O Lobo e o Cordeiro

Estava o cordeiro a beber num corrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.

— Que desaforo é esse de turvar a agua que venho beber? disse o monstro arreganhando os dentes. Espere, que vou castigar tamanha mácriação!...

O cordeirinho, tremulo de medo, respondeu com inocencia:

— Como posso turvar a agua que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?

Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.

— Além disso, inventou ele, sei que você andou falando mal de mim o ano passado.

— Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?

Novamente confundido pela voz da inocencia, o lobo insistiu:

— Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.

— Como poderia ser o meu irmão mais velho, se sou filho unico?

O lobo, furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veiu com uma razão de lobo faminto:

— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!

E — nhoc! — sangrou-o no pescoço.

Contra a força não ha argumentos.

— Estamos diante da fabula mais famosa de todas, declarou dona Benta. Revela a essencia do mundo. O forte tem sempre razão. Contra a força não ha argumentos.

— Mas ha a esperteza! berrou Emilia. Eu não sou forte, mas ninguem me vence. Por que? Porque aplico a esperteza. Se eu fosse esse cordeirinho, em vez de estar bobamente a discutir com o lobo, dizia: “Senhor Lobo, é verdade, sim, que sujei a agua deste riozinho, mas foi para envenenar tres perus recheados que estão bebendo ali em baixo”. E o lobo, já com agua na boca: “Onde?” E eu, piscando o olho: “Lá atrás daquela moita!” E o lobo ia ver e eu sumia...

— Acredito, murmurou dona Benta. E depois fazia de conta que estava com uma espingarda e, pum! na orelha dele, não é? Pois fique sabendo que estragaria a mais bela e profunda das fabulas. La Fontaine a escreveu dum modo incomparavel. Quem quiser saber o que é obra prima, leia e analise a sua fabula do Lobo e o Cordeiro.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.