou á borda do mar. A agua palpitava mansamente como o pulso de um cachetico. — Fidelidade disse alto, com um sorriso de ironia, e continuou a pensar — é uma palavra que ellas pronunciam bellamente, sonorosamente e de tal geito que, junto com a ponta da lingua, deixam vêr a malicia, a vacuidade de significação... Fidelidade é cilada, é mentira, é falsidade em boca feminina... — Continuando a andar: — Meu Deus, odeio-lhe a mocidade, a belleza, a violencia estranha, mortal, immensa... os seus gestos, os seus cabellos revoltos, os seus olhos onde perpassam as as mobilidades de seu sentir... Ah, se ella morresse, essa mulher unica, maravilhosa... — E parou novamente. Dir-se-ia um automato, um manual de movimento, sem consciencia, sem percepções, sem os cinco sentidos. Não via que o céo, o mar, a terra eram uma só treva, uma só massa, um só cantico funebre... Não ouvia os gemidos roucos das querenas e prôas cosmopolitas, raivando contra as bordas verdes da agua faminta que os apertavam, os comprimiam, os suffocavam... Não percebia que o coração mystico da terra soffria da mesma tristeza, da mesma ancia, da mesma dôr que elle: queria perennemente que o fulgor das estrellas, da lua, do ether que lhe emprestava scintillações de crystal e irradiações de metal, nunca desapparecesse, nunca a abandonasse, nunca a deixasse... — Alheio a tudo, Theophilo proseguia em seus pensamentos: — As mulheres são seres instinctivos, sem paixões... São entes medullares como bem diz Grasset. Os seus sentimentos obedecem indifferentemente a qualquer motivo externo. Ellas não se fixam em um determinado individuo, em um ideal, são instaveis como as correntes marinhas que vão lado norte, lado sul, éste, oeste, ao sabor das brisas que as levam... Ellas bebem constantemente a delicia em o olhar dos homens... Ah! sensualismo perfido e lascivo! — exclamou elle andando novamente, deixando atrás de si a Praia do Flamengo coberta de silencio e entrando em a Avenida Ligação. Ao chegar a Botafogo, Theophilo sentiu que o seu humor mudava: a luz das lampadas, com movimentos suaves, com latejos mansos de palpebras amorosas, de narinas offegantes, lhe evocava gestos de amante, scenas intimas... Parecia-lhe que a poesia melancolica, que o sentimentalismo delirante, a ternura suave, persistente, afflictiva que atravessa esse ambiente qual Walkyria de fogo, feria-lhe o coração, os nervos, o cerebro... Poz-se então a analysar Ladice, o seu amor, a sua pessoa, o seu moral e a medida que o fazia a crença em a humanidade lhe renascia...
— A sua sensibilidade — continuou elle a pensar — é a herança mais brilhante que recebeu de seus antepassados; é a perfeição que se veio ultimando de geração em geração. Ella é o corollario de uma raça; é uma mulher que tem as formas materiaes da espiritualidade; é um corpo cheio de espasmos onde a vida é o reflexo poderoso, estridente, vibratil, inteiriço das seivas dos tropicos, das florestas que vicejam em a linha torrida do equador, á margem de rios lentos, inviolados, intactos, exuberantes em a sua innocencia selvagem... Quando ella me diz — amo-te, quando se immobiliza em meus braços, sinto passar pelos nervos a violencia ruidosa dos elementos em revolta; e a sua imaginação detinha-se em os esplendores de Ladice, em a sua belleza impeccavel, deslumbrante... Oh! como elle anava essa pelle ardente, de porcellana, de flôr, de esmalte, de perola, de nuvens, de polpas brancas, viva, palpitante, quente, perfumada que o torturava mais que o seu proprio amôr. A sua personalidade estacionava sobre ella, á sua superficie, sentia o desespero, a impossibilidade demente de se fundir n´ella, de absorvel-a, de se unificar. Os seus beijos não estancavam a sêde implacavel, o clamor physico de sua alma por esse ser admiravel... E via apparecer-lhe em a imaginação encandescida, o corpo de Ladice, resplendente, nitido, bello, turbido qual peccado de seducçāo. — Amo-a como ella me ama, além de tudo que ha de perfeito e glorioso em o universo... — Proferiu elle alto. As suas fibras se distendiam de jubilo, de contentamento. Por instantes, Theophilo teve essa sensação rara, sublime, de satisfacção completa da natureza; mas, em o fundo de sua consciencia, logo começou a lavrar esse incendio, essa phrase egoista, esmagadora, intrusa, rebelde. Ah, se ella morresse! E por mais que a repellisse, a afugentasse, ella lá estava perversa, insistente, apoderava-se d´elle, tornava-se-lhe a vontade predominante, o leit-motif do seus sentimentos, a sua alegria... Ah, se ella morresse! — balbuciou elle finalmente. — Teria a certeza de haver sido o seu unico amante... Attingiria a paz suprêma. E Theophilo tomou um auto que passava.
Una tarde Francisco, em chegando á casa, disse á sua mulher:
— Teu Pai acaba de communicar-me que segue muito breve para a Europa.
— Resolveu afinal?
— Sim, porque tua mãe continúa adoentada...
— E´ uma anemia contumaz... — atalhou Ladice.
— E Dinah entra para o convento —accrescentou elle..
— Já o sei... Ella m´o — participou — respondeu a Senhora de Assis, calma.
Em outros tempos essa noticia a teria grandemente abalado, consideral-a-ia como uma victoria identica á de qualquer general, alcançada pela força da argucia, do raciocinio; mas hoje essa noticia passava-lhe pelo systema nervoso sem lhe causar a minima estria. Ella se regosijava, era verdade, mas de uma maneira fragil...
