Fausto (traduzido por Agostinho de Ornelas)/VII
Minha linda senhora, dá licença
Que para a acompanhar lhe offreça o braço?
Não sou senhora, nem tão pouco linda,
Para casa posso ir sem companhia.
Meu Deus, como é bonita a rapariga!
Nunca vi cousa assim. É tão sisuda,
Tão cheia de decencia, e ao mesmo tempo
Um não sei que se lhe acha de travesso.
Dos labios o rubor, do rosto o brilho,
Em quanto eu existir jamais esqueço,
O modo com que os olhos poz em terra
De meu peito no fundo impresso vive.
E que tom tão altivo; é encantadora !
Escuta, has de alcançar-me aquella moça.
E qual?
A que ainda ha pouco ia passando.
Aquella ? vem agora do seu padre
Que dos peccados todos lhe deu plena
Absolvição. Atraz m'introduzira
Do confessor. É um anjo de innocencia
Que se foi confessar por cousa alguma ;
Não me é dado exercer poder sobre ella.
E comtudo já passa dos quatorze.
Fallas como o famoso Hansliederlich,
Que toda a linda flor p'ra si quizera.
E pensa que não ha favor nem honra
Que não possa colher; porém as cousas
Não correm sempre assim.
Senhor pedante,
Deixe-me em paz com seus moraes axiomas.
Aqui lh'o digo claro, se inda hoje
Em meus braços não dorme a linda moça,
Á meia noite estamos separados.
Pensa bem no que pode ou não fazer-se.
Quinze dias ao menos são precisos,
Só para excogitar hora opportuna.
Se tivesse vagar umas seis horas,
O auxilio do demo não pedia.
P'ra seduzir a pobre creatura.
Fallaes como um francez, tão presumpçoso ;
Mas tende paciencia por quem sois,
De que serve gosar já, de repente ?
Está longe de ser tão grande o gosto
Como quando primeiro de mil modos,
Com bagatellas mil, o amorsinho
Haveis disposto e bem affeiçoado,
Como tantos romances nos ensinam.
Sem d'isso carecer tenho apetite.
Agora serio e sem mais brincadeira,
Digo-vos uma vez por todas; nada
Desta linda pequena se consegue
De subito, de assalto não se leva;
É mister empregar ardis, astucia.
Alguma cousa dá-me do thesouro
Desse anjo, conduz-me onde repousa.
Um lenço que tocasse o brando seio,
Uma liga me dá, que lh'estreitasse
O joelho gentil.
Para que vejas
Que ao teu soffrer desejo ser propicio
E te quero ajudar, sem um momento
Perder, hoje ao seu quarto vou levar-te.
Vel-a -hei ? será minha?
Não de certo.
Ha de estar co'a visinha. No entanto,
Na ventura porvir todo esp'rançado,
Podereis á vontade regalar-vos
Do ambiente que a cerca.
E é já? vamos?
Inda é cedo.
Procura-me um presente
Que lhe possa levar.
(Vae-se)
Já dá presentes
Ora bravo que tem victoria certa.
Sei de muito logar onde ha thesouros
Enterrados ha tempos, vou passar-lhes
Uma leve revista sem tardança.
(Vae-se)