Nesta hora era que a nhê-nhá estava distrahida, Fantina aproveitou para dizer adeus a Daniel, que chegára quando foi servido o jantar. Toda medrosa e tremula ella passou pela sala de visita, e chegando á varanda, deu quasi de frente com elle, que se ergueu rápido.
—Como vaes, Daniel ? Estás tão sumido ! . . .
—Trabalhando muito por tua causa, meu bem...
E chegando-se a ella pegou nas suas mãos papudinhas e quentes.
Depois ouviu-se o esvoaçar de um beijo.
—Olha que pode vir alguém, Daniel!
Mas elle com a rude franqueza dos camponezes chegou-a ao peito, que estuava ; e ella na doce confiança dos corações ingenuos, deixava-se levar. Por muitas vezes, desde meninos, Daniel a perseguia ; mas quando passava-lhe as mãos com força, ella fallava em gritar. Beijos e abraços por muitas vezes foram estrophes que os dois rimaram ao calor de masculinidades virgens.
Daniel queria casar-se; tinha-lhe muito amor, e muito desejo sensual, também. Agora, ella já mulatinha de desoito annos inflammatorios, producto de duas raças viris, com uns cabellos pretos e luzidios como o anum, cacheados; com dois olhos humides e velozes como o gume de um punhal da Numancia ; e os labios de uma carnação rubra como as tintas das auroras boreaes, olhavam de cima os seios que rivalisavam com as metades de uma gamboa temporona — apresentava o typo da americana meridional. Os senhores moços quando encontravam-na longe de D. Luzia, davam beliscões e diziam-lhe palavras de significação equivoea. Promettiam-lhe mundos e fundos : a carta de liberdade e uma negra. Estas tentativas malogravam-se de encontro ao muro de seu pudor casto.
Um medico italiano esteve rodeando muito a fazenda: diziam que doido. Ella nem o conhecia. Sei que o infeliz Lovelace sendo arguido sobre seus amores, respondera friamente : Quantuque bella con tutto ció non mi piace. D. Luzia tinha ciúmes de Fantina, e attribuia a ella ou aos seus cobres todas as festas que se lhe faziam.
Um arrastado de cadeira na sala de jantar interrompeu o dore colloquio.
—Não, não ! chega que pode vir gente Nhê-nhá está acabando de jantar.
Daniel convulsionado, sentindo mil vidas, uniu-a ao seio e depoz-lhe um beijo tão inflammatotio, que produziu no seu organismo um jorro de sensualidade, semelhante a água de um açude quando rompe-se em borbotões mugidores. Daniel disse que já possuia um conto de réis, mas que ainda não chegava. Convidou-a para fugir; ella recusou, porque estimava muito a nhê-nhá. E dando nelle mais um abraço, pediu que apparecesse.
Em seguida sumio-se pelo corredor. Daniel a amava com uma fome de alarve. Os desejos carnaes dando vigor á sua imaginação, puchavam-o para juncto della, como o pescador pucha pelos cabellos o companheiro que caiu da canôa.
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