Francisco notou-lhe a falta de explosão, de reboliço, de sensação e poz-se a imaginar qual seria a razão de sua frieza. “Estará ella doente?” — ponderava elle. Francisco tinha por habito attribuir todas as mudanças de sua mulher á actividade febril de seus nervos, de sua sensibilidade, á debilidade de seu organismo. Vendo-a assim de perfil e séria, parecia-lhe estar mais pallida, mais fina: a curva dos hombros era quasi infantil... Mas ella inteira era um só fulgor, as suas linhas adelgaçadas eram ardentes, não manifestava o abatimento inherente ao enfraquecimento... e Francisco teve medo. Dir-se-iam os indicios, us signaes latentes de alguma molestia longa e insidiosa. Preso d´essa ideia, elle a acariciava como se fôra uma creança:
— Querem levar-te; porém, dissuadil-os-ei d´esse intento... Não irás sem mim... — E beijando-a — como poderia ficar sem a minha estrella radiosa? De resto, actualmente não me é possivel ausentar-me para muito longe: ha causas importantes que m´o impedem...
— Ir para a Europa agora, não desejaria tambem — ajuntou ella, lentamente.
— Si fizessemos uma villegiatura a Friburgo ou Petropolis, por exemplo?
— Petropolis? — repetiu Ladice involuntariamente, sentindo entrar-lhe pelo corpo vida nova.
— Sim, Petropolis, apraz-te a ideia? Poderemos passar la quatro mezes em um “cottage” rodeado de flôres e de arbustos... Far-te-á bem esta estadia em as montanhas...
— Sera uma bella digressão...
Essa resolução alvorotou-a profundamente. Todo o resto da tarde seus pensamentos se voltavam para essa cidade que vira, ao sair da adolescencia, e que tão forte impressão lhe deixara.
“Petropolis, cidade aromatizada como uma sul-
“tana, ardorosa quaes olhos bistrados de violencias,
“de ebriez, de espasme, tonteius igualmente ao ho-
mem e á mulher como se foras o rosto, os labios, as
“formas de um ser hermaphrodita... Germinaste
“em a Serra do Mar, saborosa, esplendida, á guisa
“de um beijo fecundo atirado á terra por um deus
“poderoso e amante... Em os teus jardins, em os
“teus bosques, a flauta de Pan paralysa os corações
“jovens e faz o homem desejar o que está além da
“virtude e do bem... Cidade de langôr, de musica
“estranha, sandalo oriental, és bem o sonho de um
“monarcha...”
No dia seguinte, a Senhora de Assis participou a Theophilo a proxima viagem de seus paes para a Europa e a sua projectada ida para Petropolis.
— Lá em esse scenario maravilhoso estaremos acima de todas as cousas, seremos o nosso proprio céo, o nosso campanario azul, a nossa eterna quietude como bem diz Nietzsche...
De pé, encostada a elle, ella respondeu, á meia voz, devagar:
— Vês, todo o meu ser se afina de immaterialidade... Sinto desde já esse mal agudo simultaneo do corpo e da alma, esse effeito psychico, insaciavel, demente da natureza em mim...
E os seus traços contrahiam-se de leve, e o seu corpo era uma só vertigen 'e um só extase... E Theophilo lobrigava em essa mulher gracil, divinamente branca, a immensidade das sensações, o auge, a dôr cruel, esperta, successiva de todos os sentimentos. — Olhando-a sempre, retendo-a em seus braços, mudo, bebendo a fragrancia de seu corpo empallidecido por fremitos innumeraveis, elle, tirava-lhe um a um os grampos dos cabellos que, lindos, crespos, se desfaziam, desciam á feição de serpentes que se libertam, caiam-lhe sobre os hombros em caricias, velavam-lhe o rosto, os olhos, entravam-lhe pelas dobras dos setins, pelas mãos, pelos dedos, como dadivas, como offertas, como homenagens amorosas... Através d´esse escrinio trabalhado irrequieto, de filigranas vivas, de fios ambarinos, de arabescos fantasticos, Theophilo via a boca de Ladice apparecer como uma melodia perturbante, surda, abafada; como uma flamma intensa, presa, como uma aurora incendiada pelo amôr do sol, da madrugada, do dia... E elle vazava em essa boca perfeita, transida pelo peso de duas violencias todo o seu frenesi morbido, todo o seu transporte mortal.
Dir-se-ia que a exaltação de ambos augmentava; elles não podiam falar.
E assim elles ficaram um ao lado do outro, regidos pelo mesmo rythmo, pela mesma vehemencia, grandeza e esplendor... Ambos pareciam infinitos que se enfrentam, espaços, destinos que se medem, que se encaram, que se encontram...
A um movimento de Theophilo, a Senhora de Assis, disse-lhe com a voz entre-cortada:
Durante estes quinze dias te não poderei vêr... Quero trazer-te vivo, palpitante, em o ser...
— Como? Quinze dias sem nos vermos? Será possivel? — exclamou elle apertando-a instinctivamente ainda mais...
— Escrever-te-ei sempre... Lembra-te de Petropolis e serás feliz...
Theophilo se submetteu a esse capricho, a essa exigencia anormal de sua amante: Possuil-a em os braços e deixal-a escapar como uma virgem que se teme profanar...
