Eram felizes. Queriam-se muito e contentavam-se com o que tinham.
Mas um delles perdeu a cabeça e, farto de tanta paz, encasquetou a idéa de correr mundo.
— Para que? advertiu o companheiro. Não vives sossegado, aqui, neste remanso?
— Quero ver terras novas, respirar novos ares...
— Não vás! Ha mil perigos pelo caminho, incertezas, trai- ções... Além disso, o tempo não é proprio. Epoca de temporaes, poderá um delles colher-te em viagem — e ai de ti!...


De nada valeram os bons avisos. O pombinho assanhado beijou o companheiro e partiu.
Nem de proposito, uma hora depois o céo se tolda, os ventos rugem e sobre a terra desaba tremendo aguaceiro.
O imprudente viajante aguenta O temporal inteiro fóra de abrigo, repimpado numa arvore secca. Soffre horrores; mas salva-se e, vinda a bonança, póde continuar à viagem. Dirige-se a um lindo artozal, pensando:
— Que vidão irei passar neste mimoso tapete de verdura !
Ai!... Nem bem pousou e já se sentiu preso num laço cruel.
Uma hora de desespero, a debater-se...
Foi feliz, ainda. O laço, apodrecido pelas chuvas, rompeu-se e o pombinho safou-se. E fugiu, exhausto, com varias pennas de menos e uma tira de corda aos pés, a lhe embaraçar o vôo.
Nisto um gavião surge, que se precipita sobre elle com a rapidez da flexa. O misero pombinho, atarantado, mal tem tempo de lançar-se ao terreiro d'um casebre de lavrador. Livra-se dess'arte, do rapinante, mas não póde livrar-se dum menino que, de bodoque em punho, corre para cima delle e o espeloteia.
Corre que corre, pereréca que pereréca, o malaventurado pombinho consegue inda uma vez escapar, occulto num ôco de pão.
E alli, curtindo as dores da asa quebrada, esperou pacientemente que o inimigo se fosse. Só então, com mil cautelas, logrou fugir e regressar para casa.
O companheiro, ao vel-o chegar assim, arrastando a asa, depennado, moido de canseira, beijou-o repetidas vezes entre lagrimas, e disse:
— Bem certo o dictado: boa romaria faz quem em casa fica em paz.


Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

