O Pastor e o Leão


Um pastorzinho, notando certa manhã a falta de varias ovelhas, enfureceu-se, tomou da espingarda e saiu para a floresta.

— Raios me partam se eu não trouxer, vivo ou morto, o miseravel ladrão das minhas ovelhas! Hei de campear dia e noite, hei de encontra-lo, hei de arrancar-lhe os figados...

E assim, furioso, a resmungar as maiores pragas, consumiu longas horas em inuteis investigações.

Cansado já, lembrou-se de pedir socorro aos ceus.

— Valei-me, Santo Antonio! Prometo-vos vinte rezes se me fizerdes dar de cara com o infame salteador.

Por estranha coincidencia, assim que o pastorzinho disse aquilo apareceu diante dele um enorme leão, de dentes arreganhados.

O pastorzinho tremeu dos pés á cabeça; a espingarda caiu-lhe das mãos; e tudo quanto pôde fazer foi invocar de novo o santo.

— Valei-me, Santo Antonio! Prometi vinte rezes se me fizesseis aparecer o ladrão; prometo agora o rebanho inteiro para que o façais desaparecer.


No momento do perigo é que se conhecem os herois.



— Pois eu escorava o leão! disse Pedrinho. Se estivesse com uma boa espingarda, escorava — ah, isso escorava! Levava a espingarda á cara, fazia pontaria e pum!...

— E se errasse? interpelou a menina.

— Se errasse, peor para mim. Correr é que não corria, porque adianta correr de leão? Ele pega mesmo...

Dona Benta riu-se da valentia e falou.

— Por essa razão é que a "moralidade da fabula diz que é no momento do perigo que se conhecem os herois. Se você não fugia, então é que é mesmo um heroi. Mas o tal pastorzinho não era...

— E foi bom que não fosse, disse a menina.

— Por que?

— Porque se ele fosse um heroi como Pedrinho, não podia haver essa fabula.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.