Ladice saiu levando em si, vidas multiplas; Sentia tanger-lhe de ponta á ponta, as oscillações, os timbres, os sons de toda a terra... Em o sangue bramiam-lhe as vozes, os alaridos, a grita das multidões... Vibravam-lhe em os nervos, orchestras juvenis, arrebatadas, dominadoras. Theophilo renascia, infundia-se-lhe em o senso, em os plasmas com a celeridade dos phenomenos naturaes. Ella lhe era a reverberação, a resonancia da individualidade, o timbale bronzeo percutido por baquetas férvidas, apaixonadas, impacientes... Era uma forja accesa, um ambiente, fragoroso, um beijo delirante, que se humanizava...
A Senhora de Assis passava os dias inteiros em companhia de sua mãe, ajudando-a. Ia pela manhã e só regressava á noite.
Escrevia constantemente ao seu amante: ás vezes cartas longas, onde o seu coração gemia, contorcia-se pela sua ausencia; outras vezes, algumas linhas apenas, verdadeiras explosões amorosas, cheias d´ella, de seu sentimento:
“Thêo.
“A ti meu coração, a minha belleza que tanto
amas, os meus nervos que são a vida e a morte de
“meu amôr.”
Outras com palavras que cortavam o papel como coriscos:
“Um beijo em a tua boca, onde acaba um labio
“e começa o outro...
LADICE.”
“Amanhã receberás o meu pallôr e a minha ar-
“dencia.
Tua Ladice.”
“Thêo, amo-te, repete alto estas palavras e sen-
“tirás significações novas, revelações, facundias, am-
“plidão, hymnos de amor...
Da tua Ladice.”
“Meu amigo.
“Eu não sou mais eu mesma... Sou o teu corpo,
“e toda a tua invisibilidade, a tua crença, a tua
“paixão, o teu capricho, a tua força, o teu roman-
“tismo, a tua ideia... Trago em os olhos, os teus
“olhares quentes, perfumados, esses olhares que ati-
“ravam sobre mim a tua agonia, a tua sensação, o
“determinismo sublime de teu ser... Esses teus
“olhares que me immobilizam, que me fazem viver
“em ti com obstinação... Rio como tu ris, falo como
“tu falas... finjo trazer em os gestos, em o meu
“silencio, em minhas tendencias, essa tua estrava-
“gancia oriental, sombria, extraordinariamente pertur-
“bante que aprendeste com as mulheres de Constanti-
“nopla, com as gregas... Todo o mundo me diz: não
“és a mesma... Parece que soffreste, que gosaste
“muito, que viajaste, que adquiriste experiencias, co-
“nhecimentos, que estudaste...
“Sorrio. Oh! elles não sabem dos esplendores
“que carrego em o meu seio...
“Estou separada de ti, porém em ti... Recebe o
“beijo de minha alma... Leva-te, enthusiasmo, vida,
“juventude, loucura, intemperança, effervescencia,
“amor de ti mesmo...
Ladice.”
“Meu Thêo.
“Digo-te que as cigarras já estão cantando...
“hoje, de pé, sob o arvoredo encharcado de sol, de
“calor, de humidade, de aromas rudes, senti os pri-
“meiros bafos do verão... Vi a natureza insoffrida
“abandonar-se ás suas caricias estuantes.
como se
“fora um ente humano, uma mulher; a mesma
“vertigem que pairava em o raio azul, em os re-
“bentos, em a paixão das seivas, dos pollens, em a
“calidez das folhas, em a lascivia das sombras, dos
“frutos, apoderou-se de mim e eu te possui, meu
“Thệo, sob a radiosidade queimante, langorosa, di-
“vina d´esta manhã... Os meus elementos organicos
“e nervosos guardam as tuas impressões, a tua ma-
“neira estranha de amor, a tua emoção selvagem...
“O verão, tu, meu amigo, o nosso amôr e esse re-
“fugio entalado nas montanhas qual rosa de Abril,
“Petropolis, é para mim mais forte que a existencia;
“é o triumpho completo do amôr pela morte...
Ladice.”
“Thêo.
“Sonhei comtigo. — Vi-te morto e coberto pelo
“meu amôr. Sobre o teu corpo estirado, flammas
“pequenas surdiam temerosas, succediam-se, agglome-
“ravam-se, apertavam-se, accesas, chammejantes, ter-
“riveis, ameaçadoras... Já não eram mais labaredas,
“linguas de fogo, minusculas... Era um incendio que
“lavrava, que se propagava, que se ateava á tua pes-
“soa... De todos os cantos, monotonamente, como
“uma ladainha, vozes diziam: “E´ o teu amôr!” E
“mil dedos me apontavam...
“E´ um sonho, um symbolo, e nada mais...
Ladice.”
“Thêo.
“O futuro, o futuro... E´ a dominação de teu
“ser sobre o meu...
Ladice.”
Google “Thêo.
“As minhas mãos acabam de acariciar as flôres
“das laranjeiras. Ainda estão pallidas, de poesia
“branca, de lyrismos delirantes. Lá sob o laranjal flo-
“rido, envolta em esse perfume que entorpece e que
“desvaira, eu me transformava pouco a pouco, ora
"— em uma particula da vida universal, um fragmen-
“to da natureza, a irmã dos astros, das cousas sensi-
“veis e inertes, um harpejo da harmonia, o som de to-
“dos os rumores;— ora em um nume amoroso, uma
“Napéa ardente, uma mulher que dizia ao amante, os
“olhos dentro de seus olhos:— Eu sou a tua vida can-
“tante! Eu sou a tua chamma eterna! Eu sou o teu
“ultimo destino!...
“Thêo, és minha loucura, a ebriez desordenada
“de minha juventude...
Ladice.”
