O Burro Juiz

A gralha começou a disputar com o sabiá afirmando que sua voz valia mais que a dele. Como as outras aves se rissem daquela pretenção, a barulhenta matraca de penas gralhou furiosa:

— Nada de brincadeiras! Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. O sabiá canta, eu canto, e uma sentença decidirá quem é o melhor cantor. Topam?

— Topamos! piaram as aves. Mas quem servirá de juiz?

Estavam a debater este ponto quando zurrou ao longe um burro.

— Nem de encomenda! exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeirissima ordem para julgamento da musica, porque nenhum animal possue orelhas daquele tamanho. Convidemo-lo para julgar a causa.

O burro aceitou o juizado e veio postar-se no centro da roda.

— Vamos lá, comecem! ordenou ele.

O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam os sabiás, repinicando os trinos mais melodiosos e limpidos.

— Agora eu ! disse a gralha, dando um passo á frente. E abrindo a bicanca matraqueou um berreiro de romper os timpanos aos proprios surdos.

Terminada a prova, o juiz abanou as orelhas e deu sentença:

— Dou ganho de causa a dona Gralha, que canta muito melhor que mestre sabiá.


Quem burro nasce, togado ou não, burro morre.

— Estou compreendendo, disse Narizinho. A gralha escolheu para juiz o burro justamente porque um burro não entende nada de musica — apesar das orelhas que tem. Essa gralha era espertissima...

— Pois se escolhesse o nosso Burro Falante, disse Emilia, quem levava na cabeça era ela. Impossivel que o Conselheiro não desse sentença a favor do sabiá! Já notei isso. Sempre que um passarinho canta num galho, ele espicha as orelhas e fica a ouvir, com um sorriso nos labios...

Dona Benta riu-se e deixou passar a fabula sem nenhum comentario.


Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.