Examinam primeiramente a carga do burro humilde, e,
— Farello! exclamam, desapontados. O demo o leve! Vejamos se ha coisa de mais valia no da frente.
— Ouro! ouro! gritamos arregalando os olhos. E atiram-se ao saque.
Mas o burrinho resiste. Desfere coices e dispara pelo campo afóra. Os ladrões correm-lhe atrás, cercam-no, e dão-lhe em cima de pau e pedra, sem dó nem piedade. Afinal, saqueiam-no.
Terminada a festa, o burrinho de ouro, mais morto que vivo e tão surrado que nem sustentar-se em pé podia, reclama auxilio do outro, que, muito fresco da vida, retouçava o capim sossegadamente.
— Socorro, amigo! Vem acudir-me que estou descadeirado...
O burrinho do farello respondeu zombeteiramente:
— Mas poderei, acaso, approximar-me de Vossa Excellencia?
— Como não? A minha fidalguia estava toda dentro da bruaca, e lá se foi nas mãos daquelles patifes. Sem as bruacas de ouro no lombo sou uma pobre besta igual a ti...
— Bem sei. E’s como certos grandes fidalgos do mundo que só valem pelo cargo que usurpam. No fundo, simples bestas de carga, eu, tu, elles...
E ajudou-o a regressar para casa, decorando para seu uso, bem decoradinha, a lição que ardia no lombo do vaidoso.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.