Essas cartas eram para Theophilo a sua glorificação, o nimbo de seu amor, a affirmação luminosa de sua incerteza. O seu coração fremia de orgulho e de exultação, ao lêr essas phrases de fogo elaboradas em a intensidade, em a febre, em a paixão estranha de Ladice. Ella era bem uma mulher de essencia greco-oriental, de estructura identica á d´aquellas famosas cortesãs, que á belleza das linhas ajuntavam extrêmos de um sensualismo divinamente espiritualizado.
Oh, mulher unica! — exclamou elle — trazes em os limites de um corpo estreito, a Ideia e as suas formas esplendidas...”
A Senhora de Assis não podia mais supportar essa separação que lhe rompia as fibras mais intimas. Dez dias eram passados e ella ainda não vira Theophilo. Escrever-lhe sómente, lhe não bastava, não a consolava, não lhe saciava a avidez inexoravel de sua alma por essa outra alma semelhante á sua...
Oh! se ella pudesse, ao menos vel-o, parar seus olhos em o mysterio de suas pupillas adustas, depôr em seus labios adorados, esse beijo feito de mil beijos, essa eclosão maravilhosa, exuberante, profunda de seu amôr...
Obsedada por essa ideia, Ladice certa manhã, antes de ir para a casa de sua mãe, foi á “garçonnière” de Theophilo. Elle havia saido. “Qu´importa!” — disse ella, entrando. Ao transpôr a porta de seu quarto, em essa atmosphera saturada de recordações doces e subtis, a Senhora de Assis sentia surgir-lhe em a imaginação excitada, Theophilo, o seu amôr, o seu esto, a violencia de suas desordens, as contracções de suas mãos apaixonadas... Sem curiosidade, sem vontade, sem pensamento, morta, vertiginosa, porém deslumbrada d´elle, não fazia senão olhar ao redor, contemplar esse desalinho elegante, essas gavetas remexidas, essas rosas que principiavam de emmurchecer, esse abandono suggestivo como murmurios de amôr, esse dolman branco, cheio d´elle, de seus movimentos, de sua agitação... Com um gesto de amôr ella desprendeu da cintura as angelicas que trazia, e depositou-as sobre o travesseiro de Theophilo, dizendo: “Lembra-lhe pelo teu perfume, pela tua carnação feminil a brancura diaphana de minha pelle... Cheira forte, mais forte ainda, envenena-lhe o cerebro, fal-o sonhar, desejar a sua Ladice delirante...” Em seguida lentamente deixando em cada cousa um carinho, uma saudade pungente, um beijo, encaminhou-se para a sala de leitura, afim de lhe escrever, de lhe deixar um testemunho eloquente, fervoroso de sua passagem. A mesa estava empilhada de livros.
“Thêo.
“Vim ver-te e não encontrei senão sombras, ves-
“tigios, traços de ti de nossas pulsações, de nossos
“sentimentos. Descobri em cada objecto o teu perfil,
“e sobre elle deixei cair a minha exaltação, a fluidez
“amorosa de meu ser.
“Desejo-te meu amigo, mas com esse desejo in-
“gente, fero, immenso, natural, ingenito, oriundo da
“nossa natureza, da nossa condição, igual ao da noite
“para o dia, ao da liberdade para o espaço, ao do
“tempo para o tempo, ao do nada para a creação...”
E assignou — Ladice, em letras bem grandes. Com um alfinete ella pregou essa pagina sobre as outras e collocou por cima, á guisa de peso, uma estatueta de marmore, que reconhecera ser Sappho abraçando uma lyra. Por instantes ella se quedou a admirar essa figura encantadora de arte, obra de esculptor moderno e impressionista, que sem desprezar as linhas classicas e a belleza das formas, lhe perpetuara em a rigidez da pedra, uma impressão transitoria, accidental, passageira, insufflara-lhe vida, ideia. Os cabellos engrinaldados de flores, estavam soltos, enfunados, assim como a tunica decotada que a cobria; atravessava-lhe o dorso um sopro abrasado, ella parecia dirigir-se para o amante que a aguardava... Feria o ar com denodo, com rapidez, célere...
— Foi assim que vim para elle. — E em dizendo isso levantou-se e saiu.
Algumas horas após, entravam João e Theophilo.
O Senhor Dalmada havia muito que não visitava o amigo. Sua natureza não pudera até então perdoar-lhe o amor que inspirara insciente, á Senhora de Ladice. Em seu intimo embatiam-se, desconfianças, duvidas, conjecturas audazes, que lhe roiam de manso o senso... Tivera de subjugal-as, de vencel-as, de analysal-as demoradamente com o poder da reflexão, do bom senso, da razão... Oh, quanto soffrera ao ouvir de ambos, palavras, ditos, respostas, de significações duplas, indecisas, nubladas, varias; em surprehender-lhes olhares hesitantes, fugitivos, vagos, innocentes, fervidas... Cria vêr o amôr, a falsidade, a astucia, a hypocrisia em os gestos, em os movimentos, em o silencio, em a languidez sublime de Ladice... Esperava, anciava, como um demente, pelo desfecho d´essa tragedia imaginaria, infecunda... Mas, dias, semanas, mezes, gastavam-se, e elle nada percebia, nada descobria de anormal, de extraordinario, a despeito de ardis, de observações, cspertas, assiduas, accuradas; Theophilo já não vinha mais ás recepções de sua prima; e ella lhe não proferia o nome; continuava sempre com o mesmo genio mobil; sentia todas as cousas profundamente, qual penitente mordida de remorsos, de desejos violentos, de regeneração, de manifestações divinas... — Tudo passa, exclamava elle, e mais veloz que tudo, a affeição em peito de muther...—" E assim, assimilado n´esse pensamento, agarrado a elle, João, pouco a ponco, abrandava-se, aculmava-se, rejubilava-se, revestia-se novamente de enthusiasmo, de admiração, de amizade por esse homem que conhecera quasi adolescente... Encontrando-o hoje em a rua, abraçou-o longamente, como quem repara uma injustiça e acompanhou-o até a casa...
