O Burro na Pele do Leão

Certo burro de ideias, cansado de ser burro, deliberou fazer-se leão.

— Mas como, estupida criatura?

— Muito bem. Ha ali uma pele de leão. Visto-a e pronto! Viro leão!

Assim fez. Vestiu-a e pôs-se a caminhar pela floresta, majestosamente, convencido de que era o rei dos animais.

Não demorou muito e apareceu o dono.

— Vou pregar-lhe o maior susto da vida, pensou lá consigo o animalejo — e lançando-se à frente do homem desferiu formidavel urro. Em vez de urro, porém, saiu o que podia sair de um burro: um zurro.

O homem desconfiou.

— Leão que zurra!... Que historia é esta?

Firmou a vista e logo notou que o tal leão tinha orelhas de asno.

— Leão que zurra e tem orelhas de asno ha de ser na certa o raio do Cuitelo que me fugiu hontem do pasto. Grandississimo velhaco! Espera aí...

E agarrou-o. Tirou-lhe a pele de leão, dobrou-a, fez dela um pelego e, montando no pobre bicho, tocou-o para casa no trote.

— Toma, leão duma figa! Toma... e pregava-lhe valentes lambadas.


Quem vestir pele de leão, nem zurre nem deixe as
orelhas de fora.

— Bravos! gritou Pedrinho batendo palmas. Está aí uma fabula que acho muito pitoresca. Gostei.

— Pois eu não gostei, berrou Emilia, porque trata com despreso um animal tão inteligente e bom como o burro. Por que que esse fabulista fala em “estupida creatura?” E por que chama o pobre burro de “animalejo?” Animalejo é a avó dele...

— Emilia! repreendeu dona Benta. Mais respeito com a avó dos outros.

— E’ que não suporto essa mania de insultar um ente tão sensato e precioso como é o burro. Quando um homem quer xingar outro, diz: “Burro! Você é um burro!” e no entanto ha burros que são verdadeiros Socrates de filosofia, como o Conselheiro. Quando um homem quiser xingar outro, o que deve dizer é uma coisa só: “Você é um homem, sabe? Um grandississimo homem!” Mas chamar de burro é, para mim, o maior dos elogios. E’ o mesmo que dizer: “Você é um Socrates! Você é um grandississimo Socrates...”

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.