A Morte e o Lenhador
Um velhinho, muito velho, vivia de tirar lenha na mata. Os feixes, porém, cada vez lhe pareciam mais pesados. Tropicava com eles, quasi caía, e um dia, caíndo de verdade, perdeu a paciencia e lamentou-se amargamente:
— Antes morrer! De que me vale a vida, se nem com este miseravel feixe posso? Vem, ó Morte, vem aliviar-me do peso desta vida inutil.
Tentou erguer a lenha. Não pôde e, desanimado, invocou pela segunda vez a Magra.
— Por que demoras tanto, Morte? Vem, já pedi, vem aliviar-me do fardo da vida. Andas pelo mundo a colher criancinhas e esqueces de mim que te chamo...
A Morte foi e apareceu — horrenda, escaveirada, com os ossos a chocalharem e a foice na mão.
Ao vê-la de perto o homem estremeceu de pavor, e mais ainda quando a Magra lhe disse, batendo os ossos do queixo:
— Cha-mas-te-me; a-qui es-tou!
O velho tremia, suava... E para sair-se dos apuros só teve esta:
— Chamei-te, sim, mas para me ajudares a botar esta lenha ás costas...
— Não gosto desta fabula, disse a menina, porque aparece uma Morte muito feia. Eu não queria que pintassem a morte assim, com o alfange de cortar grama ao ombro, com a caveira em vez de cara e aquele lençol embrulhando o esqueleto...
— Você tem razão, minha filha. Essa imagem da morte é coisa da Idade Media, o tempo mais tragico e triste da Historia. A Morte não é nada disso. E’ um bem. E’ um remedio. E’ o Grande Remedio. Quando um doente está sofrendo na maior agonia, a Morte vem como o fim da dor.
— Morte de que eu gosto, disse Pedrinho, é aquela dos americanos...
Ninguem entendeu. Ele explicou.
— Lembram-se daquela fita que vimos no cinema, HORAS ROUBADAS? A Morte era Mister Ceifas, um moço muito elegante e delicado, mas de rosto impassivel. Entrou naquele jardim e com um gesto muito amavel convidou o velho entrevado a ir com ele. O velho não quis. Mister Ceifas não se aborreceu. Ficou por ali. De repente, o velho quis morrer e então Mister Ceifas aproximou-se, sempre com aquela gentileza, e extendeu-lhe a mão. E o velho ergueu-se da cadeira de rodas, leve como se fosse um moço, e lá se foi pela mão de Mister Ceifas... Que beleza! Eu gostei tanto que perdi o medo da morte. Se ela é assim, que venha buscar-me. Sairei pela mão de Mister Ceifas tal qual aquele velho — feliz, sorrindo e gosando a beleza das paisagens do outro mundo...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.