Logo que penetraram em o quarto, instinctivamente seus olhares dirigiram-se para as angelicas que exangues, lividas, morriam de perfume, de ebriez sobre a alvura do linho como se fossem corpos virgens atormentados por amores estereis...
Theophilo reprimiu uma exclamação: Com certeza fôra Ladice quem collocara alli, onde sua cabeça iria repousar, essas flores que lhe faziam lembrar o pallôr ardente de sua pelle. Segurando-as com carinho, fitava, suspenso, essas flôres ardorosas, cheias de morbidezas femininas...
— Que ideia, pôr angelicas sobre o travesseiro! — disse João.
— Mera distracção... Sai ás pressas — respondeu Theophilo, guardando-as em o bolso do casaco. Elle queria ter comsigo, contra o corpo essas tuberosas que viveram em a cintura de sua amada, que lhe haviam passado pelos dedos, pelos labios e ahi deixado a sua formosura, o seu frescor.
O Senhor Dalmada habituado ás estravagancias do poeta, não commentou o facto.
Sentaram-se e puzeram-se a conversar.
João queixava-se da solidão de sua vida de celibatario, da aridez invencivel de seu intimo, da saciedade suprêma de suas sensações...
— Tudo me enfastia, me aborrece... E´ uma loucura o homem se não casar — accrescentou elle.
Theophilo permaneceu calado, apenas deitou um olhar de piedade e de desprezo para esse libertino que o prazer esgotara, para esse homem que aos quarenta e oito annos, já sentia o grande silencio desolador, a inercia, a vacuidade de fremito, do fim da vida... Elle agora não podia revelar o ardor da juventude, mas devia ter as sombras, as duvidas, o encantamento do crepusculo, as penumbras, as claridades fuscas, o tom indeciso, ambiguo, que liga o dia á noite... A sua emotividade, a sua sensação findaram-se de repente como essas magnolias pequenas, como essas azáleas que tombam, que passam de subito da belleza ao nada, sem nunca emmurchecerem...
Restava-lhe sómente a carcassa do corpo, esse tecido biologico, esse envolucro vegetativo, essa parte physica de seu ser...
Achava-se de pé, em a vida como um animal — sem paixões. — Em mente Theophilo se lhe comparava: Apesar de tocar os limites da juventude, ainda trazia o abrasamento das primeiras surpresas, das primeiras investidas de amor, a incandescencia rubra das nuvens, dos espaços possuidos de sol... Elle se affirmava com orgulho de que, quando attingisse a idade de João, haveria de ter, a grandiosidade, o clarão mysterioso, soberbo em as suas vacillações, a saudade melancolica, pungente do adeus á era mais sublimada, mais delirante de nossa existencia...
A sua vida passada fôra uma dolorosa peregrinação atrás da mulher de seus desejos. A sua sobriedade, talvez, fôra devido a essa exigencia de sua natureza, a esse clamor perenne por um determinado ideal, que o refreara sempre, lhe continha as outras tendencias, o obrigava a buscar em os estudos, o esquecimento de si, de seus infortunios, de seu casamento contrariado. Theophilo carregava os esplendores de uma virgindade, a força destruidora do fogo, das leis inflexiveis...
— Os prazeres te fizeram abandonar sentimentos mais nobres, não te deixaram tempo preciso para desenvolvel-os... Passaste a mocidade, amando sómente as mulheres...
— As mulheres atalhou João enternecido. — Tens razão; adorei-as... Conhecia-as de todos os typos e estirpes...
— Entretanto, nunca tiveste uma paixão... O que adorava n´ellas, era o sexo...
— Póde ser... Em todo o caso, reconheço que fui muito inconstante... No fim de um mez já não supportava a mesma...
— E ainda deploras a tua liberdade... Serias um péssimo marido... Sê solteiro a bem do feminismo — retorquiu-lhe ironico, o poeta.
Assim elles continuaram largo tempo, um a defender o outro, a atacar o casamento até que a conversa de novo volveu a esse instante da vida que não podia mais ser e que tão cubiçosamente levara as venturas, a effervescencia, o raio vivificante de ambos...
João, pesaroso, principiou de recordar-se de certos factos de outr´ora, da viagem que emprehenderam juntos ao mar de Azoff; da elegia que Theophilo recitara em deixando atrás de si como um sonho langoroso, a ilha de Mytilene; da reverencia majestosa que o Poeta fizera ao Astro-Rei, em pisando a cidade santa, adeante de mussulmanos espantados, da oração profana que elle endereçara a uma grega de nariz rectilineo e olhos afogueados... Os dois riam, e tornavam-se sobrios, presos da triste volupia do que foi.
Depois de um curto silencio:
— Não me posso explicar a tua demora d´esta vez aqui no Rio... D´antes ficavas apenas uma semana... — indagou-lhe.
— Saudades de meu paiz... O estrangeiro afinal acaba fatigando... Actualmente, o Rio está habitavel. Ha espaço, ar, hygiene... De resto estou trabalhando, escrevendo...
— Não cessas de estudar... Como te invejo! — disse o senhor Dalmada de todo saneado das supposições malsinadas. E´s um privilegiado; gosas por todas as faculdades, por todas as percepções... Gosas continuamente...
