O Perú Medroso
Gordo perú e lindo galo costumavam empoleirar-se na mesma arvore. A raposa os avistou certo dia e veio vindo contente, a lamber os beiços como quem diz: “Temos petisco hoje!”
Chegou. Ao avista-la o perú leva tamanho susto que por um triz não cai da arvore. Já o galo o que fez foi rir-se; e como sabia que trepar á arvore a raposa não trepava, fechou os olhos e adormeceu.
O perú, coitado, medroso como era, tremia como varas verdes e não tirava do inimigo os olhos.
— O galo não apanho, mas este perú cai-me no papo já... pensou consigo a raposa.
E começou a fazer caretas medonhas, a dar pinotes, a roncar, a trincar os dentes, dando a impressão duma raposa louca. Pobre perú! Cada vez mais apavorado, não perdia de vista um só daqueles movimentos. Por fim tonteou, caíu do galho e veio ter aos dentes da raposa faminta.
— Estupido, animal! exclamou o galo acordando. Morreu por excesso de cautelas. Tanta atenção prestou aos arreganhos da raposa, tanto atendeu aos perigos, que lá se foi, catrapús...
— Eu conheci um homem assim, disse dona Benta. Tomava um milhão de precauções para evitar males. Só bebia agua filtrada. Andava pelo meio da rua para evitar que lhe caisse sobre a cabeça os vasos de flor das janelas. Desinfetava as mãos sempre que dizia adeus a alguem...
— E que fim levou esse homem, vóvó?
— Morreu de um desastre de aviação.
— Mas se ele tinha tanto medo de tudo, como teve coragem de voar?
— Ele não estava voando, meu filho. O avião caiu em cima dele, na rua.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.