Theophilo suspirou ao lembrar-se de Ladice... Que lhe valia tudo aquillo, mesmo a gloria, se ella não era toda sua, só sua?
— Sim, goso; mas soffro muito, oh! horrivelmente...
E a sua mão, procurava as angelicas que lhe jaziam em o bolso, apertando-as com frenesi...
— E´ porque sempre anceias?... Tens uma alma muito ambiciosa... Queres as alturas; aspiras a ser a propria luz...
Theophilo não respondeu. Elle desejava isso mesmo e mais ainda: — Quebrar o passado, recuar os annos, aniquilar o que foi, voltar á aurora de sua vida, torcer o destino, forjar com ousadia, com affouteza, com energia a sua felicidade, morrer esvaido em o deslumbramento de seu amôr. O seu coração agoniado, rendia-se ante essa impotencia, ante esse obstaculo insuperavel, invencivel, contra o qual, se chocavam indefessas, bravias, feras, todas as revoltas, todas as raivas, toda a insania de sua vontade...
A sua feição tristonha, a infelicidade que resumbrava de sua pessôa, de suas palavras, eram para o Senhor Dalmada, motivos de alegria: os nervos da face se lhe relaxavam e elle sorria satisfeito...
— Vem, disse-lhe Theophilo, erguendo-se. Verás que não perco o meu tempo, aqui no Rio, que, apesar de passear, hei cumprido o dever que a mim me impuz.
Seguindo-o, João reparava que elle era sempre o mesmo: exquisito, irregular no gesto e nas acções, mudavel, cheio de contrastes flagrantes, só tendo uma unica immobilidade, uma unica fixidez — a paixão pelos livros.
A saleta estava escura. Theophilo abriu uma janella, e veio para a mesa onde se achavam amontoados os seus manuscriptos... Mas, ao approximar-se, notou que mãos estranhas haviam passado por alli. Aquella estatua fóra do lugar sobre a pasta onde escrevia... E seus olhos deram com o nome de Ladice escripto em letras enormes... Profundamente abalado, afflictissimo, perplexo, sem saber o que fazer, dobrou afinal a folha de papel, amarrotou-a, fechou-a dentro da mão, continuou a mexer em os livros, como se nada houvesse acontecido; não ousando, todavia, levantar os olhos para João, de pé, parado, silencioso...
N´essa attitude de embaraço e de alvoroço, poz-se â lêr, apressado, as primeiras paginas de seu novo Poema...
O Senhor Dalmada ao seu lado já havia lido e relido aquelle nome e mais as palavras, “Meu Thêo”... Aturdido, amparando-se contra a mesa, sentia rugir, bradar-lhe em o peito os tormentos, o desespero, a rebellião dos embahidos, dos ludribiados...
Elle não prestava a minima attenção ao que Theophilo lhe lia em voz alta. Aquellas palavras se lhe entranhavam em o cerebro, em o coração, em as pulsações; rasgavam-lhe a bondade, a clemencia, a tolerancia; espalhavam-lhe em o sangue o germen assolador, implacavel da vingança, da colera... Elle não cessava de repetir em o intimo: “Oh! dissimulação! oh! hypocrisia feminina! Hei de dizer-lhe que lhe descobri o segredo, a impureza... Oh! amante febril que vem procurar o seu amante!...”— Assim elle permaneceu algum tempo.
Ao sentir-se mais calmo, João, lentamente, sem olhar o companheiro, disse-lhe.
— E´ tarde... Vou-me indo... Tenho um compromisso. — E esforçando-se por ser amavel: — São admiraveis os teus versos...
Theophilo ainda tomado de forte emoção, agiu como se fôra um suggestionado, levantou-se, agradeceu-lhe as referencias, e apertou-lhe affectuosamente a mão.
Na manhã seguinte, ás dez horas, João se apresentou em casa da Senhora de Assis. Elle mostrava em a physionomia, vestigios de uma revolta subita e impetuosa, de uma angustia turbulenta, aniquilante, identica ao do naufrago, ao do moribundo jovem e lucido que vê, que sente a vida se lhe perigar, sumir, fugir...
O golpe fôra cruel; devastara-lhe de uma só vez decisivamente e para sempre a sua tentativa de felicidade, o engodo sublime de seu desalento.
Dir-se-ia que elle parára ante as portas do Inferno, e recuara, trazendo, as sensações exhaustas, aterrorizadas, estuporadas... Elle só tinha uma predominação em todo o ser, uma tristeza immensa, desolante, irremediavel.
Ladice se encontrava, n´esse momento no pomar, sentada no chão, sobre a areia, encostada em o tronco vigoroso de um jambeiro que se lançava direito e firme para o céo como se fora o brado de um gigante, um pensamento que surgira á luz, um louvor venusto, ardego, febril da terra aos esplendores do verão. Seus galhos floridos, manchados de nodoas rubidas, de rosas esbraseadas, de chagas, de rodas de fogo, feriam o espaco, com denodo, resolutos, altivos, extacticos.
Ladice entregava-se inteira á poesia calma, subtil, estontrante, d´essa manhã. Pelo seu corpo esguio passavam, alternativamente, brisas calidas, frescas, cheias de sal, de sombras, fragrantes, ardentes, que lhe traziam restos de fremito, de mysterio, de pujança d´essa mata vizinha que se apresentava á sua retina cono sendo o transumpto, a synthese da vida universal... Parecia lhe ver mãos invisiveis tecerem e destecerem existencia, engendrar em relentos, cercearem vergonteas, germinarem semenies, secarem arbustos... Era una luta eficaz, lenta, silenciosa, era um esforço insito manso. Um combate fatal, certo de creação e de destruição! “A vida é um instante; a morte, sim, é eterna, eterna...— dizia Ladice a si mesmo, sentindo surdir-lhe em o coração com o clamor das tempestades, das aguas em movimento, o grande desejo de ver Theophilo, de pertencer-lhe para sempre...
Ella ficou por momentos refugiada em si, empegada em o seu pensamento. O sol adherente, carinhoso, cobria-lhe os pés á semelhança de coma loira de gentil nereida; as borboletas volteavam-lhe em torno da cabeça sombria; o encantamento da natureza a chamava, a seduzia, a possuia, a tornava sua ideia, sua alma, seu principio activo.
Ladice lobrigava em o arvoredo ainda adolescente, impaciencias, energias, forças retidas, impetos de crescer, de medrar, de dominar, de exceder aos outros, de se fartar de claridade, de ar, de amplidão, de alturas... E ella pensava: “E´ o mesmo ardor juvenil, é o mesmo bulicio do viço, da vida, é a ambição admiravel, é a transformação milagrosa, soberba, é o symbolo sensivel de toda a humanidade!... E as suas pulsações eram dominadas, acceleradas, suffocadas pelo rythmo ardoroso, incisivo que desferia essa anarchia muda, essa desordem verde de ramas, de cipós, de arvores, de sarmentos, de eles, de frondes emmaranhadas, enredadas, confusas, a se prenderem, a se premerem. a se empurrarem, a se fundirem, fazendo uma só unidade, uma só massa, fraternizando-se obrigadamene, glorificando, celebrizando o triumpho espontaneo, ingente, maravilhoso do amor.
Deslumbrada, adelgaçada de emoção, exclamava, extendendo os braços para a frente: “Meu Deus; porque me deste o ser!” — A excessividade de sua violencia a fazia soffrer. Deante de seus olhos fixos, as flores, os frutos, as folhas tombavam mollemente, á feição de corpos que se dão, de vagas que se estiram... Elles voltavam para a terra faminta, para a mãe obstinada, egoista, implacavel que os formara e que agora os desejava, os reclamava para outras cellulas, para outros sêres... Instinctivamente sobre essa mesma terra sequiosa e assimiladora, as mãos alvas e finas da Senhora de Assis deixavam-se cair, dolentes, furtivas, vertiginosas — lirios vivos, rosas de amor, conchas de nacar, ex-votos do coração humano á inexorabilidade terrena: “Terra insensivel, quando eu for dormir em o teu seio — dizia Ladice á meia voz, segurando um punhado de areia—por piedade, não profanes o setim, as gazes que me envolverão o corpo luminoso... Redobra o teu furor n´esse dia; colhe todos os cravos do universo inteiro, faze com elles o meu leito funerario... Quero repoisar sob o seu peso, sob a sua pressão, calcada, asphyxiada em esse ambiente delirante... Quero ser o fruto novo, a flamma de tuas entranhas... — E depois de uma pequena pausa — oh! se o poeta do amor, a Swinburne vivesse!... Eis outro plectro que me saberia cantar... Que orgulho não teria a posteridade, lendo um poema tecido com o meu perfil antigo, sonoroso, de minhas sensações ineditas, extrêmas, de minha volupia, de minha dôr extensiva, do extase de minha boca... Elles viriam pallidos, reverentes e tristes, esparzir papoulas, escabiosas, jasmins sobre esse corpo apaixonado, magnifico, como as auroras, como os horizontes encandescidos, impressionador como lagos solitarios onde cyprestes vigiam e chorões se curvam... — E dentro de seus olhos agglomeravam-se pesares, melancolias...
João se approximava, avançava a passos vagarosos, alheio á belleza da manhã e á do lugar. Apenas ouvia a voz de sua prima misturada com os sons, com o ruido dos mil insectos invisiveis que se abritavam em a ramaria. Parando, elle murmurou, ella recita. e proseguiu o seu caminho.
A Senhora de Assis logo que vio, foi-lhe ao encontro, dar-lhe as boas vindas.
— Vens a mim como Atalanta: ridente, rosea divina, fresca... — edindo-a de alto a baixo — talvez alguma Artemis poderosa labore o teu destino segundo a tua vontade soberana — accrescentou João inebriado pela sua presença.
— Não sou feliz como julgas... Falta-me tudo João, porque me falta a felicidade.— Ella ficou immovel, séria, as suas linhas finamente desenhadas em o fundo verde de espessos arbustos. Dir-se-ia a humanização de um dithyrambo grave e nobre de Pindaro.
O Senhor Dalmada comprehendeu o que essa palavra significava: Theophilo, ser d´elle, viver com elle.
Revestindo-se de severidade, o ciume dominando-lhe em o sangue, João respondeu-lhe pausadamente emquanto voltavam para a casa:
— O que te falta é mais coherencia, mais senso, mais reflexão, mais sinceridade...
Ladice não se zangon, attribuiu essa censura ao rancor do sexo, ou quiçá, ao despeito e cheia de hilaridade replicou:
— Se eu fosse assim deixaria de ser a mulher que tanto aprecias. Nietzsche diz que o nosso maior encanto repoisa justamente em esses defeitos... Elle nos não concebe sem a mobilidade das paixões... — E a sua boca abrindo-se para o riso mostrava petalas de jasmins.
— Deixemos o philosopho allemão e as suas theorias... A senhora casada deve ser modesta, simples, retrahida... Deve abster-se de tudo...
— Seriam as virtudes de uma creança: ignorancia do mal e ausencia de paixões... — retorquiu ella, rindo sempre.
João exasperou-se do seu modo zombeteiro e exclamou:
— Por que motejas? Dize-me, serias capaz de passar pela vida indifferente ás suas tentações, nos olhares, á admiração, á ardencia dos homens? Entregarias á morte um corpo immaculado, virgem de sensações impuras, serias capaz? — Ladice não replicou, sómente seus dedos empallidecidos se apertavam cada vez mais. — Oh! não me ousas responder. Tens consciencia de que não és ais a Ladice que conheci, e cujo coração eu outr´ora segurava em as mãos como se fora um fruto, através do qual, eu via todos os sentimentos, todos os segredos pudicos... Enquanto hoje tens amores prohibidos. E seus olhos se fixavam em o rosto de Ladice, satanicos, victoriosos, selvagens...
— Em que razões, em que provas tu te estribas? perguntou-lhe a Senhora de Assis, indignada.
— Ainda hontem, estiveste em casa de Theophilo... E lá deixaste angelicas e uma carta escripta em papel almaço... — João a enfrentava resoluto, os labios cerrados.
Ladice sentiu dentro de si o movimento subito que o animal toma para dar o bote, e, fremindo de colera, pronunciou a custo:
— E que tens tu com isso? A minha pessôa é livre...
— Pertences ao teu marido e á sociedade...
— Repito-te que sou livre... Se estou com Francisco é porque eu quero...
— Seria mais digno que o abandonasses...
— Se o não faço é por piedade...
— Se elle souber, matar-te-á...
— Qu´importa... Será o meu triumpho...— Pela sua physionomia passavam raios de jubilo em antegoso d´esse delirio de sacrificio pessoal.
João em seu intimo invejava-lhe o arrojo d´esse amor fatal...
— Oh! a vileza de Theophilo... Conta-me os ardis que empregou para te seduzir. — E premia as fontes em um gesto de desespero.
— Elle não teve essa necessidade: amavamos-nos; fomos um para o outro; eramos duas almas semelhantes que nos buscavamos e finalmente nos encontramos: saibas tu que quando a mulher não quer, quando a sua vontade se oppõe, ella é invulneravel...
— Mas, dize-me, como ousaste transgredir os principios sãos de tua educação, onde pairam a tua virtude, a tua religião, a tua honra, a tua lealdade? — João fatigado, sentou-se.
Ladice vibrando de ponta a ponta, tocando-lhe de leve em o hombro:
— Desconheces a violencia da paixão? O que são virtude, honra, marido, sociedade, lealdade, ante este sentimento tão poderoso, tão louco, tão avassallante que os proprios moralistas e physiologistas a attribuem antes ao sôpro do genio da especie do que ao desejo do proprio individuo... Chamfort diz que os amantes em este caso são um do outro pela natureza, que elles se pertencem de direito divino, apesar das leis e das convenções humanas... Perante a sciencia, quem ama é um irresponsavel...
— Sim, mas para uma alma de escol como a tua, o amôr platonico deveria ser sufficiente... Serias a virtude redemptora, a virtude que se não dá...
— Convinha-lhe dizer justamente o contrario do que pensava.
Ladice de pé, de mãos unidas, repassada de doçura, lyrica, ardente, os cabellos em desalinho:
— Amei durante annos em imaginação, emquanto distancias enormes nos separavam; mas o fado foi bom para commigo; quiz premiar-me a perseverança; trouxe-o para perto de mim. — E Ladice ajoelhou-se- lhe ao lado, como o fazia em solteira. — Oh, e dominação immensa da pessoa d´elle sobre a minha, oh, o esforço torturante de fingir, de me refrear, de lhe não dizer que o amava, de lhe não agarrar a cabeça e beijal-a perdidamente... Ah, João, amo-o com o amôr forte de todos os seres vivos e mortos... O meu ser, o meu espirito eivados d´elle, são d´elle: sou-lhe a vontade concreta, a dôr, o limite radioso de seus desejos...
Os seus cabellos se desprenderam, baixaram sobre ella como um olhar amoroso, ciumento, cioso...
João em mente a comparava aos perfis brilhantes, magnificos de acção e de vitalidade impetuosa, da antiga eschola veneziana...
O seu resentimento diminuira, a sua colera affrouxára ante a terneza d´essa mulher maravilhosa.
Suas mãos tremulas e hesitantes acariciavam as mãos de Ladice, frias, nervosas, convulsas... Assim permaneceram por minutos, silenciosos, entregues a emoções estranhas.
— Que situação embaraçosa! Incommoda-me ✪ teu fim... Qual será? — interrogou-lhe o Senhor Dalmada carinhoso, meigo...
— Não sei... Vivo do presente. Mas garanto-te que não poderei viver sem elle... — Lagrimas abundantes corriam-lhe pela face, pelas mãos de João.
— Se o teu amor é tão forte como o declaras, abandona tudo, vai para Theophilo... — segredou-lhe elle, apoiando contra o hombro a cabeça febril de sua prima...
— Francisco morreria... Elle me adora. Ser-me-ia impossivel a existencia sob o peso de um remorso sem remissão. — E Ladice chorava amargamente, doudamente, balbuciando de vez em quando: — “amo-o tanto, mas tanto... tanto...
Mais tarde em a casa dos Barões de Sant´Hilario, todos attribuiam a languidez triste da Senhora de Assis, á proxima viagem de seus pais e á entrada de Dinah, em o dia seguinte, para o noviciado das freiras de Santa Theresa.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.